Se a maioria da humanidade está nas cidades, é aí que se reinventa boa parte do futuro
Municípios portugueses têm dois anos para aprovar o seu plano local de acção climática. Loulé e dezenas de outros já têm caminho feito neste domínio.
Não é uma questão de vontade, mas sim de tempo. Os municípios portugueses estão em estádios distintos de planeamento e de concretização de acções concretas de mitigação e adaptação à crise climática, mas, para o presidente da Câmara de Loulé, Vítor Aleixo, “a nova governação municipal vai ser, toda ela, reestruturada em função” deste desafio, com o objectivo de tentar encontrar um modelo de desenvolvimento sustentável à escala local. A Lei de Bases do Clima obriga os municípios portugueses a aprovarem, em dois anos, um plano para o respectivo território. Em menos de dois meses, Loulé aprovou o seu.
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Não é uma questão de vontade, mas sim de tempo. Os municípios portugueses estão em estádios distintos de planeamento e de concretização de acções concretas de mitigação e adaptação à crise climática, mas, para o presidente da Câmara de Loulé, Vítor Aleixo, “a nova governação municipal vai ser, toda ela, reestruturada em função” deste desafio, com o objectivo de tentar encontrar um modelo de desenvolvimento sustentável à escala local. A Lei de Bases do Clima obriga os municípios portugueses a aprovarem, em dois anos, um plano para o respectivo território. Em menos de dois meses, Loulé aprovou o seu.
“Tenho várias unidades orgânicas a trabalhar na transição climática”, assume Vítor Aleixo, autarca de um dos 30 municípios que, em 2016, entrou no projecto Climadapt.Local, e participa na coordenação da iniciativa. O autarca algarvio não tem dúvidas de que o impacto desta crise se espalha por todas as áreas de governação, seja a nível nacional, seja a nível local, cujos executivos estão a ser sujeitos a “mudanças rápidas”. E também não tem dúvidas sobre qual deve ser o papel dos autarcas neste processo desafiante: “Muitas das soluções para a nossa sobrevivência colectiva jogam-se a nível local”, afirma.
Um mundo cada vez mais urbano
Os números não o desmentem. Sabemos o quanto os esforços de redução das emissões de gases com efeito de estufa dependem do complexo concerto entre blocos e nações que, na 27.ª Conferência das Partes (COP), sob a égide da ONU, ainda não alcançaram um compromisso global que garanta, efectivamente, um travão no ritmo de aquecimento do planeta, em níveis aceitáveis, até 2050. Mas num mundo em urbanização crescente, já com mais de metade da população a viver em cidades e com as estimativas a apontarem para que sejamos quase 70% de urbanos em 2050, a acção dos governos locais é demasiado importante para ser deixada de lado.
A Europa é uma das regiões do planeta onde essa taxa de urbanização da população foi já ultrapassada (74%, em 2018) e Portugal segue a tendência. No livro A Missão das Cidades no Combate às Alterações Climáticas, Jorge Cristino recorda que entre 1990 e 2018 a população urbana do nosso país passou de 4,8 milhões (48%) para 6,7 milhões (65%), e que deveremos ser quase sete milhões a viver em espaço urbano em 2050, o que representará quase 80% dos residentes, admitindo-se a continuação da diminuição da população. Estas áreas urbanas são responsáveis, hoje, por cerca de dois terços das emissões, o que significa que, pela maneira como estes portugueses se movimentam e se alimentam, o consumo energético das respectivas casas e locais de trabalho vão ter de mudar.
“2030 é já depois de amanhã. O que fizermos nestes oito anos será crucial para o sucesso do objectivo da neutralidade carbónica a que o país se comprometeu em 2050”, insiste Jorge Cristino, que, no seu livro, resultado de uma tese de mestrado em Relações Internacionais, explora a importância da “governança multinível” – e das alianças entre cidades – nesta caminhada. Ainda que lhes falte, por exemplo, o estatuto de negociador a sentar-se à mesa das COP, estas têm tido um papel relevante quando os seus países falham, como se viu nos EUA durante o negacionismo climático da administração Trump e se desenvolveram várias redes de cooperação e de troca de experiências. Mais de metade dos municípios portugueses aderiu, por exemplo, ao Pacto dos Autarcas para a Energia e Clima, no qual estão obrigados a apresentar um plano com medidas e dados sobre a respectiva concretização.
Novo modelo de desenvolvimento
A concentração de gente conduz a uma concentração de problemas, mas, sejamos optimistas, também permite pôr em prática soluções com maior alcance. Mas para isso é necessário, desde logo, mexer profundamente com um modelo de gestão territorial que, queixa-se Vítor Aleixo, ainda confunde desenvolvimento com o aumento das áreas construídas, ignorando, nas contas, os custos com a manutenção futura das infra-estruturas, os riscos inerentes à impermeabilização do solo (num contexto em que a seca e o efeito de ilhas de calor matam, mas as chuvas torrenciais matam também), e a perda de áreas de cultivo e de espaços naturais, bem como da biodiversidade que a ambos está associada.
Mas há mais: até agora, esta urbanização mal planeada, assente numa expansão desordenada e altamente consumidora de espaço (veja-se o que aconteceu nas duas áreas metropolitanas, que concentram 68% da população urbana do país), gerou necessidades crescentes de mobilidade, que, em Portugal, foram maioritariamente resolvidas com recurso ao automóvel particular, cujo peso, nas deslocações, aumentou desmesuradamente e se situava, em 2017, nos 67,6%, na AMP, e em quase 59% na AML. Nestas duas regiões, num bom exemplo de articulação entre o nível central e local de governo, o transporte público vem sendo alvo de investimentos que, até ao início da pandemia da covid-19, permitiram ganhos significativos de passageiros.
A covid-19 estragou este esforço, que está paulatinamente a ser recuperado, mas trouxe outras novidades que se conjugam com a acção climática a nível local. O teletrabalho, que cresceu à custa dos confinamentos, não vai ser regra, mas, em muitos casos, veio mesmo para ficar. E, por causa dele, mas não só, nas deslocações de proximidade, foi ganhando importância, tanto cá como noutros países, a opção por andar a pé ou de bicicleta, potenciada por investimentos na reorganização do espaço público realizados nos últimos anos e, até, por obras temporárias, tal como aconteceu com algumas ciclovias em Lisboa, por exemplo.
A ecologia no espaço público
Tal como está a acontecer um pouco por todo o mundo, as cidades portuguesas já estão e vão ter de continuar a reinventar os seus espaços públicos, retirando parte do que está ocupado por carros em andamento ou estacionados e alocando-o a modos de deslocação mais eficientes (o transporte público), mais limpos (veículos sem motores de combustão), mas também menos consumidores de energia (andar a pé ou noutros modos activos). Loulé e Quarteira já têm um mapa “Metro-minuto” para ajudar os peões. Pelo meio, já se percebeu que é preciso plantar mais árvores e criar corredores verdes que tornem estas opções mais confortáveis e que, ao mesmo tempo, diminuam o efeito de “ilha de calor”.
As velhas linhas de água entubadas podem, se reabilitadas, cumprir, neste campo, uma função importante, também. Em várias cidades portuguesas ensaiam-se estas e outras soluções de base natural, como jardins ou circuitos pedonais que integram bacias de retenção de chuva em vez de infra-estruturas ocultas, gigantescas, e caras. O que outrora era um adorno passa a ser considerado essencial. Num debate recente sobre planeamento urbano, no PÚBLICO ao Vivo, o presidente da Associação Portuguesa de Urbanismo, José António Lameiras, deixava o alerta: “Temos de olhar para o espaço público de uma forma ecológica”. Uma abordagem que, insistiu, contribuirá para a mitigação das alterações climáticas.