Herdade da Comporta, elegância e sentido de lugar

Os imensos campos de arroz, imagem de marca da Comporta, dão também o palco para uma das maiores maravilhas desta herdade de 11 mil hectares encaixada entre o Atlântico e o Sado: a abundância de espécies de aves, com garças, ibis-negras e cegonhas à cabeça. Elegantes, como os vinhos que ali se faz.

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A estrada Nacional 261 traça uma quase recta do Carvalhal à península de Troia. Quem a percorre dificilmente deixará de reparar na extensão de arrozal a acompanhar o seu lado poente, ou nas moradias de traço contemporâneo que despontam entre o minimalismo alentejano. Mas notará sobretudo a profusão de cegonhas, cujos ninhos tomaram conta de postes de iluminação e de antigos silos de arroz.

A cegonha-branca tornou-se símbolo deste território, delineado pelo Atlântico e pelos sapais do Sado, que é uma delícia para birdwatchers e amantes da natureza em geral. Mas os postes de iluminação da N261 não são necessariamente o melhor sítio para observar a majestosa ave.

Na continuação da estrada, já na base da península de Troia, dá-se com a sala de visitas da Herdade da Comporta, entre a praia e a aldeia homónimas. Aqui chega-se, sobretudo, pelo vinho – que, não sendo o único motivo, é suficientemente forte para marcar o início da descoberta.

O quilómetro zero fica na loja da herdade, um refinado mostruário tanto daquilo que ali se produz como do próprio ambiente da área em redor, que se tornou sinónimo de prazer e recato para elites com poder de compra. Estão lá todos os vinhos da herdade, bem como outros produtos da exploração agrícola, mas também peças de decoração rústico-chique – louças, velas aromáticas, artigos em cortiça. O próprio espaço traduz o “estilo-Comporta”, com cores claras, madeiras, texturas orgânicas, luz natural em abundância. Bem mais do que apenas um balcão de escoamento de produtos, um sítio que convida a entrar e a ficar. Em especial a quem entrar numa das salas de prova contíguas. Falemos de provas. Falemos de vinhos.

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Clássicos e estrelas ascendentes

A vinha da Herdade da Comporta fica a 12 quilómetros da adega, num vale bordejado de pinheiros. Essa convivência, admite João Letras, deixa marcas no vinho. “Em particular no alicante bouschet, podemos encontrar notas de resina”, nota o enólogo de 29 anos.

Numa faixa contínua de 35 hectares, crescem seis castas brancas e nove tintas, com predominância de antão vaz, arinto, alvarinho e o tal alicante bouschet. Com pouca expressão, mas estatuto de estrelas ascendentes aos olhos de João Letras, estão também representadas as brancas viognier e verdelho. “O verdelho não tem entrado muito nos nossos lotes, mas vai começar a entrar”, observa. Quanto ao viognier, já teve uma edição experimental em monocasta na colheita de 2020 e percebe-se pelo entusiasmo do enólogo – mesmo sendo homem de poucas palavras – que é um dos seus orgulhos de estimação. “Sempre achei que tem muito potencial, sempre me bati pela casta.”

À mesa da sala de provas, é esse o primeiro vinho vertido no copo. Um belo cartão-de-visita para quem se estreia nos vinhos da Herdade da Comporta. À prova, vêm ainda um rosé de touriga nacional, o tinto Private Selection de castelão, touriga nacional e alicante bouschet – todos colheita de 2020 – e por fim o topo de gama Comporta 17 tinto. Em todos, uma marca de elegância, a traduzir o propósito de “criar vinhos que reflectem o sítio onde são feitos”. Continua João Letras, “Tudo o que temos para oferecer tem de ter uma qualidade excepcional”. A acompanhar a prova, mantém-se o espírito de lugar: pão alentejano e azeitonas, queijo de ovelha de Alcácer do Sal, linguiça de porco preto de Grândola. Junto, tudo faz sentido.

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Arrozais e um desfile de biodiversidade

O vinho, porém, é apenas uma gota no oceano que é a Herdade da Comporta: a propriedade estende-se por 11 mil hectares, onde cabem sete aldeias, 6 mil hectares de floresta e outros 1100 de arrozais. Estes terrenos alagadiços compreendem a tal faixa que debrua de verde o lado poente da N261, e seguem estuário adentro, uma imensidão plana que dá chão e sustento a pássaros de toda a sorte. Aqui, sim, é altura de pôr os binóculos a uso.

A lista de espécies que por aqui passam é longa, e quanto mais se avança pelo estuário maior a probabilidade de avistá-las. O acesso faz-se pela entrada da aldeia, do lado oposto à adega da herdade.

Numa manhã quente de Outubro, o cortejo é considerável. O ruído do motor faz levantar uma nuvem de ibis-negras, figuras esguias identificáveis pela curvatura do bico. Pouco adiante, um bando de garças-brancas-pequenas pousadas no restolho dos arrozeiros já ceifados, um tartaranhão-cinzento solitário assente na vedação, duas gralhas-negras que levantam voo. Sem pressas e com olhar atento, assiste-se a um desfile magnífico.

Avança-se só mais um pouco, falta a protagonista: a cegonha. Aliás, cegonhas, plural, diversos plurais. Talvez mais de uma centena, alinhadas no arrozal, impávidas, resplandecentes no sol da manhã. A Arrábida serve de pano de fundo, mas quase nos esquecemos do cenário. Há que sentir o lugar.

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Herdade da Comporta
N253-1, Comporta (Alcácer do Sal)
GPS: 38.3813, -8.7905
Tel.: 265499900
Web: herdadedacomporta.pt
Visita à adega, 7,50 euros. Provas a partir de 20 euros
Observação de aves marcada com antecedência (preço sob consulta)
O acesso aos arrozais é livre (recomenda-se uso de GPS)


Este artigo foi publicado no n.º 2 da revista Solo.