Naguib Mahfouz, a crónica íntima do Cairo onde nada é fútil

O escritor Naguib Mahfouz nasceu há 110 anos, mas não é esse o pretexto para reeditar em Portugal o primeiro volume da Trilogia do Cairo, a obra maior do único árabe a ganhar o Nobel da Literatura. O motivo é estar esgotado há muito. Agora já temos Entre os Dois Palácios, um fresco sobre a intimidade de um mundo que ajuda a entender as tensões que o têm aprisionado. Imperdível.

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Eric BRISSAUD/Gamma-Rapho via Getty Images

“Talvez os intelectuais da minha geração tenham sido os últimos a acreditar realmente na democracia.” Estas palavras do egípcio Naguib Mahfouz, Nobel da Literatura em 1988, foram ditas um ano depois, quando a sua obra maior, a Trilogia do Cairo, conheceu finalmente tradução para inglês dando a conhecer ao Ocidente uma primorosa narrativa sobre o Egipto, um épico então comparado pela complexidade e riqueza estilística a romances como Guerra e Paz, centrado no quotidiano familiar, reconstituindo a vida de bairro na grande cidade para sublinhar os efeitos das ondulações políticas e sociais na teia intricada de vínculos que compõem uma sociedade então a querer libertar-se do domínio inglês. A obra viveu mais de trinta anos inacessível ao mundo ocidente que só a descobriu depois do Nobel que mudou para sempre a vida de Naguib Mahfouz. Passou de um dos segredos mais bem guardados da literatura árabe, para se tornar num escritor universal, um modernista num Egipto que hesitava violentamente entre a abertura e a ortodoxia.