Portugal: Dez contas de Instagram onde se vivem vidas simples
Antes da pandemia, a vida deles já estava ligada à terra, ao quintal das coisas boas, ao fogão a lenha e aos pássaros que dão os bons-dias. Não estão confinados a um espaço fechado. O movimento é o mesmo. A Fugas pediu-lhes para descreverem o seu dia.
Decidiram viver uma vida simples. Mudaram-se para a natureza — ou nunca saíram verdadeiramente dela. Acordam a ouvir os pássaros e a ver o sol nascer sobre a montanha. Plantam, regam, semeiam, racham lenha, abraçam árvores, desenham, pintam, ensinam os filhos a reconhecer plantas selvagens. Têm horta — preciosa, rica. Aprendem muito com a terra. São auto-suficientes dentro dos possíveis. Reconstroem casas à mão. Fazem malha. Fazem pão. Dão uso ao fogão de lenha. Utilizam objectos e técnicas que eram dos pais, dos avós e dos bisavós. Cozinham, brincam, respiram o vento que vem das serras. Mergulham. Caminham por campos a perder de vista. Usam atalhos. Têm um quintal das coisas boas. Não estão confinados a um espaço fechado. Não notam menos movimento. Adormecem e sonham com rebanhos. Vivem devagar, mais atentos, mais presentes. Lêem, contemplam. Fotografam. Vivem em paz. Apanham flores silvestres, arejam a roupa, abrem caixas com fotografias e documentos antigos.
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Decidiram viver uma vida simples. Mudaram-se para a natureza — ou nunca saíram verdadeiramente dela. Acordam a ouvir os pássaros e a ver o sol nascer sobre a montanha. Plantam, regam, semeiam, racham lenha, abraçam árvores, desenham, pintam, ensinam os filhos a reconhecer plantas selvagens. Têm horta — preciosa, rica. Aprendem muito com a terra. São auto-suficientes dentro dos possíveis. Reconstroem casas à mão. Fazem malha. Fazem pão. Dão uso ao fogão de lenha. Utilizam objectos e técnicas que eram dos pais, dos avós e dos bisavós. Cozinham, brincam, respiram o vento que vem das serras. Mergulham. Caminham por campos a perder de vista. Usam atalhos. Têm um quintal das coisas boas. Não estão confinados a um espaço fechado. Não notam menos movimento. Adormecem e sonham com rebanhos. Vivem devagar, mais atentos, mais presentes. Lêem, contemplam. Fotografam. Vivem em paz. Apanham flores silvestres, arejam a roupa, abrem caixas com fotografias e documentos antigos.
Cláudia Mestre (Alcáçovas)
De manhã cedo vou ver a horta, pois há sempre novidades. O dia, passo-o em frente ao computador, a preparar aulas para os meus alunos, em reuniões online, a trocar e-mails com colegas, encarregados de educação e alunos, num imenso e intenso trabalho colaborativo. Ao final da tarde, vamos caminhar pelos campos a perder de vista. O serão é passado junto ao lume de chão. Faço malha, leio e desenho.
Nesta casa, há a riqueza de vivermos rodeados de objectos que eram dos nossos pais, avós e bisavós, objectos esses, que utilizamos no nosso dia-a-dia.
Durante o fim-de-semana há tempo para nos dedicarmos à horta. Partilhamos o que a terra nos dá entre vizinhos e amigos. Quando precisamos, compramos a produtores locais. Um quotidiano inusitado para uma família suburbana.
Catarina Seixas (Idanha-a-Nova)
Aqui no monte, os dias não são muito diferentes do que têm sido nos últimos seis anos. Acordamos cedo, cortamos lenha para acender o lume, tratamos da horta, ensinamos a nossa filha a reconhecer plantas selvagens, cuidamos das galinhas e sonhamos com o dia em que teremos o nosso rebanho de ovelhas, para produção de lã. Reconstruímos uma casa à mão, com materiais naturais, e plantamos árvores. Nutrimos a nossa comunidade local, que é uma parte tão significante da nossa vida aqui. Não estamos ligados à água ou electricidade da rede, portanto tiramos água do poço e usamos painéis solares para ter electricidade – que é tão necessária, uma vez que o meu trabalho se faz online.
E constante a tudo isto – os atalhos através da floresta para ir tomar o pequeno-almoço a casa de amigos, os projectos em lã, a recolha de plantas comestíveis, os progressos na construção, os cozinhados por cima do fogão a lenha, os encontros para trocas de sementes, todas estas pequenas coisas que se tricotam juntas como malhas no que é o nosso dia-a-dia – está a presença da minha câmara fotográfica, que lealmente vai capturando o mundano.
Jaymie Jarvis e Marley McDonagh (Castelo Branco)
As manhãs começam com um café a ouvir os pássaros e a assistir ao nascer do sol sobre a montanha. Depois disso, alimentamos os animais — até ver temos quatro gatos, três porcos, seis galinhas e dois cães. Queríamos mudar para a natureza para viver uma vida simples. O nosso objectivo é tentar viver da forma mais auto-suficiente possível e a nossa horta é fundamental para isso.
O jardim geralmente recebe atenção da parte da manhã; cuidar das sementes, capinar e regar bem é muito importante para uma mercadoria tão preciosa por aqui. Bombeamos água para um tanque que fica numa torre no topo do terreno; a gravidade fornece-nos água com pressão. Temos dois pequenos sistemas solares, um fornece electricidade ao celeiro (serve para carregamento de luzes, telefone e laptop), o outro está no galpão que alimenta uma grande arca congeladora.
Diariamente, desenvolvemos muitos projectos. Trabalhamos juntos na maioria dos trabalhos de construção, como reformar uma antiga ruína usando a pedra das nossas terras e os materiais naturais. Entre regenerar a terra e cuidar do jardim, estamos a preservar e a cozinhar produtos cultivados em casa. Temos um forno portátil onde fazemos a nossa própria massa de padeiro e estamos frequentemente em mercados a fazer pizzas.
A Jaymie passa a maior parte do tempo livre a tricotar ou a fazer crochet e o Marley gosta de se manter o mais activo possível.
Sandra Baptista (Nogueira de Baixo)
A minha aldeia chama-se Nogueira de Baixo e fica a 15km de Viseu. Foi a aldeia dos meus avós, é onde moram os meus pais e eu, apesar de ter casa em Viseu, é lá que passo muito tempo — e estou a restaurar uma casa.
Cresci a abraçar árvores, a acordar com o cantar do galo. Cedo aprendi que para colher é preciso semear, e assim boa parte do que ponho na mesa não vem do supermercado mas do “quintal das coisas boas” e da generosidade dos familiares e vizinhos, porque quem vive numa aldeia tem muito gosto em repartir o que a terra lhe dá.
Hoje é um privilégio poder continuar a dar uso às galochas e ténis, continuar a ter flores frescas em casa, colhidas durante as longas caminhadas pela serra e campo. Posso sentar-me à sombra de um carvalho ou pinheiro plantados por mim, longe da confusão, respirar e agradecer pelas coisas simples da vida, porque são elas que nos acrescentam.
Filipe Lucas Frazão (Ilha do Pico)
Gosto de viver os meus dias em função do mar, já assim acontecia antes deste isolamento forçado e assim continua a acontecer. Aqui nos Açores a situação está mais controlada, o que nos permite manter alguma sensação de normalidade. Por isso tenho dedicado muitas horas a mergulhar, a explorar outros recantos da ilha quando o mar está menos favorável e a cozinhar sem pressas.
No fundo, esta limitação da nossa liberdade trouxe-me uma outra sensação que não esperava, de um momento para o outro acabaram os deadlines, a data de regresso e a pressão do tempo. Isto é uma grande sensação de liberdade para mim.
Diane Gazeau (Vila Franca da Beira)
É violento ter de aprender a ouvir o seu próprio silêncio, e não poder fugir da sua própria solidão no meio do isolamento. Encontrei o reconforto ao abraçar a natureza. Vivo devagar, mais atenta, mais presente.
Da janela observo a natureza humana. As minhas lágrimas rolam como gotículas de água... perfeitamente silenciosas.
Tiago Cerveira (Travanca de Lagos)
Documento, através da fotografia e vídeo, o património imaterial e material da serra da Estrela, serra do Açor e serra da Lousã. A dicotomia do projecto que assino (O Meio e a Gente) está intrinsecamente ligada aos aspectos e características identitárias desta região do país.
Tento imortalizar os detalhes mais primários do sentir serrano, seja através das imagens ligadas ao património natural ou de tantas outras ligadas à etnografia beirã. Espelhar este sentido do “ser rural”, este elo umbilical dos homens e mulheres à sua terra, à minha terra, à terra de todos nós.
Aqui na minha aldeia, Travanca de Lagos, colhemos os frutos que semeamos e respiramos o vento que vem das serras. O vento que roça a sabedoria dos velhos, as hortas, o xisto e o granito, bafejado com a cultura dos novos povoadores, chegados de todas as partes do mundo.
Alexandra Macedo (Viana do Castelo)
Há muito tempo que tinha a certeza que o futuro passaria por concretizar um projecto de vida mais próximo da natureza, criar uma horta e tentar viver da forma o mais auto-suficiente possível, neste momento difícil que atravessamos penso muitas vezes o quanto acertada foi esta opção.
Apesar do que está a acontecer, aqui a realidade não foi muito alterada e o isolamento em que vivemos traz-nos algumas vantagens nesta altura. Não estamos confinados a um espaço fechado, não temos de nos preocupar com grandes concentrações, quase não nos damos conta do pequeno comércio ter encerrado, não notamos menos movimento no trânsito, não há menos pessoas a circular nas ruas do que já é habitual.
Os dias dividem-se entre o trabalho pessoal como criadora e as obrigações de tratar das galinhas e das culturas na horta, de onde vem grande parte do que consumimos, tudo de acordo com o ciclo do sol e das estações, que acaba por ser quem gere o tempo que é dedicado a cada um dos trabalhos.
Partilhar, através do Instagram, o ambiente que me rodeia e muitas das tarefas diárias, permite mostrar que, sem estar distanciada doutras realidades, é possível viver um modo de vida mais alternativo, de acordo com outros princípios, mais próximo das origens, com mais respeito pelo ambiente e com uma serenidade que permite estar mais atento ao que é realmente importante na vida.
Inês Milagres (Ilha das Flores)
O dia acorda simples com o cantar dos pássaros e com o sol a entrar pelas janelas. Silenciosamente venho sempre que consigo alongar e estar um pouco serena comigo mesma, pois o acordar do Ragnar significa acção e papinhas de aveia com sementes e fruta.
A rua é a casa, a casa um abrigo da chuva!
Se o tempo permite é na terra ou no bosque que estamos — semear, limpar, colher, acompanhar, observar e aprender muito com a terra, ou recolher lenha e cozinhar maioritariamente no fogo, pão, bolos, pizzas, granolas e comidinha que aquecem o coração. Estas são as coisas mais frequentes do nosso quotidiano.
Quando há oportunidade desenho, faço tricot ou alguns trabalhos com fios, costura e em breve tecer!
Cuidar das plantas e das sementes é o foco, abundância para todos! Afinal, o mundo é a nossa casa!
Sofia Henriques (Penacova)
A casa tem para cima de 150 anos e começou por ser uma arrecadação, uma loja (na Beira é onde se guardam os cereais, azeite e vinho) com os quartos, minúsculos em cima. Foi feita pelos avós paternos, agricultores. Há cerca de 27 anos, herdei. Em miúda detestava isto, cresci em Lisboa, com a minha mãe, vinha passar as férias grandes e achava tudo um atraso de vida.
As obras foram-me aproximando da casa e tornando-a o meu espaço, onde tenho os objectos de família, os livros de arte, decoração, remodelações, de jardinagem, os lençóis do linho que cá era cultivado, as mantas de trapos que a minha avó tecia dos restos das roupas que não serviam, e claro, as memórias… A casa fica numa aldeia minúscula, e perto do Mondego, onde costumava tomar banho em miúda (hoje prefiro o Alva, menos poluído).
Estou habituada a estar comigo mesma o dia inteiro. De manhã gosto de me levantar, descer à cozinha, acender a lareira, porque tem feito frio, e fazer café. A não ser que chova, gosto de o tomar a dar uma volta pelo quintal; de Março em diante é um regalo ver tudo a despontar; comecei a plantá-lo há cerca de 25 anos, depois parei, e há cerca de três recomecei em força. Passo muito tempo a cuidar e a trabalhar nele: tirar folhas velhas, ervas, caracóis, podar, replantar, regar no Verão.
Passo muito tempo também com um livro a apreciá-lo. Sabem-me super bem os momentos em que se contempla o que se fez; são também momentos de reflexão no que ainda poderia/será feito. Passo bastante tempo assim entretida, a sonhar acordada, a visualizar… são momentos de paz e muito reconfortantes.
Habitualmente dou um passeio; estou rodeada de floresta e perto do Mondego. Atravesso a aldeia a pé (cerca de 70 pessoas no total) e opto normalmente pela beira rio; a água tem o poder tranquilizante, e o facto de poder ir até ao rio, andar sozinha durante todo o percurso, é maravilhoso, ainda mais nestes tempos de confinamento. Trago sempre flores silvestres.
Ultimamente os meus passeios são mais longos para compensar o facto de não poder sair para mais lado nenhum; tenho redescoberto alguns nos quais já não passava há anos, e dos quais me lembro no tempo em que o meu pai me “obrigava” a ir com ele às terras, regar ou apenas ver. O meu único receio é dar de caras com um javali, mas até hoje fui poupada.
Faço o almoço – gosto de comer e passo bastante tempo na cozinha. O tempo restante divide-se entre trabalho e pequenas coisas que, numa casa já grandinha e antiga, aparecem sempre para fazer: ir buscar lenha à garagem e trazê-la para perto da lareira, arejar todas as roupas quando o tempo o permite, limpar o interior dos armários da humidade que por vezes se cria no Inverno — estamos perto da barragem, por isso o nevoeiro por vezes levanta ao meio-dia durante dias seguidos — e reorganizá-los, reorganizar a despensa — antiga casinha no pátio — onde a minha avó arranjava a comida para os animais, mudar a mobília de sítio, ou simplesmente abrir caixas com fotografias antigas e documentos antigos e ver…