O homem que salva os gatos esquecidos na zona nuclear de Fukushima
Sozinho, cuida de mais de 40 gatos e outros animais selvagens. É a missão de Sakae Kato numa zona deserta que o Governo japonês adoptou como símbolo do renascimento nacional, no meio dos preparativos para os Jogos Olímpicos de Tóquio.
Há uma década, Sakae Kato ficou para trás para salvar os gatos abandonados pelos vizinhos que fugiam das nuvens de radiação da central nuclear de Fukushima. Ele recusa-se ir embora.
“Quero ter a certeza que estou aqui para cuidar do último deles”, diz, a partir da sua casa, na zona contaminada, em quarentena. “Depois disso quero morrer, quer seja um dia ou uma hora mais tarde.”
Até agora, enterrou 23 gatos no seu jardim, com as campas mais recentes a serem destruídas por javalis que vagueiam pela área despovoada. Cuida de 41 animais, na sua casa e noutro edifício vazio.
Kato deixa comida para os gatos selvagens num armazém que mantém quente com um forno de parafina. Também resgatou um cão, Pochi. Sem água corrente, Sakae tem de encher garrafas numa nascente e conduzir até às casas de banho públicas mais próximas.
Aos 57 anos, dono de uma pequena empresa de construção na sua vida anterior, diz que a decisão de ficar quando 160 mil outras pessoas saíram da área deveu-se, em parte, ao choque de encontrar animais mortos nas casas abandonadas que ajudou a demolir. Os gatos também lhe deram uma razão para ficar nos terrenos que são propriedade da sua família há três gerações. “Não quero sair, gosto de viver nestas montanhas”, diz, de pé, em frente à casa que pode visitar, mas onde, tecnicamente, não pode pernoitar.
A estrutura de madeira de dois andares está em mau estado. Podres, as tábuas do chão cedem. A casa está repleta de buracos onde caíram pedaços de parede e telhas que mantinham a chuva do lado de fora, após um poderoso tremor de terra em Fevereiro no mês passado despertar memórias assustadoras do terramoto de 11 de Março de 2011, que levou a um tsunami e a um desastre nuclear. “Deve aguentar-se mais dois ou três anos. As paredes já começam a inclinar-se”, disse Kato. A descontaminação nos campos perto da sua casa indica que outros residentes poderão em breve ser autorizados a regressar.
Kato estima gastar quase seis mil euros por mês nos animais, guardando uma parte para comprar a comida para cães que dá aos javalis que se juntam perto da sua casa ao pôr do Sol. Os agricultores consideram-nos pragas e também os culpam por destruírem casas desertas.
A 25 de Fevereiro, Kato foi detido por alegadamente libertar javalis apanhados em armadilhas montadas pelo Governo do Japão, em Novembro. À data da publicação deste artigo, Kato ainda está detido para interrogatório.
Yumiko Konishi, uma veterinária de Tóquio que ajuda Kato, disse que voluntários locais estavam a cuidar dos gatos na propriedade nos arredores de Fukushima. Pelo menos um morreu desde que foi detido.
A incerteza de voltar
Cerca de 30 quilómetros a sudeste, ainda na zona restrita, Hisae Unuma está também a examinar o estado da sua casa, que resistiu ao terramoto há uma década, mas que está prestes a ruir, após anos a ser fustigada pelo vento, chuva e neve. “Estou surpreendida por ainda estar de pé”, comenta a agricultora de 67 anos, uma semana depois do abalo que afectou a casa de Kato. “Dali conseguia ver o meu gado no campo”, diz, a apontar para a vista da sala de estar, agora bloqueada por um emaranhado de bambu.
Unuma fugiu quando o sistema de arrefecimento da central nuclear de Tóquio Electric Power Co., a 2,5 quilómetros de distância, falhou e os reactores começaram a derreter. O Governo, que adoptou Fukushima como símbolo do renascimento nacional no meio dos preparativos para os Jogos Olímpicos de Tóquio, está a encorajar os residentes a regressar às terras descontaminadas.
No entanto, a desconfiança sobre a central nuclear, a falta de empregos e as fracas infra-estruturas estão a manter muitos afastados. Unuma, agora uma horticultora na província de Saitama, perto de Tóquio, onde o marido morreu há três anos, não regressará “mesmo que o Governo raspe o solo radioactivo dos campos”.
Os níveis de radiação à volta da sua casa são cerca de 20 vezes o nível de base em Tóquio, de acordo com a medição feita pela Reuters. Apenas a remoção dos centros radioactivos de Fukushima fará Hisae Unuma sentir-se segura, uma missão que levará décadas a concluir. “Não importa a ameaça de terramotos, os reactores podem explodir se alguém deixar cair uma ferramenta no sítio errado”, justifica.
Antes de iniciar a viagem de quatro horas de regresso à sua nova casa, Unuma visita o Rancho da Esperança, a fazenda de gado de Masami Yoshizawa que desafiou uma ordem para abater o gado em protesto contra o Governo e a Energia Eléctrica de Tóquio.
Entre os 233 bois ainda está o último sobrevivente da manada de 50 animais que Unuma costumava cuidar, e um dos seus últimos contactos vivos com a vida que tinha antes do desastre. O animal ignora-a quando tenta atraí-lo, por isso Yoshizawa dá-lhe uma mão cheia de couve para tentar seduzi-lo.
“O problema do gado é que eles realmente só pensam na comida”, atira Yoshizawa.