Ministério não acautela alunos sem Internet no seu novo Plano de Ensino à Distância
Plano destinado ao 3.º período está já a ser enviado para as escolas. Não são apontadas alternativas para os estudantes que não têm computador nem acesso à Internet em casa e cujo número, só no ensino básico, poderá chegar aos 50 mil, segundo alertam dois economistas.
O Ministério da Educação (ME) já está a enviar para as escolas o seu Plano de Ensino à Distância para ser aplicado ao longo do 3.º período, assumindo assim o que ainda não anunciou oficialmente, ou seja, que este ano lectivo não deverá haver mais aulas presenciais devido à pandemia de covid-19.
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O Ministério da Educação (ME) já está a enviar para as escolas o seu Plano de Ensino à Distância para ser aplicado ao longo do 3.º período, assumindo assim o que ainda não anunciou oficialmente, ou seja, que este ano lectivo não deverá haver mais aulas presenciais devido à pandemia de covid-19.
Com base em oito “princípios orientadores”, o plano agora divulgado não oferece ainda respostas à questão que tem suscitado mais alertas por parte de directores, pais e especialistas na área da educação: o de muitos alunos poderem ficar para trás pelo simples facto de nas suas casas não existirem computadores nem Internet, instrumentos que são fundamentais para o ensino a distância.
A este respeito, o ministério volta a insistir no que já tinha proposto esta semana noutro documento dirigido às escolas a propósito da intervenção junto de “crianças e jovens em situação de vulnerabilidade”. Mais concretamente, aconselha-se que os estabelecimentos escolares mobilizem “parceiros disponíveis para colaborar”.
“A articulação com a edilidade e/ou com outros parceiros, por exemplo, as juntas de freguesia, as bibliotecas, as associações de pais, as associações de solidariedade social, os bombeiros, os mediadores do Programa Escolhas, os mediadores de organizações não-governamentais, as organizações da economia social, entre outros, podem ser uma forma para chegar a todas as crianças e a todos os alunos. Esta dimensão assume principal relevância para os alunos com problemas de conectividade e infra-estrutura e/ou menor acompanhamento familiar”, descreve-se num dos pontos em que se desdobra o primeiro “princípio orientador”, designado Mobilizar para a Mudança.
E onde o ME também frisa que “independentemente da sua estrutura e modos de acção, o plano de Ensino à Distância deve ter como intenções chegar a todas as crianças e a todos os alunos”.
Num artigo com o título Será a Distância Igual para Todos?, publicado nesta quinta-feira no site da Iniciativa Educação, um projecto da família Soares do Santos, os economistas Hugo Reis e Pedro Freitas alertam que, só no ensino básico, poderão existir cerca de 50 mil alunos sem acesso à Internet.
Lembram, a este respeito, que os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística, divulgados em Novembro de 2019, davam conta de que cerca de 5,5% dos agregados familiares com crianças até aos 15 anos afirmavam não ter acesso à Internet em casa. “Pode parecer um número residual, mas se considerarmos que no ensino básico (entre o 1.º e o 9.º ano) estão inscritos perto de um milhão de alunos, tal poderá significar que um universo de cerca de 50 mil não terá acesso a recursos educativos online”, destacam, para frisar de seguida: “No presente cenário em que um enorme esforço é colocado na exequibilidade das aulas a distância, é, pois, necessário ter em atenção que existem alunos sem acesso à Internet e que precisam de soluções alternativas para o seu estudo”.
Os autores chamam também a atenção para o facto de as experiências de ensino a distância já realizadas noutros países sinalizarem “que são os alunos com menor aproveitamento ou com uma condição socioeconómica mais frágil que poderão sair mais prejudicados neste momento”.
De regresso ao plano que está a ser enviado às escolas, são estes os seus oito “princípios orientadores": mobilizar para a mudança; comunicar em rede; decidir o modelo de ensino a distância; colaborar e articular; metodologias de ensino; seleccionar os meios tecnológicos de ensino a distância; cuidar da comunidade escolar; acompanhar e monitorizar.
Não inundar os alunos
Tendo na base a experiência das últimas duas semanas em que os alunos estiveram a trabalhar a distância, o ministério adianta que as escolas devem “encontrar os meios tecnológicos” para o potenciar “sem inundar os alunos de múltiplas soluções de comunicação”.
Devem também, acrescenta-se, “recorrer aos meios tecnológicos já utilizados anteriormente pelos professores e pelos alunos (…) tais como e-mail, programa de gestão de alunos, blogues, entre outros”. Neste plano, o ME refere ainda que se devem “prevenir situações de isolamento de alunos”, sublinhando que o contacto entre estudantes “através de espaços digitais, ou outros meios tecnológicos, é essencial para a manutenção das interacções sociais e da sua motivação para a realização das tarefas”.
Prevenir isolamento
Por isso, as actividades propostas “deverão contemplar espaços de interacção e de convívio, promovendo o trabalho de grupo e quebrando o isolamento em que os alunos se encontram”. Sendo “importante prever o papel a desempenhar pelos psicólogos e pelos professores que apoiavam os alunos no apoio tutorial específico, mobilizando todos os recursos disponíveis”. O “apoio tutorial” destina-se a alunos com um historial de retenções.
“Cabe a cada escola, em função da fase em que se encontre e da sua realidade, reflectir sobre os princípios apresentados e desenvolver o seu Plano de Ensino à Distância, encontrando as respostas mais adequadas e potenciadoras do sucesso educativo dos alunos”, aponta o ME, que, entre vários outros conselhos, refere que “as metodologias de ensino desenvolvidas [nesta forma de ensino] devem ser apelativas e mobilizadoras dos alunos para a acção”, promovendo “um papel activo na procura de novas aprendizagens, que poderá passar pelo desenvolvimento de projectos interdisciplinares”.