Observador de aves, Carlos Rio mistura-se na paisagem em busca do raio azul
Este birdwatcher só começou a fotografar porque precisou da fotografia para se aproximar das aves e aprender com elas. Mistura-se na paisagem. Passa horas e horas — e horas — camuflado. Não desistiu enquanto não fotografou o seu guarda-rios.
Quando era miúdo, o guarda-rios deixava-o realmente fascinado. O voo rasante e directo. Uma flecha de asas azuis e ventre cor-de-laranja. “Passava a grande velocidade, como um raio azul”, diz Carlos Rio, memórias bem vivas e coloridas da sua “ave preferida para fotografar”. “Foi muito difícil, mas não desisti enquanto não o fotografei.”
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Quando era miúdo, o guarda-rios deixava-o realmente fascinado. O voo rasante e directo. Uma flecha de asas azuis e ventre cor-de-laranja. “Passava a grande velocidade, como um raio azul”, diz Carlos Rio, memórias bem vivas e coloridas da sua “ave preferida para fotografar”. “Foi muito difícil, mas não desisti enquanto não o fotografei.”
Carlos nasceu em Fão há 56 anos. Começou a fotografar “por causa das aves” que procuram o estuário do Cávado e os seus abrigos nos períodos migratórios e na época de reprodução, entre os lodaçais a descoberto na maré vaza, os sapais, o prado salgado atlântico, os extensos juncais e as pequenas matas aluviais. “Comecei a andar sozinho por aqui. Não percebia patavina, nadinha. Às minhas aproximações (ou a falta de aproximações)... os bichos fugiam-me todos. A coisa era desastrosa”, sorri o fotógrafo “naturalista” que “não era fotógrafo”. “Dediquei-me a isto porque precisei da fotografia.”
Felizmente, o seu guarda-rios “não é uma espécie rara”. “Até é uma ave comum nos nossos cursos de água.” É “fácil de observar” e “mais difícil de fotografar”. Com o tempo, Carlos Rio foi aprendendo que “existem muito mais bichos do que apenas gaivotas” e que devia “mostrar às pessoas a riqueza deste espaço natural”. “Achei que devia”, sublinha.
Foi há uns 16 anos. Carlos era formador na área das novas tecnologias. Apreciador de fotografia. Apenas isso. “Não percebia nada de fotografia. Tive que aprender.” E teve que aprender “muito das espécies para depois as conseguir fotografar”. Seja um guarda-rios ou qualquer uma das 130 e tal espécies que já fotografou “só” na zona do estuário do Cávado ("em todo o Parque Natural do Litoral Norte já fotografei duzentas e muitas espécies de aves").
Agarrou-se aos livros. Foi comprando equipamento. Passou tantas horas no terreno como num grupo no Flickr, onde uma comunidade “muito forte” partilhava tudo o que tinha para partilhar.
Aprendeu a camuflar o tripé e as objectivas. Aprendeu a dominar as velocidades altas e a luz. “As aves são muito pouco sossegadas. Não param quietas entre a luz e a sombra.” Ganhou “ginástica” para jogar com as definições do equipamento fotográfico. Aprendeu que “não se pode fotografar uma carriça a olhar para as copas das árvores (porque elas andam cá em baixo, junto ao chão, junto às silvas e aos muros e arbustos)”.
Hoje, o seu objectivo vai “muito além” da criação artística. Prefere de longe a fotografia documental que ajude a “sensibilizar as pessoas”. “A urgência é muita”, alerta Carlos Rio, que também gosta especialmente de fotografar répteis e anfíbios. “É necessário as pessoas perceberem que é preciso preservar aqueles espaços.”
Carlos dá workshops de fotografia de vida selvagem ("aparecem grandes fotógrafos que não sabem fotografar aves") e passou a ser guia de birdwatching em parceria com a Oporto Adventure Tours. Juntos criaram a North Birding Tours, que se dedica exclusivamente a fazer birdwatching no Parque Natural do Litoral Norte ("fazemos questão que seja aqui"), uma actividade com muita procura, especialmente por parte de visitantes norte-americanos, do Norte da Europa e ingleses, “que são fanáticos”.
A empresa traça um percurso de um dia no estuário, na floresta e nas zonas agrícolas. “Os birdwatchers, como não usam máquina fotográfica, andam com os binóculos e com um bloco, ficam satisfeitos com a simples observação. Ou fazem uma fotografia com o telemóvel com aves a duzentos metros de distância e ficam muito contentes com o seu pontinho.”
“Felizmente”, diz, vai havendo cada vez mais pessoas “interessadas em aprenderem a andar na natureza”. “E isso não é andar numa bicicleta todo o terreno a estragar zonas de montanha ou uma moto 4 a estragar as dunas. As pessoas, muitas vezes casais com filhos, estão cada vez mais interessadas em aprender a observar a natureza.”
Como ele, ainda há poucos. Gosta de fotografar à sua maneira. “Da forma como comecei a fotografar.” Pega no equipamento e sai “por aí”. Vai “traçando a estratégia” ao ritmo dos passos que dá, das aproximações furtivas. “Vou-me esconder aqui, vou-me camuflar acolá...” Mistura-se na paisagem. Nem sempre com sucesso ("quantas vezes fazemos um abrigo, onde se está ali sentado em silêncio durante seis ou sete horas, e vamos embora para casa sem nenhuma fotografia?”). Sempre com sucesso ("estou no meio da natureza").
Já esteve num abrigo nos Pirenéus, a dois mil e tal metros de altitude, numa “barraquinha de metro e meio quadrado em plano inclinado, deitado numa lona” à espera de um galo-montês — uma espécie que está extinta em Portugal. “Entrava às 16h e saía às 12h do dia seguinte. Em silêncio”, recorda. Em 2015 publicou o livro Guarda-rios... o raio azul.
“As pessoas vão despertando”, diz à Fugas agarrado ao computador em dias de covid-19. “Já há mais activistas sem ser de sofá e de Facebook. Acho que esta situação que todos estamos a passar vai ajudar a vermos as coisas de uma forma diferente. Que se aproveite a lição.”