João Fazenda não se revê “nesta Europa”. Por isso, desenhou o mar (de corpos) que o Mediterrâneo é

O Parlamento Europeu chumbou as resoluções relativas a salvamento de migrantes no Mediterrâneo. A “tristeza, incredulidade e choque” fizeram João Fazenda endereçar uma ilustração aos deputados portugueses que a chumbaram. “Como é possível a Europa assumir desta forma deliberada tanta desumanidade?”

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O céu azul e o mar profundo; em segundo plano, um barco que enverga a bandeira da União Europeia (“Afinal, o Mediterrâneo é um mar tão lindo”). Mas um olhar mais próximo mostra que, afinal, são corpos humanos que desenham as ondas do mar.

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O céu azul e o mar profundo; em segundo plano, um barco que enverga a bandeira da União Europeia (“Afinal, o Mediterrâneo é um mar tão lindo”). Mas um olhar mais próximo mostra que, afinal, são corpos humanos que desenham as ondas do mar.

João Fazenda não ilustrou este mar de corpos quando soube que as quatro propostas — da Libe [acrónimo da Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos], do PPE, ID e ECR — relativas a salvamentos de migrantes no Mediterrâneo tinham sido rejeitadas no Parlamento Europeu, na quinta-feira, 24 de Outubro. Pelo contrário, já a tinha feito “há uns tempos, em reacção às notícias recorrentes dos naufrágios”, conta, num email ao P3. A diferença é que na altura não a publicou “por pudor” e porque era “melancólica para falar de uma realidade tão horrível”. Desta vez, perante a notícia, endereçou-a, através de uma publicação no Facebook que já soma centenas de partilhas, aos deputados portugueses que se abstiveram ou votaram contra as resoluções. E não ficou por aí: o ilustrador sugeriu que se fizessem “fotocópias para oferecer às más companhias no Parlamento Europeu”.

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João Fazenda

Nuno Melo (CDS) e Álvaro Amaro (PSD) votaram contra a resolução da Libe — a proposta inicial, que deu depois origem às outras três propostas, já com muitos dos pontos originais retirados —, que insistia na "obrigação decorrente do Direito Internacional do Mar de prestar assistência a pessoas em perigo” e pedia aos Estados-membros que reforçassem “as operações de busca e salvamento no Mediterrâneo”. Chumbos que foram mais tarde justificados. José Manuel Fernandes, também do PSD, absteve-se e Maria Graça Carvalho (PSD) esclareceu via Twitter que o seu voto inicial — contra — tinha sido um “erro técnico”, que acabou por ser corrigido “ainda durante a sessão plenária”. Mas a alteração do voto já não teve efeitos práticos na contagem final, que foi chumbada por 290 votos contra 288.

“Tristeza, incredulidade, choque”: é assim que João Fazenda descreve o que sentiu quando soube do chumbo das resoluções. O mesmo que experienciou na altura em que desenhou a ilustração. “É a minha pequena forma de protesto e desabafo”, atira o ilustrador, que colabora com publicações como The New York Times, The New Yorker ou The Guardian e já foi galardoado com diversas distinções, entre elas o Prémio Nacional de Ilustração, em 2016. “Como é possível a Europa assumir desta forma deliberada tanta desumanidade?”

Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), em 2018 morreram (e desapareceram) no Mediterrâneo 2262 pessoas, enquanto tentavam chegar à Europa. Nas palavras do ilustrador, “a notícia desta votação confirma da pior maneira a negligência com que este problema tem sido tratado na Europa”.

Mas João Fazenda não foi o único a manifestar visualmente o seu desagrado. Vasco Gargalo desenhou uma Europa a afundar-se e, consigo, os que nela tentam entrar. Já o escritor e ilustrador Pedro Vieira, autor do blogue Irmão Lúcia, desenhou Nuno Melo a empurrar alguém para debaixo de água. São as palavras de descontentamento de quem usa a caneta para falar e dizer, como João Fazenda: “Não me revejo nesta Europa.”

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Vasco Gargalo

Actualização: Artigo corrigido à luz do direito de resposta de Nuno Melo