Automóveis e edifícios duplicaram emissões de gases climáticos em Portugal

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No combate às alterações climáticas, a energia eólica é uma das alternativas que dá passos mais firmes em Portugal Dimitri Messinis/AP

Cálculos feitos a partir do último inventário nacional de emissões, relativo a 2003, revelam que a quantidade de gases climáticos que saem dos escapes dos automóveis subiu 95 por cento desde 1990. Este aumento está em linha de conta com a expansão do parque automóvel do país, ao longo dos últimos quinze anos.

O crescente consumo de energia nas casas, escritórios e outros estabelecimentos subiu ainda mais: 100 por cento. Não só aumentou o parque habitacional, como há mais aparelhos de ar condicionado, sistemas de aquecimento e electrodomésticos.

As subidas eram esperadas. O Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC), aprovado no ano passado, prevê que, até 2010, as emissões dos transportes aumentem pelo menos 103 por cento e as do sector residencial e de serviços 126 por cento, em relação a 1990. Este é o chamado "cenário de referência", que leva em conta apenas a concretização das medidas que já estavam em curso ou decididas quando o PNAC foi elaborado.

Mas algumas dessas medidas ainda não saíram do papel. Nos transportes, a principal refere-se à introdução de biocombustíveis, feitos a partir de plantas. O Governo ainda está transpor uma directiva europeia, que obriga a um maior uso de biocombustíveis.

O PNAC define várias medidas adicionais, além do cenário de referência, para reduzir as emissões nos transportes. As mais significativas - planos de mobilidade nas áreas metropolitanas, tributação dos combustíveis e dos automóveis - estão apenas a dar os seus primeiros passos e ainda não tiveram qualquer efeito nas emissões.

O aumento nas emissões dos transportes possivelmente seria maior se não tivesse sido suavizado pela quebra na venda de automóveis nos últimos anos. Em 2000, os portugueses compravam, em média, 1125 carros ligeiros por dia. No ano passado, foram 737 carros por dia - um terço a menos. "A razão disto tem directamente a ver com a crise económica", avalia Fernando Martorell, presidente da Associação do Comércio Automóvel de Portugal.

Falta legislação sobre edifícios

Para o sector residencial e de serviços, Portugal continua à espera de um pacote legislativo sobre a eficiência energética dos edifícios, que foi aprovado no final do Governo anterior, mas que não chegou a ser publicado e agora está a ser alterado. Previsto há anos, inclui normas de construção e de qualidade do ar interior, e introduz a certificação energética dos edifícios.

Quando estiverem em vigor, os novos diplomas vão obrigar todos os edifícios novos a terem painéis solares. Isto poderá dar impulso ao Programa Água Quente Solar, lançado há quatro anos com o objectivo de instalar um milhão de metros quadrados de painéis solares no país até 2010. Até agora, pouco foi feito.

No total, as emissões de gases com efeito de estufa em Portugal cresceram 38,5 por cento entre 1990 e 2003 - ultrapassando já os 27 por cento de aumento que é permitido ao país em 2008-2012, segundo a repartição interna dos compromissos do Protocolo de Quioto na União Europeia.

O Governo vai rever, até ao final do ano, o Programa Nacional para as Alterações Climáticas, numa tentativa de lhe dar fôlego. Mas a associação ambientalista Quercus acha que é tarde demais para conseguir cumprir Quioto, sem recorrer fortemente à aquisição de créditos de emissões fora do país, pela compra directa ou por investimentos em projectos "limpos" nos países em desenvolvimento. "O PNAC é um documento que está politicamente desacreditado", afirma Francisco Ferreira, dirigente da Quercus.

O secretário de Estado do Ambiente, Humberto Rosa, diz que não é verdade que nada esteja a ser feito. "O PNAC está a ser concretizado paulatinamente, pelo menos em algumas áreas", afirma.

Bons sinais na energia eólica

Onde o programa está a dar passos mais firmes é no recurso ao vento como fonte limpa de energia. O país está prestes a ultrapassar o limite de 1000 megawatts de potência instalada em parques eólicos, quando há quatro anos havia pouco mais de 100 megawatts. No final de Setembro, havia mais 760 megawatts em construção, segundo dados do Instituto de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial, da Universidade do Porto.

Nas contas da Associação Portuguesa de Produtores Independentes de Energia Eléctrica de Fontes Renováveis, Portugal pode chegar a 2010 com algo entre 4000 e 4500 megawatts de potência eólica, próximo dos 5100 megawatts que o Governo definiu na recém-aprovada Estratégia Nacional para a Energia. "Somos capazes de não chegar, mas vamos ficar lá perto", diz António Sá da Costa, presidente da Associação.

Eduardo Oliveira Fernandes, "pai" do programa E4 (Eficiência Energética e Energias Endógenas), de 2001, acredita que o avanço das eólicas se deve em grande parte às empresas. "A dinâmica empresarial sobrepõe-se às hesitações e à falta de jeito de governos sucessivos", afirma.

"Do ponto de vista das renováveis, não estou pessimista. Mas do ponto de vista da eficiência energética, estou muito céptico", acrescenta, criticando a demora na aprovação do pacote legislativo a conservação de energia nos edifícios: "Quanto mais tempo lá o tiverem, mais pressões terão".

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