Covid-19: É a obesidade um factor de risco?

Centros para Prevenção e Controlo de Doenças (CDC) dos EUA listam entre os grupos de maior risco da covid-19 as pessoas com obesidade mórbida.

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Em 2016, mais de 1900 milhões de adultos tinham excesso de peso em todo o mundo Finbarr O'Reilly/REUTERS

Antes da pandemia de covid-19 assolar o mundo, a obesidade era considerada por muitos a maior pandemia do século XXI. Agora especialistas acreditam que a obesidade pode ser, na verdade, um factor de risco para as pessoas infectadas pelo novo coronavírus SARS-CoV-2.

A obesidade trata-se de um problema de saúde pública e de uma doença crónica, “uma patologia em que o excesso de gordura corporal acumulada pode afectar a saúde”, descreve o site do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a obesidade quase triplicou ao nível global desde 1975. Em 2016, mais de 1900 milhões de adultos tinham excesso de peso — destes, mais de 650 milhões eram obesos. De acordo com a OMS, “o excesso de peso e a obesidade são definidos como uma acumulação de gordura anormal ou excessiva que representa um risco para a saúde”. Caso o Índice de Massa Corporal (IMC) — a relação entre a altura e o peso de um indivíduo — ultrapasse os 25, a OMS considera que a pessoa tem excesso de peso, sendo considerada obesa quando o IMC ultrapassa os 30.

A obesidade tem origem em diversos factores (muitas vezes de natureza complexa) e é um factor de risco para o desenvolvimento e agravamento de outras doenças, como doenças cardiovasculares, diabetes e alguns tipos de cancro. Mas será que é também um factor de risco para o agravamento da covid-19?

Obesidade e covid-19 em França e EUA

Jean-François Delfraissy, epidemiologista e presidente do conselho científico francês para a pandemia de covid-19, garantiu esta quarta-feira à rádio FranceInfo que o excesso de peso é um factor de risco importante para as pessoas infectadas pelo novo coronavírus. Segundo o epidemiologista francês, os Estados Unidos encontram-se numa situação particularmente vulnerável devido ao facto de uma grande parte da população sofrer de obesidade ​— entre 2017 e 2018, de acordo com um estudo dos Centros para Prevenção e Controlo de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, 42,4% dos adultos sofriam de obesidade naquele país.

Delfraissy destaca que, em França, cerca de 17 milhões de cidadãos encontram-se também em risco, perante esta pandemia de covid-19, devido a factores como a idade, doenças preexistentes ou obesidade. “Este vírus é terrível, pode afectar jovens, nomeadamente jovens obesos. As pessoas com excesso de peso precisam mesmo de ter cuidado”, afirmou.

A obesidade tem sido também associada a elevadas taxas de mortalidade per capita por covid-19 em locais como Nova Orleães, no estado norte-americano do Luisiana. A agência Reuters refere que a taxa de mortalidade per capita por covid-19 é duas vezes maior em Nova Orleães do que em Nova Iorque e quatro vezes maior do que em Seatlle (alguns dos locais que têm gerado mais preocupações), de acordo com dados publicados na passada quinta-feira.

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David Gray/REUTERS

Médicos e profissionais de saúde, citados pela Reuters, associam à elevada taxa de mortalidade por covid-19 em Nova Orleães o facto de uma grande parte dos residentes daquela cidade sofrerem de obesidade, diabetes e hipertensão (a níveis que ultrapassam a média nacional) — comorbidades que podem tornar os pacientes mais vulneráveis à covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus.

De acordo com dados divulgados pela Reuters a 2 de Abril, cerca de 97% das vítimas mortais por covid-19 no Luisiana tinham alguma doença preexistente (entre as quais diabetes, obesidade, doença renal crónica e problemas cardíacos).

No entanto, importa sublinhar que há uma série de outros factores que podem contribuir para uma elevada taxa de mortalidade por covid-19 em Nova Orleães, entre os quais a falta de acesso a cuidados de saúde ou hábitos dos próprios indivíduos como fumar.

Doentes com excesso de peso nos cuidados intensivos

Um artigo de uma equipa internacional de cientistas, publicado na revista científica Nature, refere que “a diabetes de tipo 2 e a hipertensão são as comorbidades mais comuns em pacientes com infecções por coronavírus” e alerta para a importância do controlo metabólico nos pacientes com covid-19. “A síndrome metabólica vai também comprometer o sistema imunitário, reduzindo a capacidade do organismo para combater a infecção, afectando o processo de cura e prolongando a recuperação”, afirmam os investigadores.

Na semana passada, Diederik Gommers, presidente da Associação de Cuidados Intensivos holandesa, afirmou aos jornalistas que entre 66% e 80% dos pacientes com covid-19 que ele tinha observado nas unidades de cuidado intensivos tinham excesso de peso. Peter van der Voort, professor no Hospital Universitário de Groningen (Holanda), concordou que há um elevado número de infectados pelo novo coronavírus com excesso de peso das unidades de cuidados intensivos: “Não sabemos porquê, mas é muito perceptível”, afirmou citado pela Al-Jazira.

Dados divulgados pelo Centro Nacional de Investigação e Auditoria dos Cuidados Intensivos britânico, citados pelo Guardian num artigo do final do mês de Março, mostraram que 70% dos pacientes internados nas unidades de cuidados intensivos no Reino Unido com covid-19 tinham excesso de peso ou eram obesos.

Após a publicação do relatório, Bharat Pankhania, da Universidade de Exeter (Reino Unido), explicou ao Telegraph que, embora muitos destes pacientes internados nas unidades de cuidados intensivos no Reino Unido sejam relativamente jovens, isso não significa que sejam saudáveis. “Sabemos que um elevado IMC nos torna mais susceptíveis a vários outros problemas, como ataque cardíaco e artrite e poderemos facilmente acrescentar a essa lista uma infecção por coronavírus”, referiu.

A obesidade e um agravamento da doença

Durante a pandemia de influenza A (H1N1) de 2009, a obesidade revelou ser um factor de risco para o aumento da morbimortalidade (após a infecção). Especialistas, citados pela Al-Jazira, revelaram que as pessoas com um IMC superior ou igual a 30 tiveram maior dificuldade em recuperar desta gripe (e maior probabilidade de desenvolverem uma pneumonia) do que as pessoas com um IMC inferior a 25, com a obesidade a associar-se a quadros mais graves da doença.

“Muitos pacientes com diabetes de tipo 2 são obesos e a obesidade também é um factor de risco para a infecção grave”, acrescenta um artigo do endocrinologista Sten Madsbad, da Universidade de Copenhaga (Dinamarca) publicado no site Touch Endocrinology. “Foi demonstrado que durante a epidemia de influenza A (H1N1) de 2009, a doença era mais grave e tinha maior duração em pacientes com obesidade que foram internados em unidades de cuidados intensivos”, acrescenta.

Um outro estudo, desenvolvido por uma equipa de especialistas chineses e divulgado no mês passado, analisou as características clínicas e o estado de 112 pacientes com doenças cardiovasculares infectados pelo novo coronavírus e internados num hospital de Wuhan, entre Janeiro e Fevereiro de 2020. Dos 112 pacientes, 17 acabarem por morrer. Entre as vítimas mortais, 15 (88%) tinham excesso de peso ou eram obesos (com um IMC superior a 25). Por outro lado, das 95 pessoas que sobreviveram, apenas 18 (19%) tinham excesso de peso ou sofriam de obesidade. “O IMC do grupo crítico [pessoas internadas nas unidades de cuidados intensivos] era significativamente superior ao do grupo geral”, concluíram os autores.

Além do aumento de peso, a obesidade provoca distúrbios ao nível metabólico e pode provocar ainda perturbações no sistema imunitário, deixando o indivíduo mais susceptível a complicações e infecções. O que significa que a obesidade poderá aumentar o risco de complicações graves, incluindo dificuldades respiratórias e pneumonia, em pessoas infectadas pelo novo coronavírus SARS-CoV-2.

“A covid-19 é uma doença nova e há informação limitada sobre os factores de risco para o desenvolvimento de doença grave. Com base na informação actual disponível e nos conhecimentos clínicos, os adultos mais velhos e pessoas de qualquer idade com problemas médicas subjacentes podem estar em maior risco de desenvolver uma doença grave”, explica uma nota dos CDC. Entre os grupos de maior risco, os CDC listam as pessoas com mais de 65 anos e pessoas com doenças preexistentes como doenças pulmonares ou asma, problemas cardíacos, doentes imunossuprimidos, pessoas com obesidade mórbida, diabetes e doenças renais ou hepáticas.