Que se f... 2020: a história de um vinho que também “é arte”

O chamativo nome correu a Net: seria real, seria golpe? A “marca” é uma criação do artista Francisco Eduardo, que acredita que 2020 merece ser maltratado — e porque não brindado? Que se foda, diz, “não é uma asneira”. “É uma mensagem de fé”. E já esgotou. Mas a provocação inclui agora “garrafa assinada” por 999.000 euros...

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Está no rótulo, nas letras miudinhas: “Não se assuste com o nome, Que se foda é um vinho do caralho”. Dentro da garrafa — fiquem sossegados — está um vinho tinto monocasta Syrah de 2017 certificado pela Adega da Azueira e premiado com medalha de ouro. Fora, todo um conceito, “uma marca positiva” criada com intenção de “gerar boa disposição” num ano de 2020 que “merece ser maltratado”.

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Está no rótulo, nas letras miudinhas: “Não se assuste com o nome, Que se foda é um vinho do caralho”. Dentro da garrafa — fiquem sossegados — está um vinho tinto monocasta Syrah de 2017 certificado pela Adega da Azueira e premiado com medalha de ouro. Fora, todo um conceito, “uma marca positiva” criada com intenção de “gerar boa disposição” num ano de 2020 que “merece ser maltratado”.

“É arte”. Ponto final — que até pode não ser o ponto final do vinho Que se foda 2020. Assim se escreve na última página do curto diário de um vinho que nasceu do espírito pandémico de um artista plástico que achava que as pessoas estavam a precisar de uma mensagem animadora. “Este ano permite que sejamos mais ousados”, explica à Fugas Francisco Eduardo, de 36 anos, autor desta campanha — ele que uma vez, pela calada da noite da véspera das inaugurações simultâneas de Miguel Bombarda, no Porto, substituiu todas as “bandeiras” com o nome dos artistas à porta das galerias pelo nome Francisco Eduardo. “Às vezes tenho vontade de dar uns berros.”

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Que se foda, diz Francisco Eduardo, "não é uma asneira". "É uma mensagem de fé" DR

Que se foda, diz, “não é uma asneira”. “É uma mensagem de fé”. Convém não esquecer por que é que Francisco o fez: “Porque, de facto, às vezes deixamos de fazer coisas boas porque temos medo. Eu tinha a sensação que isto ia fazer bem às pessoas. Tive receio até pelos meus pais, que não gostam que eu use palavrões. Mas depois pensei: ‘São só palavras, que, por mais fortes que sejam, se estiverem no sítio certo, vão trazer muitos risos e felicidade, que é o que as pessoas neste momento precisam.’ Acertei em cheio.”

Apreciador de vinhos, o artista com percurso naquilo a que chama “publicidade simples” fez algumas provas na Adega de Azueira, onde escolheu o vinho. Explicou o conceito (“não queria, de modo algum, criar concorrência desleal”), comprou mil garrafas e tratou de toda a concepção e impressão dos rótulos, bem como da estratégia de comunicação desgovernada, sempre educada e pautada por asneiras (“Este Natal, leve seis no pacote”). “No dia seguinte, quando acordei, vi que tinha muitas encomendas”, recorda. Em dois dias, o vinho, 15 euros a garrafa, esgotou. “Se não conseguir adquirir desta vez, Que se foda, tente para a próxima. Obrigado.”

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Uma obra de arte dentro da obra de arte

Contactado pela Fugas, Bruno Ferreira, director de comunicação e marketing da Adega da Azueira, confirmou tudo (“o vinho é nosso”) e mais alguma coisa (“é um excelente vinho”). O monocasta Syrah de 2017, com o nome original Capricho do Rei, medalha de ouro recentemente em Bruxelas (no The Monde Selection Wine Contest), entre outras distinções, é, na sua opinião, “uma obra de arte dentro da obra de arte”. “Quando olhamos para os vinhos numa prateleira, compramos o rótulo, o conceito, a marca e a história. Mas, quando abrimos a garrafa, não nos queremos sentir defraudados. O vinho tem que ser bom”, diz Bruno Ferreira, “entusiasmado” com o movimento gerado em torno do Que se foda 2020. “É fenomenal, um case study”, sublinha o director de comunicação e marketing da Azureira, que já tem recebido pedidos de encomenda desta garrafa especial. “Esta irreverência pode ser algo muito positivo para a região de Lisboa, que precisa muito de ser catapultada”.

A 5 de Dezembro, o artista anunciava uma possível segunda edição “num futuro próximo”, deixando uma derradeira possibilidade, uma última caixa, colocada à venda pelo “preço simbólico” de 500 euros. “Vendida”, sublinha Francisco, natural de Aveiro (frequentou as Belas-Artes no Porto e vive actualmente em Lisboa), que guardou três caixas para o que der e vier.

Que se foda é uma peça artística e um “escape” dentro de “um conceito que não se esgota”. Passou a ser “uma marca que não é uma marca” (“mas que vou tentar que o seja”) com um “potencial muito grande”. Talvez para experimentar esse potencial, o artista já pôs à venda “a garrafa assinada”: a peça artística surge com o valor de 999.000 euros.

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A última entrada do diário (11 de Dezembro de 2020) é dirigida aos “admiráveis clientes que arriscaram” comprar a primeira edição limitada de mil unidades e para as “muitas pessoas” que pensavam que o artista era na verdade outro tipo de artista. “Pensavam que estava a aldrabá-las. Apresentei-me e tive 576 respostas, todas positivas. Agora também querem vinho branco”. “Venho revelar-lhes que o produto que adquiriram é uma obra de arte e não um vinho. São garrafas com uma mensagem de fé. Não quero é ludibriar o adquirente e por isso frisar-lhe que o que comprou foi arte. Assim, e caso não aceite o produto enquanto arte, naturalmente que lhe devolvo o dinheiro.”

A Fugas fica à espera da sua encomenda. “Se partir, Que se foda. Mas cuidado porque é frágil”.