Tecnologias de reconhecimento facial desafiam limites da privacidade

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Os peritos estimam que os métodos de reconhecimento facial estão para ficar Nuno Ferreira Santos

Para o Mundial de Futebol que o Brasil vai organizar em 2014 estão já a ser preparados uns óculos especiais munidos com mini-câmaras que ajudarão os agentes a fotografar a cara de elementos presentes na multidão e a compará-las com bases de dados de criminosos, relata a “The Economist”. Para proteger multidões, os estados democráticos passam a fazer uso de técnicas dignas de regimes totalitários, comentam os críticos. Imagine-se se esta tecnologia estivesse já disponível em países como a Síria e a Líbia, em que as autoridades poderiam comparar as imagens captadas na hora com bases de dados de activistas dos direitos humanos ou membros da oposição.

Numa utilização mais “democrática”, que perigos comportam estas novas tecnologias de reconhecimento facial para os cidadãos de sociedades ocidentais, onde a liberdade de expressão não está ameaçada?

Amanhã será apresentado um estudo na conferência Black Hat, em Las Vegas, levado a cabo por três investigadores da Universidade americana Carnegie Mellon - Alessandro Acquisti, Ralph Gross e Fred Stutzman - que explicará, através de três experiências, a forma como estas novas tecnologias podem violar a privacidade.

Na primeira experiência, os investigadores recolheram imagens de cerca de 5000 perfis de pessoas num popular site de encontros online numa cidade em particular. Muitas destas pessoas registam-se no site sob pseudónimo. Os três investigadores usaram depois um programa de reconhecimento facial (já descontinuado) e compararam estas imagens com outras 280 imagens que tinham encontrado depois de usarem um motor de busca para identificarem perfis de Facebook de pessoas da mesma cidade. Cruzando as imagens através do software de reconhecimento facial, cerca de um décimo das pessoas que se apresentavam através de pseudónimo no site de encontros foram identificadas pelo nome verdadeiro através do perfil de Facebook.

Pode não parecer uma percentagem elevada, mas à medida que os softwares de reconhecimento facial evoluírem, mais rigorosas serão as comparações.

Os investigadores conduziram depois uma segunda experiência: tiraram fotografias com uma webcam a 93 estudantes do seu campus, com a autorização expressa dos próprios. Estas imagens foram fornecidas ao software de reconhecimento e comparadas com cerca de 250 mil fotografias disponíveis publicamente no Facebook. Cerca de um terço dos estudantes foram identificados desta vez.

Ainda mais perturbantes são os resultados de uma terceira experiência: através de recursos disponíveis publicamente online, incluindo perfis de Facebook e dados governamentais, os investigadores puderam identificar pelo menos um interesse de cada um dos estudantes fotografados no campus e, em alguns casos, os cinco primeiros dígitos do número de segurança social destes beneficiários.

De acordo com a “The Economist”, tudo isto ajuda a explicar as preocupações em torno dos softwares de reconhecimento facial nos quais o Google e o Facebook estão tão interessados. Ambas as empresas têm adquirido nos últimos tempos firmas especializadas neste campo. O Google, por exemplo, comprou recentemente a empresa Pittsburgh Pattern Recognition, que criou o programa que os investigadores usaram nos seus estudos.

Recentemente, o Facebook anunciou que iria pôr em marcha uma tecnologia que permite o reconhecimento facial automático das pessoas presentes em fotografias que são publicadas na rede. Quem não quiser ser identificado automaticamente tem de fazer opt out nas definições de privacidade.

A UE já fez saber que irá escrutinar esta função da rede social que conta com mais de 750 milhões de utilizadores em todo o mundo, ao passo que os activistas americanos - preocupados com a violação das liberdades individuais e dos direitos civis - já anunciaram que irão apresentar uma queixa formal contra o Facebook às entidades que regulam o sector.

Dada a polémica, o Google decidiu não lançar a página que permite reconhecimentos faciais. Eric Schmidt, CEO da empresa, admitiu que algumas pessoas poderiam usar esta ferramenta de uma forma “muito, muito má”.

Mas os métodos de reconhecimento facial estão para ficar. De acordo com um dos autores do estudo, Alessandro Acquisti, a partilha de fotografias identificadas online “abriu as portas” para um mundo onde a privacidade está cada vez mais limitada.

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