Um poema de protesto num Sudão sem luz é a foto do ano da World Press Photo
O fotojornalista japonês Yasuyoshi Chiba, já distinguido em anteriores edições, ganhou o prémio principal do concurso de 2020 com a imagem de um rapaz recitando poesia numa manifestação contra o blackout energético imposto pela junta militar do Sudão.
As imagens que venceram os prémios mais importantes da edição deste ano da World Press Photo foram captadas no continente africano. O japonês Yasuyoshi Chiba, fotógrafo da France-Presse para a África Oriental, é o vencedor da Foto do Ano, com a imagem de um protesto pacífico contra o estado de sítio e o blackout impostos pela junta militar que tomou o poder no Sudão em Abril de 2019. Já a Reportagem do Ano premiou o trabalho do fotógrafo independente Romain Laurendeau com a revoltada juventude argelina que desencadeou, em Fevereiro do ano passado, o grande movimento de protesto que levaria, em Abril, à deposição do presidente Abdelaziz Bouteflika, e que só a covid-19 conseguiu agora tirar das ruas.
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As imagens que venceram os prémios mais importantes da edição deste ano da World Press Photo foram captadas no continente africano. O japonês Yasuyoshi Chiba, fotógrafo da France-Presse para a África Oriental, é o vencedor da Foto do Ano, com a imagem de um protesto pacífico contra o estado de sítio e o blackout impostos pela junta militar que tomou o poder no Sudão em Abril de 2019. Já a Reportagem do Ano premiou o trabalho do fotógrafo independente Romain Laurendeau com a revoltada juventude argelina que desencadeou, em Fevereiro do ano passado, o grande movimento de protesto que levaria, em Abril, à deposição do presidente Abdelaziz Bouteflika, e que só a covid-19 conseguiu agora tirar das ruas.
Yasuyoshi Chiba, de 49 anos, tem trabalhado no Brasil, no Quénia e na Nigéria e é um veterano desta competição, na qual já fora premiado em categorias temáticas nas edições de 2009 e 2012. Agora venceu o prémio máximo com uma fotografia a que chamou Straight Voice: à noite, iluminado apenas pelos telemóveis que uma pequena multidão segura no ar, como se fossem isqueiros num concerto rock da era pré-digital, um rapaz sudanês leva a mão ao coração e lê em voz alta um poema de protesto.
A imagem foi tirada na noite de 19 Junho de 2019, duas semanas depois do massacre de dia 3, quando o governo militar, que assumiu o poder após o golpe de estado que depôs o ditador Omar al-Bashir, abriu fogo contra manifestantes desarmados, matando mais de cem pessoas. Houve ainda relatos de numerosas violações. Suspenso da União Africana, o novo governo sudanês impôs um blackout e bloqueou a Internet no país durante 38 dias, mas os protestos continuaram e, em Julho, os militares viram-se obrigados a chegar a um entendimento com os principais grupos da oposição.
“Especialmente nos dias em que vivemos, com tanta violência e conflito, é importante termos uma imagem que inspire as pessoas”, comentou o presidente do júri do World Press Phot0 2020, o sul-africano Lekgetho Makola, que descreveu assim o que o impressionou na fototografia de Yasuyoshi Chiba: “Vemos esta pessoa jovem, que não está a disparar, que não está a atirar uma pedra, mas a recitar um poema” e a “dar voz a um sentimento de esperança”. Outro jurado dos prémios anunciados esta noite, o fotógrafo australiano Chris McGrath, acrescenta: “É uma fotografia realmente bela e tranquila, que resume todo o desassossego dos que, em todo o mundo, anseiam por mudança.”
A imagem do fotógrafo japonês bateu-se, na eliminatória final, com outras cinco nomeadas, incluindo uma fotografia premiada na categoria de Reportagem do Ano: Mulugueta Ayena fotografou pessoas em luto pelos parentes que morreram na queda do avião das linhas aéreas etíopes que se despenhou no dia 10 de Março de 2019 quando voava para Nairobi, no Quénia; o argelino Farouk Batiche, tal como Romain Laurendeau, abordou os protestos de rua no seu país, mostrando um violento confronto entre polícias e manifestantes; o polaco Tomek Kaczor captou o momento em que uma rapariga arménia de 15 anos despertava de um coma; o irlandês Ivor Prickett mostrou um rapaz curdo de 18 anos, ferido em combate com as forças turcas, a receber a visita da namorada no hospital; e o russo Nikita Teryoshin fotografou, em Abu Dhabi, o momento em que um empresário envolvido em negócios de armamento arruma tranquilamente dois lança-granadas.
Covid-19 obriga a adiar festival
O currículo de Romain Laurendeau, vencedor da Reportagem do Ano – premiada, tal como a Foto do Ano, com dez mil euros – tem dois grandes períodos, divididos pela bem-sucedida operação de transplante da córnea a que foi submetido em 2009. Após ter desistido de uma licenciatura em Físico-química e concluído um curso de dois anos na prestigiada escola de fotografia ETPA, em Toulouse, contraiu uma doença que deforma progressivamente as córneas. Nesses anos em que o seu problema de saúde alastrava, voltou-se para dentro e produziu uma série trabalhos fotográficos intimistas, mas quando recuperou uma visão saudável nunca mais deixou de viajar e de documentar a condição humana, sobretudo na sua dimensão social e política. Depois de ter ganho em 2019 o prémio francês de fotografia documental ISEM, com uma reportagem que abordava as consequências do uso de drogas sintéticas entre a juventude da Cisjordânia, para o trabalho agora distinguido pela World Press Photo acompanhou durante cinco anos os jovens dos bairros populares de Argel, maioritariamente desempregados, testemunhando a frustração desta geração que se vê a si própria como perdida, mas que ao ousar desafiar a autoridade acabou por inspirar a população e dar origem ao mais amplo movimento de protesto a que a Argélia assistiu nas últimas décadas.
Laurendeau deu à sua reportagem o título Kho, a Génese de uma Revolta, sendo que “kho”, um termo comparável ao “bro” introduzido pelos jovens afro-americanos nos Estados Unidos, é a gíria usada pela juventude argelina para “irmão”. Elogiando a capacidade de narração visual de Laurendeau, Makola observou que importa saber “quão íntimo” o fotógrafo se torna do seu objecto, mas também “até que ponto consegue distanciar-se” para permitir que que os que vêem as fotos façam os seus próprios juízos. Directora fotográfica da revista semanal do Le Monde, Lucy Conticello, que também integrou o júri, realça o primeiro termo da equação proposta por Makola, afirmando que “a ligação e a intimidade” do fotógrafo com as pessoas que retratou “simplesmente transparece” nas fotografias. E outra jurada, Sabine Meyer, directora de fotografia da National Audubon Society, uma das mais antigas ONG do mundo dedicadas à conservação da natureza, acrescenta: “Achámos que a qualidade fotográfica do trabalho era imaculada,”
A par da fotografia e da reportagem do ano, o concurso – ao qual se candidataram este ano 4282 fotógrafos – atribui ainda prémios em oito categorias temáticas: temas contemporâneos, ambiente, notícias, projectos de longa duração, natureza, retratos, desportos e spot news. Para cada uma delas, classifica por ordem as três melhores fotografias individuais e as três melhores séries, e é entre as vencedoras destas categorias que depois são escolhidas as nomeadas para os prémios principais: Straight Voice ganhou na categoria “notícias” e Kho, a Génese de uma Revolta venceu na de “projectos de longa duração”.
Embora não tenham direito a prémio monetário, os distinguidos nas várias categorias teriam, como sempre acontece, viagem e despesa pagas para assistir à cerimónia de entrega dos prémios e ao festival promovido pela organização, que estavam agendados para os dias 16 a 18 de Abril em Amesterdão, mas a pandemia da covid-19 obrigou a World Press Photo a cancelar este programa. Também a habitual exposição itinerante com os trabalhos premiados, que nas últimas edições percorreu mais de 120 cidades em todo o mundo, dificilmente poderá vir a realizar-se como previsto.