Ele vai caminhar toda a costa portuguesa – e apanhar lixo pelo caminho

De Caminha a Vila Real de Santo António, Andres Noe vai percorrer mais de 830 quilómetros a pé enquanto recolhe lixo pelos areais. O objectivo é a “Plastic Hike”, uma “caminhada contra o plástico”, um alerta para os problemas ambientais e de sustentabilidade. E todos se podem juntar.

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Serão quase dois meses a caminhar, de praia em praia, falésia a falésia, para percorrer toda a costa portuguesa. Desde a praia da Foz do Minho, em Caminha, até aos areais de Vila Real de Santo António, no Algarve, num total de 832 quilómetros. Todos os dias, Andreas Noe vai descer Portugal Continental, pé ante pé, a colher o lixo que encontrar pelo caminho.

O projecto chama-se The Plastic Hike e tem como objectivo alertar para o problema do plástico, em particular nos oceanos e praias, e apelar à consciencialização ambiental e à adopção de práticas mais sustentáveis por parte de quem se cruzar com a iniciativa.

A viver em Portugal há mais de dois anos, Andreas Noe despediu-se do emprego como consultor na área de biologia molecular em Setembro do ano passado para encarnar The Trash Traveler, o nome que adoptou nas redes sociais para dar vida a uma nova missão: recolher lixo todos os dias e, a partir dele, criar uma pequena canção bem-humorada de sensibilização sobre a problemática.

A pandemia de covid-19 veio, no entanto, suspender “completamente” o projecto. Durante o estado de emergência, Andreas mudou-se da autocaravana onde vivia (onde regressou entretanto) para um apartamento turístico em Peniche. Deixou os areais junto a Lisboa para enamorar-se pelas falésias escarpadas entre a praia da Gamboa e o “ilhéu” da Papôa, descobertas durante os passeios solitários da quarentena. “Nunca estive muito ligado a Peniche mas, por causa do coronavírus, acabei por me apaixonar [pela zona]”, conta ao PÚBLICO.

É lá que o reencontramos, no final de uma caminhada de preparação (e de recolha de lixo, claro) para a nova iniciativa, The Plastic Hike. A verdade é que esta paragem forçada obrigou-o a reflectir e a “reinventar-se”, aponta o alemão de 32 anos. “Estava a tornar-se uma forma demasiado rotineira de sensibilização [ambiental] e senti que tinha perdido um pouco a ligação ao projecto [The Trash Traveler] e que não estava a alcançar tantas pessoas”, reflecte. “Queria ter um projecto mais impactante.”

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Andreas Noe despediu-se há quase um ano para criar o projecto The Trash Traveler Diogo Ventura

É esse o objectivo desta “caminhada contra o plástico”, que arranca a 15 de Agosto no Minho e pode ser seguida online, no site e respectivas redes sociais. Se é provável que Andreas seja o único a fazer todo o percurso a pé, em cerca de 50 dias, a ideia é que a caminhada seja apenas o fio condutor “impressionante”, o chamariz mediático, para uma iniciativa mais alargada, que una, ao longo do caminho, outros activistas, empresas e organizações, para “criar, ao mesmo tempo, no mesmo projecto, uma mensagem de consciencialização cada vez maior e atingir ainda mais pessoas”.

“Sempre que chegar à meta de cada dia, a ideia é ter um encontro com uma organização ambiental, uma escola de surf ou um artista plástico, por exemplo.” Alguns nomes ainda estão por confirmar, mas entre quem já aderiu à iniciativa estão, por exemplo, a Sea Shepherd, uma sociedade de conservação internacional, fundada nos anos 70 no Canadá; o artista Ricardo Ramos, mais conhecido pelo projecto Xico Gaivota; ou a Marmeu, a associação de defesa do ambiente que trouxe Andreas até Peniche.

Há muitas iniciativas a decorrer aqui em Portugal, muito bonitas, e eu gostava de fazer essa ligação e criar esta ideia de que estamos todos nisto”, diz ao PÚBLICO. “Juntos, podemos proteger a natureza.” As datas e os locais do início de cada jornada já estão online, marcados no mapa da iniciativa, e qualquer pessoa pode juntar-se diariamente à recolha de lixo.

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“Vamos ter sempre que nos encontrar à distância e não nos vamos poder tocar nestes tempos de covid-19, mas acho que pode ser muito bonito se também conseguirmos limpar juntos”, convida Andreas. Até porque a pandemia já trouxe revés visíveis na luta contra o desperdício: além de se voltar a olhar para as embalagens como sendo “mais seguras e limpas” do que a compra a granel, as máscaras descartadas pelo chão “são o novo resultado da pandemia”. “Vemo-las em todo o lado e contêm tanto plástico. Isto vai ficar [no meio ambiente]. Não é de todo biodegradável”, alerta.

Uma prancha de lixo para surfar num mar de plástico

Sempre que for possível, a caminhada de Andreas Noe será feita em pleno areal para “mostrar o que está a acontecer” nas praias. As mais remotas estão “totalmente cobertas de lixo” e as mais populares também, aponta, ainda que requeiram um olhar mais atento. Apesar de serem limpas frequentemente pelos serviços camarários, ficam beatas, cotonetes, pequenos restos de plástico, despojos de pesca.

Em Janeiro, Andreas contava ao PÚBLICO que chegou a recolher “127 pedaços de microplástico” num metro quadrado de areia na Costa da Caparica. “É muito chocante para mim porque não é só um metro quadrado nem toda a linha de costa, são também os oceanos, porque o plástico vem de lá”, dizia. Por isso, é à beira-mar que se concentra o novo projecto. Mais do que limpar as praias, Andreas quer mostrar a extensão do problema e incentivar as pessoas a “viver uma vida mais sustentável e a tentar diminuir a pegada ecológica”.

Ao longo do caminho, quer apresentar algumas soluções aos veraneantes com quem se cruzar, como os cinzeiros portáteis feitos de cana e rolhas de cortiça reutilizadas da rede Biatakí, ou a prancha de surf que está a construir com o checo Štěpán Řezníček a partir de placas de espuma isolante de dois velhos frigoríficos encontrados à beira da estrada.

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Já temos tantas coisas feitas neste mundo, porque não reutilizá-las, se for possível, e fazê-las durar mais tempo?”, aponta Štěpán, carpinteiro checo actualmente a viver em Peniche, autor de um projecto de pranchas de surf em madeira. A ideia é chamar a atenção, não só para o lixo produzido e para o desperdício, como para a importância da economia circular e da reutilização dos materiais. Nos próximos dias, a prancha feita de pedaços de poliestireno recolhidos de frigoríficos vai ser reforçada com calhas de madeira e, depois, decorada com o lixo entretanto recolhido. A ideia passa por leiloá-la no final da caminhada e apoiar projectos ambientalistas com o valor angariado.

“Na parte de baixo [da prancha], faria uma baleia ou um tubarão, a partir de beatas de cigarros, com a boca aberta”, idealiza Andreas, com os dedos sobre a prancha. À frente do animal marinho, quer colocar os tipos de lixo que encontra com mais frequência, como garrafas PET, beatas e microplásticos. “Assim conseguíamos ver numa única imagem basicamente a história de como é na realidade.”

Um problema que se alastra a todo o mundo. “É porque adoro Portugal que estou a fazer isto aqui, mas podia fazê-lo na Alemanha, nos EUA, não faria qualquer diferença”, salienta. “É um problema do mundo inteiro. Só estamos é a dar este exemplo aqui em Portugal e isso é lindo.”

Enquanto a caminhada não começa, já está a decorrer uma campanha de angariação de fundos e de captação de patrocinadores para cobrir as despesas da viagem. No final, será ainda feito um documentário sobre o projecto, a ser exibido em festivais de cinema, eventos e outras iniciativas, para que a mensagem “perdure o máximo possível” e chegue a um maior número de pessoas.