Sem esperança e sem dinheiro, os jovens sul-coreanos viram-se contra o sistema
Vivem em cubículos porque não têm dinheiro para pagar uma casa — nem têm esperança de vir a ter. São as “dirt spoons”, a classe baixa, os jovens sul-coreanos que desistiram ideia de mobilidade social. E estão a distanciar-se do presidente Moon Jae-in porque se sentem traídos: “A situação que vivemos actualmente é bastante diferente da que ele prometeu.”
Hwang Hyeon-dong vive num cubículo de 6,6 metros quadrados perto do campus universitário onde estuda, em Seul. Por mês, paga 350 mil won (cerca de 270 euros) pelo apartamento minúsculo, que tem uma casa de banho partilhada e uma cozinha.
Os exíguos quartos, que se inserem em instalações chamadas goshi-won, eram normalmente habitados por estudantes com menos possibilidades que temporariamente se desligavam do mundo exterior para estudar para os exames de acesso a empregos estatais da Coreia do Sul.
Hoje em dia, estas casas estão a tornar-se nas habitações permanentes de jovens como Hwang, que são encarados como as “dirt spoons” da sociedade actual — aqueles que nasceram em famílias de baixos rendimentos e que desistiram da ideia de mobilidade social.
“Se eu me esforçar o suficiente e conseguir um bom trabalho, será que vou ser capaz de pagar uma casa?”, questiona o jovem de 25 anos, dentro do seu quarto — pequeno e atulhado, com uma pilha de roupas em cima da cama. “Será que alguma vez vou conseguir reduzir este fosso [social] tão grande?”
Os conceitos de “dirt spoons” e “gold spoons” — como são conhecidos aqueles que, por oposição, pertencem às famílias com rendimentos mais altos — apareceram há muitos anos, mas acabaram por se alargar também para o cenário político nos últimos anos, o que diminuiu o apoio ao presidente Moon Jae-in.
Moon chegou ao poder em 2017, reivindicando justiça social e económica, mas a disparidade de rendimentos aumentou desde que tomou posse, sendo que actualmente os cidadãos mais bem remunerados ganham 5,5 vezes mais do que os que estão no fundo da lista. Antes da sua tomada de posse, a diferença era de 4,9 vezes.
Hwang, que está agora no terceiro ano de Estudos de Media, conta que um escândalo de corrupção relacionado com o ministro da Justiça abriu os olhos de “dirt spoons” como ele, que em tempos acreditaram que o trabalho árduo poderia fazer diferença. Cho Kuk e a sua mulher, uma professora universitária, foram acusados de usar o seu estatuto para que a filha conseguisse entrar no curso de Medicina, em 2015.
Perante as acusações, o governante assumiu-se como uma “gold spoon” e apresentou-se como um “Gangnam liberal” (expressão que se refere a um membro da elite que tenta levar uma vida modesta) motivado pela justiça social. Saiu-lhe o tiro pela culatra com estas declarações — e Cho acabou por se afastar do cargo em Outubro último, cerca de um mês depois de ter assumido o cargo. A sua mulher enfrenta agora acusações de fraude financeira e falsificação de documentos.
Para os muitos jovens que enfrentam dificuldades, o escândalo — que motivou grandes protestos contra Moon — mostrou como as “gold spoons” chegam mais longe com a ajuda da riqueza e estatuto dos pais. Numa sondagem feita em Setembro, três quartos dos 3289 dos inquiridos referiram que o background dos pais era uma ferramenta chave para o sucesso dos filhos.
“Não me posso queixar do facto de não partirmos todos do mesmo ponto”, disse Kim Jae-hoon, 26 anos, que também vive num cubículo numa goshi-won. “Mas fico irritado porque há pessoas que estão a ser ajudadas de forma imprópria. É ok que alguém esteja a estudar enquanto eu tenho que trabalhar, mas o facto de eles estarem a receber ajuda ilícita deixa-me irritado.”
Kim trabalha em part-time como empregado de mesa num bar perto da escola e tem 400 mil won (cerca de 310 euros) por mês para renda, comida e despesas. A maioria das suas refeições é constituída por malgas de arroz que prepara na sua cozinha partilhada: uma pequena porção de arroz misturada com ovos, meia cebola e molho.
Eleitores jovens e de baixos rendimentos como Kim estão a distanciar-se de Moon. Entre votantes com idades entre os 19 e os 29 anos, o apoio ao presidente caiu de 90% (em Junho de 2017) para 44% (em Outubro último), de acordo com uma sondagem feita pela Gallup Korea. Entre os grupos de rendimentos mais baixos, o apoio caiu 44% desde meados de 2017.
“O presidente fala de igualdade de oportunidades e de justiça. Mas eu tenho um sentimento de traição porque a situação que vivemos actualmente é bastante diferente da que ele prometeu”, disse Hwang, que votou nele. E os trabalhadores mais velhos também sentem “o beliscão”, à medida que Moon tenta melhorar as oportunidades de emprego e justiça social para os mais jovens. Por seu turno, o presidente já admitiu num evento transmitido na televisão que não estava a ser capaz de cumprir algumas promessas e que o declínio do apoio dos mais jovens era um sinónimo de que os tinha desiludido.
A ideia de “dirt spoons” e “gold spoons” tem ressoado na cultura popular nos últimos anos: por exemplo, o filme Parasita, dirigido por Bong Joon Ho, retrata duas famílias de estratos sociais opostos e tem sido um êxito, quer na Coreia do Sul, quer no resto do mundo — ganhou inclusive a Palma de Ouro no Festival de Cannes e tem sido apregoado como o potencial vencedor do Óscar de Melhor Fotografia. Também a famosa boysband BTS, conhecida como “os ídolos das dirt spoons”, aborda a divisão social, através da música Fire: “Don’t call me a spoon! I am just a human”, cantam.
O facto de as “gold spoons” e “dirt spoons” serem retratadas na cultura popular de formas tão diversas é o reflexo da falta de esperança entre os mais necessitados, acredita Kim Jong-min, líder do grupo cívico Youth Taeil, que ajuda jovens que estão à procura de emprego e trabalhadores temporários. “Pessoas poderosas do governo de Moon e os partidos no poder dizem-se reformistas, mas eles são na verdade os mesmos antigos políticos e não estão a ouvir a classe baixa, que é a que sofre”, remata.