A ciência da beleza humana
Um estereótipo comum, denominado pela ciência como “efeito de Halo”, representa a nossa tendência para associar tudo o que é belo a tudo o que é bom.
O tópico da experiência percetiva da beleza humana suscita facilmente fascínio quando apresentado e discutido em diversos contextos. As implicações profundas que a atratividade física adquire nas nossas vidas são um tema que tem suscitado bastante interesse por parte da comunidade científica nas últimas décadas.
Vários estudos têm demonstrado que as pessoas consideradas mais atraentes não só têm mais facilidade no que respeita ao foro amoroso e relacional, como também são tratadas de forma diferente pela sociedade em geral. Estudos indicam que as pessoas ditas atraentes frequentemente conseguem melhores empregos, melhores ordenados e até um maior número de amizades. Um estereótipo comum, denominado pela ciência como “efeito de Halo”, representa a nossa tendência para associar tudo o que é belo a tudo o que é bom. Devido a este estereótipo, as pessoas atraentes são habitualmente percecionadas como detentoras de uma variedade de caraterísticas de personalidade positivas, mas também como sendo mais competentes e felizes.
Não descartando a influência do contexto sociocultural e da unicidade das experiências individuais nas conceções de natureza estética, a ciência psicológica tem identificado alguma transversalidade nas características físicas que influenciam a perceção de atratividade, designadamente, em faces. Três dessas principais características são a simetria, a mediania (grau de semelhança com as proporções faciais médias da população geral) e o dimorfismo sexual (presença de características faciais que tipicamente distinguem os indivíduos do sexo masculino dos do sexo feminino).
Estes fatores, identificados como determinantes na atratividade, resultam da evolução da nossa espécie ao longo de milhões de anos e, segundo a Psicologia Evolutiva, são indicadores de qualidade individual, guiando o nosso comportamento para que façamos escolhas adaptativas no momento de escolher um parceiro sexual.
Por um lado, se este tópico é passível de despertar curiosidade e aceitação, por outro, suscita frequentemente alguma indignação e descrença. Isto porque, em primeiro lugar, existe quem argumente que o domínio da beleza deve ser considerado exclusivamente no foro das artes, ou, ao sê-lo nas ciências, deve ser, pelo menos, integrado nas ciências sociais. Prevalece, assim, a ideia já defendida em 1757 pelo filosofo David Hume, de que “a beleza está nos olhos de quem contempla” e, portanto, deverá consistir numa experiência subjetiva, aprendida e cultural. Tal conceção é amplamente aceite e, acrescento, desejada, devido possivelmente à necessidade de nos sentirmos diferenciados das outras espécies.
Em segundo lugar, a Psicologia Evolutiva, ao considerar uma perspetiva biológica do comportamento, atribui um propósito à atração e à atratividade, que se relaciona com a continuação da vida e, consequentemente, com a procriação. Significa isto que, se a atração e o sexo não se resumem à procriação, a necessidade desta ao longo da evolução da espécie, provavelmente, influenciou as nossas perceções, sensações e vivências da sexualidade.
Infelizmente, esta abordagem tem sido, por vezes, erradamente interpretada e utilizada a favor de posições ideológicas associadas à homofobia e ao sexismo. Estas interpretações desvirtuam os pressupostos teóricos até agora apresentados, nomeadamente, porque estes não se sustentam numa atitude determinista e totalitária.
Os modelos biopsicossociais (reconhecendo as influências biológicas, psicológicas e sociais na psique e comportamento humanos) são cada vez mais adotados no pensamento científico, relevando a unicidade do código genético e do conjunto de experiências de vida de cada pessoa. A inerente complexidade desta equação prevê que cada um de nós se sinta atraído por traços distintos, nomeadamente, em momentos e contextos diferentes.
Por último, compreenda-se que, qualquer investigador dedicado à ciência psicológica que anuncie ter como objeto de estudo a beleza humana, provavelmente será confrontado com a opinião de que a beleza não deve ser estudada de todo. Nesta perspetiva, é argumentado que o olhar científico sobre a beleza a expropria do seu lado mais romântico e poético. Tais considerações assumem que a ciência possui, de alguma forma, a capacidade de dissecar e extrair a qualidade idílica da vivência da beleza e do prazer.
Para quem não partilha desta convicção, o estudo da beleza, da atração, e mesmo, do sexo, não impede que permaneçamos maravilhados com os fenómenos. De forma análoga, por exemplo, para um astrofísico, a sua profissão não o impede de ficar encantado quando contempla uma noite estrelada.
Do mesmo modo, no psicólogo que investiga a sexualidade, prevalece o fascínio pelas complexidades das relações humanas, nomeadamente, quando este procura compreender o desejo, o sexo e o amor.
Investigadora de Pós-Doutoramento; membro do Grupo de Investigação em Sexualidade Humana (SexLab) e do Centro de Psicologia da Universidade do Porto (CPUP)
A autora segue o novo acordo ortográfico