Edward, o último Kennedy

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Edward Kennedy Brian Snyder/Reuters

A família Kennedy tem sido, desde o início do século XX, uma forte referência política nos Estados Unidos da América a que ninguém consegue ficar indiferente, face ao forte impacto que os seus membros têm tido nos destinos de um dos mais importantes países do mundo.

Depois dos assassinatos de John Kennedy em 1963, de Robert Kennedy em 1968, e da morte do patriarca Joseph Kennedy em 1969, restou como principal pilar da família, Edward Kennedy que em Maio de 2008 foi internado num hospital, depois de lhe ter sido diagnosticado um tumor maligno no cérebro que o viria a derrotar cerca de um ano depois. Edward Kennedy tinha 77 anos e era membro do Senado norte-americano desde 1962, sendo o segundo senador mais antigo.

Política

Nascido a 22 de Fevereiro de 1932, Edward [Ted] Kennedy esteve desde sempre ligado às questões políticas, tendo estudado nas universidades de Harvard e da Virgínia para concluir a licenciatura em Direito.

Aos 27 anos participou na campanha que iria levar o seu irmão a Presidente dos EUA. “O seu trabalho era fazer discursos, descobrir dirigentes locais e arranjar organizações para o irmão. Os repórteres concordavam geralmente que Jack era o mais brilhante, Bobby o mais apaixonado e Ted o mais amável” .

Quando atingiu 30 anos de idade ingressou no Senado dos Estados Unidos, pelo Estado de Massachusetts, assento que ainda hoje ocupa. De salientar que a sua chegada ao Senado é mais uma posição de destaque para a família Kennedy que, nesse ano de 1962, consegue ocupar os lugares de Presidente (John Kennedy), Ministro da Justiça (Robert Kennedy) e Senador (Edward Kennedy).

A cobertura jornalística da sua primeira nomeação para o Senado foi feita por Ben Bradlee, em Junho de 1962, tendo o jornalista referido depois da consagração que “no final serão sempre os Kennedy contra o resto do mundo, unidos por uma amizade e lealdade mais forte que o próprio sangue” , dando enfoque ao forte apoio que a família deu ao jovem senador para conquistar o lugar.

A passagem de John Kennedy pela Casa Branca mudou tudo na política americana e muitas coisas a nível mundial. Mesmo para Portugal, a luta das colónias pela independência tem início devido a um apoio dos Estados Unidos aos movimentos de libertação africanos, face a uma política diferente que o Presidente americano pretendia para África. Na recepção ao embaixador, Pedro Theotónio Pereira, que foi explicar a política do Estado Novo para os territórios ultramarinos, John Kennedy referiu que “espero que a execução dessas medidas vá de encontro aos desejos dos povos dos vossos territórios ultramarinos, que vivem ao lado dos povos que estão a alcançar a sua autonomia nacional, e lhes permitam uma crescente participação na determinação do seu futuro político” .

Os Kennedy ficaram famosos pela forma como praticavam a política. Para eles a política não era apenas um lugar de passagem para uma vida melhor, era uma postura de compromisso, de coragem, de disciplina, de acreditar naquilo que se diz e de entregar aquilo que se promete. Esta forma de estar comprometedora e empenhada levou a que o mito de Kennedy permanecesse durante décadas. No livro ‘Profiles of Corage’, escrito por John Kennedy, a filha do Presidente, Carolina, escreveu no epílogo, “durante toda a nossa vida várias pessoas têm-se aproximado de nós e dito “o teu pai mudou a minha vida”. Elas descrevem-nos o compromisso para a causa do bem público, o envolvimento comunitário e o trabalho para uma maior justiça social. John F. Kennedy inspirou uma geração, e agora outras pessoas, que acreditam que a política pode ser uma profissão nobre” .

Edward Kennedy conviveu desde muito novo com situações trágicas fortes que marcaram a sua personalidade. O filho mais velho de Joe Kennedy, Joseph Kennedy Jr., faleceu em 1944, com 29 anos, numa missão durante a II Guerra Mundial. O Presidente John Kennedy foi assassinado em 1963, com 46 anos e Robert Kennedy viria também a ser morto a 6 de Junho de 1968, quando preparava a sua campanha para a presidência do país, com 42 anos de idade. Em 1999, o filho do Presidente, John Kennedy Jr., morreu num desastre de avião com a sua mulher quando se dirigiam para uma reunião familiar.

“Ted foi sempre considerado como o irmão mais novo, mas assumiu a confiança de uma figura pública. Ele tornou-se rapidamente o maior político da família, amando o contacto com as pessoas e os seus problemas” . Ao longo da sua vasta carreira como Senador, Edward Kennedy foi presidente das Comissões de Saúde, Educação, Trabalho e Pensões, tendo travado batalhas legislativas relevantes sobre diversas questões, tais como, o pagamento de horas extraordinárias, a segurança e a não discriminação nos locais de trabalho, a protecção das mulheres de assédio sexual e a disponibilidade de cuidados de saúde para todos. Para além da saúde, implementou também 15 programas educacionais e lutou pelo direito de voto aos 18 anos de idade. A sua actividade legislativa acabou por afectar a vida de todos os americanos.

Na actual conjuntura de guerra em que os Estados Unidos estão integrados, aquando da votação de resolução que autorizava o Presidente George W. Bush a utilizar as forças armadas no Iraque, que a Câmara dos Representantes aprovou por larga maioria, “no Senado, Edward Kennedy fazia um apelo apaixonado à rejeição da resolução” .

Portugal

O seu trabalho no Senado teve algumas vezes Portugal na agenda. Em 1972, ainda em tempo de ditadura, e perante a situação política então existente em Portugal, o Senador sublinhou que “o dinheiro do Governo dos Estados Unidos não deve ser usado para facilitar, subsidiar ou promover, seja em que sentido for, o comércio entre o nosso país e Portugal ou a África do Sul, até que essas nações assumam os valores do século XX” .

Contudo, a sua posição sobre Portugal acabaria por se alterar depois da revolução de Abril de 1974. A sua actuação e ligação com o nosso país foi integrada na estratégia de Henry Kissinger, para mudar o rumo dos acontecimentos que estavam a ter lugar logo após a revolução de Abril de 1974, quando o Partido Comunista dominava matérias importantes da governação. Assim, o Senador Kennedy acabou por vir a Portugal, de modo a “obter uma frente não comunista e evitar que Costa Gomes se tornasse ‘um Kerensky’. Ou seja, o influente Senador deveria vir a Portugal e apoiar as forças democráticas internas” .

A 19 de Novembro de 1974, Edward Kennedy chegou a Lisboa, onde se encontrou com o então Presidente da República Francisco Costa Gomes e com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soares, tendo na altura referido que “era necessário e urgente que os Estados Unidos prestassem uma ajuda económica a Portugal” .

Neste sentido, o Senador acabou por propor uma emenda à lei de ajuda externa dos Estados Unidos, que possibilitou a inscrição de uma verba de 50 milhões de dólares para ajudar Portugal. O então embaixador nacional junto dos EUA, João Hall Themido, referiu que “tratou-se de um puro gesto de amizade, ele não tomou medidas práticas para que a iniciativa avançasse” . Perante uma plateia na Universidade de Connecticut, no mês de Dezembro de 1974, Edward Kennedy comentou a situação vivida no nosso país afirmando que “numa altura de esperança, tanto para a democracia em Portugal, como para o fim do colonialismo em África, os Estados Unidos têm o dever moral e pátrio de ajudar” .

Presidência

Em 1980 Edward Kennedy preparou uma candidatura presidencial contra o então Presidente e membro do seu partido, Jimmy Carter, que acabou por não ser bem sucedida, devido a um incidente que o marcou, em 1969, numa viagem que acabou em tragédia com a morte de Mary Jo Kopechne num acidente de viação, onde o Senador não prestou a necessária assistência e foi condenado em tribunal por esse motivo. A divisão entre os democratas beneficiou a candidatura republicana de Ronald Reagan que acabaria vencedora.

Embora nunca tenha chegado à recta final da candidatura à presidência, a sua influência junto de outros candidatos no Partido Democrata tem sido relevante. O Presidente Bill Clinton refere-se a ele como alguém que “contrariamente a outros congressistas que de vez em quando pediam alguma coisa, o único membro que regularmente me fornecida uma lista de coisas a fazer era o Senador Ted Kennedy” .

Edward Kennedy “merece reconhecimento não apenas como um líder do Senado da sua geração, mas como um dos grandes da história, que foi inteligente nos trabalhos apresentados, procurando sempre ser mais do que um simples participante. De todos os seus marcos legislativos, apenas o salário mínimo passou sem a ajuda dos republicanos. Um filho privilegiado, sempre se identificou com os pobres e oprimidos. As mortes e as tragédias que aconteceram à sua volta certamente teriam levado outros a desistir. Ele nunca desiste, apenas rema contra as marés” . É esta forma de fazer e de estar na política que marca a diferença para atrair a população e ganhar, de facto, votos.

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