Hospitais no limite: “Qualquer dia vamos ter que começar a mandar doentes para o estrangeiro”
São vários os hospitais que estão no limite das suas capacidades, sobretudo em Lisboa e Vale do Tejo e no Centro, onde estão a abrir hospitais de campanha.
“Temos que nos preparar. Qualquer dia vamos ter que começar a mandar doentes para o estrangeiro. Vamos ter que fazer o que fez Itália e a França”, prognostica Carlos Robalo Cordeiro, director do serviço de pneumologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), que não acredita que o confinamento geral de duas semanas seja suficiente para conter a vaga de doentes com covid-19 que está a inundar vários hospitais do país, sobretudo em Lisboa e Vale do Tejo, no Centro e no Alentejo, e a obrigar à abertura de hospitais de campanha.
O CHUC é o centro hospitalar do país com mais doentes com covid-19, eram 408 os que ali estavam internados na sexta-feira à noite, 47 dos quais em cuidados intensivos. Depois de o hospital dos Covões ter “transbordado”, no central têm vindo a ser reconvertidas sucessivas enfermarias que “rapidamente ficam cheias”, ilustra Robalo Cordeiro. “Já fechamos dermatologia, otorrino, ginecologia, cirurgia vascular”, enumera o pneumologista, que hesita na procura de palavras para descrever o que se está a passar. “É uma situação de ruptura, de calamidade, de desastre, de medicina de catástrofe, quase. Nunca se viu nada assim. É uma tragédia”. Para aliviar o CHUC, o antigo Hospital Militar de Coimbra está já a ser preparado para receber doentes em estado pouco grave, com cerca de três dezenas de camas.
Depois de na sexta-feira um “comboio” de ambulâncias se ter concentrado à porta da urgência, no hospital de Santa Maria, o maior de Lisboa, a situação estava mais calma este sábado à tarde, após ter sido aberta mais uma enfermaria com 24 camas para doentes com covid-19. O plano é ir abrindo mais camas nos próximos dias para responder à afluência de doentes, alguns dos quais provenientes de outros hospitais, até privados. Este sábado, porém, a folga já não era grande: restavam apenas cinco vagas em enfermaria (onde estavam internados 225 doentes) e três em cuidados intensivos (55 internados).
Mas os três hospitais de Lisboa e Vale do Tejo mais pressionados continuavam a ser o Amadora-Sintra, o de Loures e o de Almada (Garcia de Orta), com taxas de ocupação superiores ao dobro das previstas no nível mais elevado dos seus planos de contingência. O Amadora-Sintra e o de Loures tinham mesmo mais doentes com covid-19 internados em enfermarias do que o Santa Maria - 246 e 227, respectivamente - e continuavam a abrir camas. O Garcia de Orta anunciou que ultrapassou os 200 doentes com covid-19, uma taxa de ocupação superior a 250% face à capacidade inicialmente prevista no plano de contingência, e pediu à população para se dirigir primeiro aos centros de saúde.
Sem alternativa, os três hospitais continuam a transferir doentes para outros pontos do país. Entre terça e sexta-feira, o Amadora-Sintra transferiu 44 para o Hospital das Forças Armadas de Lisboa, para o Algarve, para Guimarães e Vila Nova de Gaia e para unidades privadas, adiantou uma fonte do hospital. Em Loures, onde já no passado fim-de-semana o presidente do conselho de administração avisava que a unidade vivia um cenário de “catástrofe”, mais de 70% das camas estão afectas à covid-19, incluindo as do serviço de pediatria.
Em toda a região de LVT, estavam internados este sábado 2447 doentes, 277 dos quais em unidades de cuidados intensivos, adiantou a Administração Regional de Saúde.
Hospital de campanha da cidade universitária
Para aliviar um pouco a pressão dos hospitais mais sobrecarregados, o hospital de campanha da cidade universitária abriu finalmente e a meio da tarde deste sábado acolhia três doentes com sintomas ligeiros mas ainda a necessitar de cuidados médicos, prevendo-se que ao final do dia já totalizasse dez. No domingo deverão chegar mais dez pacientes e depois, ao longo da semana, irão dado entrada mais até ocuparem as 58 camas disponíveis nesta primeira fase. Mas já está a ser preparado mais um pavilhão, este com 100 camas, adiantou António Diniz, o médico que dirige a estrutura e que, afiança, nunca viu nada assim.
Um pouco por todo o país há hospitais em ruptura. No Centro Hospitalar Tondela-Viseu estavam este sábado internados 260 doentes com covid, 19 dos quais nos cuidados intensivos. Tal significa que esta unidade hospitalar tem internados com o novo coronavírus o dobro das pessoas que tinha previsto no pior cenário do seu plano de contingência. Não é, por isso, de estranhar que as ambulâncias se continuem a acumular à entrada da urgência, num cenário em que a resposta ao aumento exponencial da procura é dificultado pelo facto de mais de cem profissionais de saúde estarem de baixa, infectados com o SARS-CoV-2. A evolução da pandemia levou, na segunda-feira passada, à abertura de um hospital de campanha, num pavilhão desportivo.
A estrutura, explica o seu coordenador Vítor Almeida, funciona como unidade de retaguarda para os casos sociais que já não justificam internamento e para doentes com uma evolução favorável mas que ainda exigem cuidados hospitalares. Este sábado, das 60 camas do pólo de Fontelo, estavam ocupadas 21, das quais 15 eram internamentos e seis casos sociais.
No Alentejo, no Hospital de Évora 107 das 290 camas estavam ocupadas com doentes com covid, 14 dos quais em cuidados intensivos. A estrutura municipal de retaguarda que está a dar apoio a este hospital tem 18 camas.
Na região Norte o cenário é mais tranquilo, com os hospitais a registarem taxas de ocupação nas áreas covid na ordem dos 80 a 90% e alguns com margem para ainda aumentarem a capacidade. O presidente do conselho de administração do S. João, Fernando Araújo, adiantou este sábado que estão internados na unidade “mais de 150 doentes” com o novo coronavírus, dos quais 45 em cuidados intensivos.
O maior hospital de região Norte tem activado, neste momento, o nível dois do plano de contingência que contempla quatro níveis, o que significa que ainda tem capacidade para aumentar o número de camas tanto no internamento como nos cuidados intensivos. Fernando Araújo descreveu o actual panorama como “exigente e complexo”, mas “estável” apesar do aumento de procura. “Vamos gerindo os próximos dias e semanas que serão seguramente de forte procura. Temos de estar preparados e antecipar a resposta. Temos tentado estar um passo à frente da epidemia”, disse o antigo secretário de Estado Adjunto e da Saúde, citado pela Lusa.
O Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, abriu esta sexta-feira as últimas dez camas previstas no plano de contingência e contabilizava este sábado 81 doentes internados em enfermaria. Nos cuidados intensivos, que têm um limite de 21 vagas para doentes com e sem covid, estavam este sábado 11 ocupadas, a que acresciam mais seis nos cuidados intermédios. “Este é o valor mais baixo das últimas semanas, pois esta unidade tem estado sempre com ocupação máxima de dez doentes”, nota a unidade.
A menor pressão sobre os hospitais do Norte tem permitido a várias unidades receber doentes. O S. João recebeu cerca de uma dezena de doentes da região de Lisboa e Vale do Tejo, a mesma zona que encaminhou para o hospital de Matosinhos nove doentes com covid-19.
Taxa de ocupação de 80% no Algarve
O Centro Hospitalar Universitário do Algarve, que regista uma taxa de ocupação que ronda os 80%, tem recebido doentes do Alentejo e da região de Lisboa, explica a presidente do conselho de administração, Ana Castro. Tal é possível porque há duas semanas foi aberto um hospital de campanha com 100 camas em Portimão por onde já passaram 90 doentes, muitos já com alta. “No Portimão Arena estão neste momento internadas 40 pessoas e só 20% são oriundas do Algarve”, adianta a médica.
Consciente da importância de tratar doentes independentemente da sua proveniência, Ana Castro afirma que o centro hospitalar vai encaminhar até segunda-feira vários doentes não covid para duas unidades privadas de saúde da região, o que permitirá abrir mais 19 camas de cuidados intensivos.