O novo regresso do senador Joseph Biden
Há oito meses, Biden retirou-se da corrida à candidatura presidencial democrata ao conquistar apenas um por cento dos delegados nos caucus do Iowa. Era um fracasso ignóbil para um dos mais proeminentes e veteranos senadores dos Estados Unidos e os seus amigos temiam os efeitos psicológicos dessa derrota. Mas Biden estava preocupado com o que iria fazer a seguir.
Sempre foi assim, ao longo da carreira do homem que Barack Obama escolheu para vice-presidente. Depois das derrotas surgem os êxitos e o ciclo vai-se repetindo. Um acidente de viação trágico, um caso de plágio e duas candidaturas falhadas à presidência – nada disso chegou para que ele descarrilasse.
Biden está há 35 anos no Senado. Presidiu aos comités para os Negócios Estrangeiros (desde 2001) e para os assuntos judiciais (entre 1987 e 1995). Uma experiência que vai ajudar a conter as críticas republicanas à inexperiência de Obama. Mas a resistência e a tenacidade de Biden são os factores que mais poderão vir a beneficiar Obama, dizem os conselheiros do candidato democrata à vice-presidência.
“Se me perguntassem quem é a pessoa mais azarada do mundo, eu responderia Joe Biden”, disse Ted Kaufman, que durante muitos anos foi chefe de gabinete do senador. “Mas se me perguntassem quem é a pessoa mais sortuda que eu conheço, a resposta seria Joe Biden”, acrescentou.
Filho de uma dona de casa e de um vendedor de automóveis do Delaware, Biden frequentou uma escola católica e formou-se em direito na Universidade de Syracuse. Envolveu-se com o Partido Democrata aos 27 anos e, dois anos depois, disputou as eleições para o Senado, num estado dominado pelos republicanos. Se fosse cinco semanas mais novo, não teria sequer completado os 30 anos necessários para ser candidatar. Durante a campanha, os eleitores perguntavam-lhe se estava a ajudar a campanha do pai. Recuperou de um atraso de 30 pontos nas sondagens para ganhar com uma vantagem de três mil votos. “Foi uma campanha insane”, recorda John Martilla, que trabalhava na altura com Biden.
Biden chegou a Washington no Inverno de 1972. Estava no seu gabinete quando o telefone tocou: a mulher, Neilla e os filhos tinham tido um acidente de viação, quando iam comprar uma árvore de Natal. A mulher e a filha mais nova, Naomi, morreram. Os filhos, Beau e Hunter, ficaram gravemente feridos. Arrasado, Biden decidiu não ocupar o lugar de senador. Só aceitou ficar por seis meses após inúmeras insistências do líder da maioria democrata, Mike Mansfield. Prestou juramento no quarto dos seus filhos, no hospital de Wilmington.
“Era preciso ser insensível para não querer ajudar aquele tipo”, recorda Ted Kaufman. “Havia alturas em que tudo parecia estar bem e outras em que só queria chorar por ele. Ficava como se aquilo tudo [o acidente] tivesse acabado de acontecer e desesperava”. Por vezes, Biden sonhava em largar tudo e em recomeçar a sua vida no Vermont, segundo disse mais tarde. Mas foi ficando no Senado. Cinco anos mais tarde, casou com uma professora, Jill Jacobs, de quem teria uma filha.
Com o tempo, os seus colegas foram compreendendo que a sua principal força era também a sua maior fraqueza. Contundente no discurso, falava de forma apaixonada e convincente sobre qualquer tema, levava as multidões às lágrimas nos comícios e arrasava os seus adversários republicanos no Senado. Mas também se meteu em sarilhos por causa da oratória. Por vezes exagerava e perdia a razão. Ou então embaraçava os colegas, revelando falta de tacto.
Na campanha presidencial de 1988, essas duas facetas vieram ao de cima. Os seus discursos eram brilhantes e explorou as suas origens na classe trabalhadora para chegar aos eleitores. Liderava a maior parte das sondagens, no ano anterior às eleições. “Quando começámos a campaha em 1987, ele era conhecido como um grande orador. Não havia qualquer cepticismo relativamente ao que ele dizia”, contou Larry Rasky, um amigo de longa data. Mas, durante a campanha, o New York Times descobriu que ele tinha copiado um discurso do líder do Partido Trabalhista britânico, Neil Kinnock. Biden já citara várias vezes expressões de Kinnock mas, daquela vez, não as atribuiu. Mais tarde, um professor de Direito veio dizer que Biden copiara parte de um trabalho na universidade. Os jornais disseram que ele usara frases de Robert Kennedy e de Hubert Humphrey sem os citar.
Biden sofria de dores de cabeça constantes, queixava-se das longas viagens durante a campanha e sentia a falta dos filhos. Deixou a campanha e sentia-se tão envergonhado que nem ia jantar fora na sua cidade natal. Voltou ao Senado e disse aos colegas que queria recuperar a sua integridade. No princípio dos anos 1990, começou a especializar-se em questões internacionais. Ajudou a convencer Bill Clinton a usar a força para combater as violações dos direitos humanos. Na sua autobiografia, Biden diz que George W. Bush lhe telefonou a seguir ao 11 de Setembro e perguntou-lhe: “que tal estive?”
“Tem uma grande convicção e orgulho no seu trabalho, por isso os falhanços não o incomodam”, diz Alain Hoffman, que foi chefe de gabinete de Biden esta década. “Ele reage sempre. Sempre. Isso já não me surpreende”.
Em 2005, sentiu que podia tentar de novo a corrida presidencial. Mas a sua tendência para as gaffes veio rapidamente ao de cima. Em Janeiro de 2007, quando lançou a sua campanha, disse que Barack Obama era “o primeiro [candidato presidencial] afro-americano articulado, brilhante, limpo e bem parecido”. Biden telefonou mais tarde a Obama garantindo-lhe que não o queria ofender.
Em Janeiro deste ano, após a derrota no Iowa, anunciou ao seu staff que ia abandonar a corrida presidencial. Disse aos colaboradores para não se preocuparem – melhores coisas acabariam por acontecer. Oito meses mais tarde subia ao palco em Springfield, ao som de "The Rising", de Bruce Springsteen.