Portugueses “presos” no estrangeiro: em Cusco, são oito num hotel e não sabem “o que esperar”
Sara e Joel são enfermeiros e querem ajudar. Mas estão de mãos atadas — Sara é diabética e a insulina rareia e é cara. Continuam sem notícias do avião que os trará de volta a Portugal, como prometido pela Secretária de Estado das Comunidades.
Sara Velho e Joel Azevedo planearam “durante um ano” as férias no Peru. Mas nenhum deles imaginaria que por causa de uma pandemia ficariam retidos a nove mil quilómetros de Portugal e sem qualquer perspectiva de voltarem à Europa. “Nenhum apoio nos foi dado a não ser moral”, lamenta Joel, confinado ao Hostel Mallqui num grupo de portugueses que entretanto foi crescendo — agora são oito.
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Sara Velho e Joel Azevedo planearam “durante um ano” as férias no Peru. Mas nenhum deles imaginaria que por causa de uma pandemia ficariam retidos a nove mil quilómetros de Portugal e sem qualquer perspectiva de voltarem à Europa. “Nenhum apoio nos foi dado a não ser moral”, lamenta Joel, confinado ao Hostel Mallqui num grupo de portugueses que entretanto foi crescendo — agora são oito.
Telefonemas, e-mails e informação dispersa. Tudo somado e este grupo de portugueses continua sem saber como e quando conseguirá sair do Peru. Impotente, o casal agarra-se a dois e-mails enviados pela própria Berta Nunes, Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas. O primeiro, de dia 20 de Março, dá conta da organização para “breve” de voos de repatriamento de portugueses daquela zona do planeta. O segundo, do dia seguinte, sublinha a mesma informação telegráfica: “O voo estará para breve. Está a ser tratado. Ajudamos no que pudermos. Vai correr tudo bem.”
Sara (de Braga) e Joel (Póvoa de Lanhoso) são enfermeiros e trabalham na Suíça. Há muito que a covid-19 andava no ar, mas mantiveram o foco no Peru, “onde nenhum caso tinha sido detectado”. “No dia em que chegámos [12 de Março] havia quatro casos”, conta à Fugas Sara, que tem acompanhado com preocupação os números daquele país — no momento desta entrevista eram 363 casos confirmados e cinco mortos —, que de um dia para o outro passou a ser “intransigente” no que à circulação de pessoas diz respeito. Turistas incluídos. “Anunciaram uma série de medidas e colocaram-nas em prática”, recorda Joel Azevedo.
O dia 16, lembra, foi “o mais catastrófico”. Tinham acabado de chegar a Cusco vindos da zona de Arequipa. “Um taxista disse-nos que até à meia-noite desse mesmo dia os aeroportos iam fechar, assim como todos os restaurantes e hotéis”, conta Joel, que rapidamente tratou de fazer check-in no hotel antes de accionarem o plano de emergência. Quando quiseram tratar do imediato regresso a Lima, depararam-se com o fecho do aeroporto, barrado pelas forças militares. Quando decidiram voltar ao hotel, perceberam que o mesmo iria fechar nessa mesma noite. “Ficámos na rua, sem hotel e sem voo”, recorda Joel. O casal conseguiria pouco depois alojamento graças a um contacto cedido por um casal de suíços que conhecera no aeroporto.
Pouca insulina a 3400 metros de altitude
Sara e Joel acabaram no Hostel Mallqui, onde pagam 20 dólares por dia (cerca de 18,60 euros) e onde consomem todas as refeições. “Aqui, ainda deixam ir à rua uma pessoa de cada vez”, conta Sara, que faz parte de um grupo de risco: é diabética tipo 1 desde os nove anos. “Tem sido difícil controlar os níveis de glicemia”, sublinha a enfermeira, que há dias conseguiu um reforço de insulina “a um preço altíssimo” através do cônsul honorário português em Cusco. “Foram mais de cem dólares [cerca de 93 euros] por uma ampola”, reforça Joel, que deixou bem clara esta situação também no mail que seguiu para a caixa de correio de Berta Nunes: “O consumo de insulina que a Sara tem tido tem sido altíssimo. A previsão de insulina que temos para uma semana é com um consumo dito normal, que não tem sido o caso neste momento. Ou seja, é impossível fazer uma real previsão por quanto tempo ainda temos. A situação de stress tem sido imensa. Ontem a Sara desmaiou no quarto. Felizmente como enfermeiro consegui resolver a situação sem ter que recorrer aos hospitais locais.”
Neste momento, viajar entre Cusco e a capital peruana — normalmente, uma viagem de mais de 20 horas de carro ou autocarro — é praticamente impossível, tendo em conta as restrições de circulação no Peru. Para além disso, estes portugueses já sentiram na pele o síndrome-do-turista-que-transporta-o-mal. “A própria população olha para nós como se fôssemos os portadores do vírus. Chegámos a ser insultados. Disseram-nos que a culpa era nossa”, lembra Joel, que também desconfia de tantas dificuldades impostas a turistas que querem sair de Cusco e numa cidade que “não vive sem turistas”. “Enquanto os turistas estiverem cá, algumas estruturas hoteleiras estão abertas e a lucrar. Pode ser uma teoria da conspiração, mas...”
Sara e Joel são enfermeiros e estão preparados para entrar em acção “em Portugal ou noutro país qualquer”. “Queremos ajudar, dar uma mão aos nossos”, dizem. Até lá, estão de mãos atadas na companhia de mais seis portugueses. “Não sabemos o que esperar”, dizem. “Estamos todos à procura da mesma solução. Todos aguardamos alguma resposta. Nada nos é dito. Felizmente estamos juntos.”