O plano surreal de um pai e um filho para abrandar o degelo siberiano

Num dos lugares mais frios da terra, o permafrost está a desaparecer — e a ameaça da libertação de vastas quantidades de gases com efeito de estufa é cada vez mais real. Sergey Zimov e o filho têm um plano: abrandar o degelo, reintroduzindo animais como bisontes, cavalos e camelos. Tudo para imitar o ecossistema da região durante a última Idade do Gelo.

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Num dos lugares mais frios do planeta, 130 quilómetros a Sul da costa árctica da Rússia, o cientista Sergey Zimov não encontra sinais de permafrost, o solo que se mantém sempre congelado, enquanto o aquecimento global atinge o solo da Sibéria.

À medida que tudo derrete e se decompõe, desde ossos de mamute a vegetação antiga congelada no interior do permafrost durante milénios, paira agora a ameaça da libertação de vastas quantidades de gases com efeito de estufa.

Zimov, que durante décadas estudou o permafrost a partir da sua base científica na região produtora de diamantes Yakutia, está a ver os efeitos das alterações climáticas em tempo real.

Ao introduzir, quase sem força, uma fina vara metálica na turfa da Sibéria, onde as temperaturas estão a subir três vezes mais do que a média mundial, o homem de 66 anos é pragmático: “Este é um dos lugares mais frios da terra e não há permafrost”, diz. “O metano nunca aumentou na atmosfera à velocidade de hoje... Penso que isto está ligado ao nosso permafrost.

O permafrost cobre 65% da massa terrestre da Rússia e cerca de um quarto da massa terrestre do Norte. Os cientistas dizem que as emissões de gases com efeito estufa resultantes do seu degelo poderiam eventualmente igualar, ou mesmo exceder, as emissões industriais da União Europeia, devido ao enorme volume de matéria orgânica em decomposição.

Entretanto, as emissões do permafrost, que são encaradas como naturais, não são tidas em consideração nas promessas do Governo de reduzir as emissões ou nas conversações da ONU sobre o clima na COP26.

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Sergey Zimov Maxim Shemetov/Reuters
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Nikita Zimov Maxim Shemetov/Reuters

Com a sua barba branca e cigarro, Zimov ignorou ordens para deixar o Árctico quando a União Soviética entrou em colapso e, em vez disso, encontrou financiamento para manter em funcionamento a Estação Científica do Nordeste, perto da cidade parcialmente abandonada de Chersky.

Citando dados de uma rede de estações de monitorização global gerida pelos EUA, Zimov diz que agora acredita que a pandemia de covid-19 mostrou que o permafrost começou a libertar gases com efeito de estufa.

Apesar das fábricas terem diminuído a actividade a nível mundial, o que também abrandou drasticamente o transporte global, Zimov diz que a concentração de metano e dióxido de carbono na atmosfera tem vindo a crescer a um ritmo mais rápido.

Cidades inteiras assentam no permafrost e o seu descongelamento pode custar à Rússia sete triliões de rublos (100 mil milhões de dólares, mais de 86 mil milhões de euros) em danos até 2050, se a taxa de aquecimento continuar, dizem os cientistas.

Partindo do princípio de que o permafrost nunca descongelaria, muitas casas, condutas e estradas no extremo norte e leste da Rússia estão agora a afundar-se e a precisar cada vez mais de reparações.

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Animais da era do gelo

Zimov quer abrandar o degelo numa área de Yakutia, povoando uma reserva natural chamada Parque do Pleistoceno com grandes herbívoros, incluindo bisontes, cavalos e camelos.

Esses animais pisam a neve, tornando-a muito mais compacta para que o frio do Inverno possa passar para o solo, em vez de actuar como um espesso cobertor isolante.

Zimov e o filho Nikita começaram a introduzir animais no parque vedado em 1996 e, até agora, relocalizaram cerca de 200 espécies, que dizem estar a tornar o permafrost mais frio em comparação com outras áreas.

Os bisontes foram transportados este Verão da Dinamarca, ao longo da Rota do Mar do Norte, passando por ursos polares e morsas e enfrentando tempestades de semanas, até que o navio finalmente entrou na foz do rio Kolyma, em direcção à sua nova casa, a cerca de 6000 quilómetros a leste.

O plano surreal dos Zimov para a geo-engenharia de um futuro mais fresco chegou ao ponto de oferecer um lar para os mamutes que outros cientistas esperam ressuscitar da extinção através de técnicas genéticas, a fim de imitar o ecossistema da região durante a última Idade do Gelo, que terminou há 11.700 anos.

Um artigo publicado em 2020 na revista Scientific Reports da Nature, onde ambos os Zimovs foram listados como autores, mostrou que os animais no Parque do Pleistoceno tinham reduzido a profundidade média da neve para metade, e a temperatura média anual do solo em 1,9 graus Celsius, com uma queda ainda maior no Inverno e na Primavera.

É necessário mais trabalho para determinar se tais métodos “não convencionais” podem ser uma estratégia eficaz de mitigação das alterações climáticas, mas a densidade de animais no Parque do Pleistoceno — 114 indivíduos por quilómetro quadrado — deveria ser praticável numa escala pan-Árctica, disse o autor.

E modelos à escala global indicam que a introdução de grandes herbívoros na tundra poderia impedir 37% do permafrost árctico de descongelar, conclui o estudo.

Uma presa de mamute

Nikita Zimov, filho de Sergey, estava a caminhar nos baixios do rio Kolyma em Duvanny Yar, em Setembro, quando pescou uma presa e um dente de mamute.

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Há anos que tais descobertas são comuns em Yakutia, particularmente em rios onde a água corrói o permafrost.

A três horas de barco de Chersky, a margem do rio apresenta uma amostra do derretimento geral, com uma espessa camada de gelo exposta a derreter e a pingar sob camadas de terra negra densa, que contêm pequenas raízes de erva.

“Se pegarmos no peso de todas estas raízes e material orgânico em decomposição apenas no permafrost de Yakutia, descobriríamos que o peso era maior do que a biomassa terrestre do planeta”, diz Nikita.

Os cientistas dizem que, em média, o mundo aqueceu um grau no último século, enquanto em Yakutia a temperatura subiu três graus nos últimos 50 anos.

O Zimov mais velho diz ter visto com os seus próprios olhos como os Invernos se tornaram mais curtos e suaves, enquanto Alexander Fedorov, vice-director do Instituto Melnikov Permafrost em Yakutsk, afirma que já não tem de usar peles durante os meses mais frios.

Mas analisar as emissões do permafrost, como o fogo e outras emissões ditas naturais, representa um desafio porque não são totalmente contabilizadas nos modelos climáticos ou acordos internacionais, dizem os cientistas.

“A dificuldade é a quantidade”, diz Chris Burn, professor na Universidade de Carleton e presidente da Associação Internacional Permafrost. “Um ou dois por cento do carbono permafrost é equivalente ao total das emissões globais durante um ano”.

Os cientistas estimam que o permafrost no Hemisfério Norte contém cerca de 1,5 triliões de toneladas de carbono, cerca do dobro do que está actualmente na atmosfera, ou cerca de três vezes mais do que em todas as árvores e plantas na terra.

Nikita diz que não existe uma solução única para o aquecimento global. “Estamos a trabalhar para provar que estes ecossistemas vão ajudar na luta, mas, claro, os nossos esforços por si só não são suficientes”.