“As pessoas não aceitam que haja uma portuguesa negra. Começa aí o nosso sentimento de não-pertença”
Com 33 anos e a trabalhar na área de Marketing Digital, Mariama Injai é Afromary — assina assim o canal que criou no YouTube para contrariar a falta de representatividade negra em Portugal. Experiências pessoais, microagressões, racismo: há espaço para falar de tudo. “É é assim que se cria aceitação.” Um testemunho construído a partir de entrevista.
Cresci em Mangualde, uma cidade onde a única família negra que existia era a minha. A falta de representatividade sempre foi enorme e eu cresci a não ver pessoas como eu. Mesmo a nível de informação, não havia nenhuma produzida por pessoas negras que eu pudesse consumir.
Por isso, sempre pensei que gostava de ver pessoas como eu na televisão ou na capa de uma revista que fossem uma referência para mim. Há dois anos, comecei a ver vídeos do Brasil porque eles já falam imenso das temáticas de negritude, de cultura negra. Comecei a pensar que podia fazer um canal no YouTube onde falasse de algumas questões que tinha, alguns traumas e experiências que vivi. E nasceu o Afromary.
Quando me mudei para Lisboa, há cerca de dois anos, comecei a ver muito mais representatividade e a conhecer pessoas tão extraordinárias que achei que elas mereciam um espaço para falarem das suas experiências. Achei que era importante para a nossa comunidade ver pessoas que tivessem nessas posições. Eu própria não estava habituada a estar com pessoas da comunidade.
Queria muito conhecer profissionais negros que eu não via — os tais que nunca puderam ser referências para mim quando era miúda. Comecei a fazer entrevistas com profissionais que fui conhecendo. Para nós, é muito difícil saber onde é que está um médico negro, um professor negro... Por isso, tento sempre ir buscar referências de várias áreas, para mostrar que nós existimos e podemos chegar a certos patamares, como todos os outros — só que temos mais dificuldades provocadas pelo sistema. Há muitos condicionamentos na vida de uma pessoa negra. Não somos vítimas, mas é injusto termos que passar por isso no nosso quotidiano.
Um dos temas que abordei logo no início do canal era a solidão da mulher negra. Na topo da pirâmide da sociedade, temos um homem branco, heterossexual — a mulher negra está na base. Isso significa que somos as últimas a ser escolhidas em tudo. Tive muito feedback, na altura, porque muitas mulheres negras se sentem assim, sozinhas.
Também falei da saúde mental na comunidade negra. Nós passamos por estas experiências que afectam profundamente a nossa auto-estima, há muitas situações de depressão. Basta imaginar uma vida a ser rejeitada na rua, na escola, em todo o lado… há sempre comportamentos a relembrar-nos da nossa cor. Microagressões.
Opinião
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