Os jovens apostam tudo numa “democracia mais transparente” — e querem entrar

O P3 desafiou cinco jovens a apontar as causas do futuro. E se eles agradecem não ter conhecido outro tipo de regime, conseguem perceber que a democracia está a precisar de defensores. E, ao contrário do que os adultos podem achar, os mais novos querem chegar-se à frente. Este é o terceiro texto de uma série de quatro.

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Semanas antes das eleições europeias, João Pedro Costa e alguns amigos organizaram um debate, numa escola em Sintra, para darem a conhecer aos colegas “os partidos que existem e as ideias que estes levariam ao Parlamento Europeu”. Em 1300 alunos, 350 do 12.º ano, João contou entre 30 a 40. “Também houve a oportunidade de irmos ao Parlamento Europeu [de forma gratuita] e eu fui, mas houve poucas inscrições”, aponta. Um protótipo de uma suposta apatia (ou antipatia) dos jovens em relação à política?

A história não termina aqui. É que dos 17 partidos convidados, também só dois responderam que iam. Para o futuro estudante de Ciência Política, este é um exemplo concreto de um ciclo vicioso fechado por um alheamento “recíproco”. João Pedro Costa foi um dos jovens a responder à chamada aberta do P3 para participar num encontro que aconteceu na redacção do PÚBLICO, no Porto, com o objectivo de identificar as “causas do futuro”. A “defesa da democracia” foi uma delas. Berta Valente Santos, Fernando Teixeira, João Pedro Costa, Rianne Ruviaro e Rita Regadas defenderam uma “reconfiguração” do único regime político que agradecem ter conhecido, de forma a “aproximar os jovens da política”.

Aos 18 anos, João vai votar pela primeira vez nas legislativas, a 6 de Outubro. Mas ainda antes de chegar à idade que lhe permite ser eleito deputado (ou autarca), o estudante de Lisboa já teve assento na Assembleia da República — durante a simulação de um plenário do Parlamento dos Jovens. De resto, nas outras sessões da XIII Legislatura, o Parlamento tem muito pouco de jovem: só 14% dos deputados eleitos em 2015 têm menos de 35 anos. A idade média é de 48 anos.

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O Livre e a Iniciativa Liberal foram os dois partidos que responderam ao convite dos alunos da escola em Rio de Mouro, Sintra, cidade portuguesa com o maior número de jovens entre os 18 e os 30 anos (56.238, em 2017). É uma das muitas vezes em que a ponte entre quem toma as decisões e quem não se sente envolvido nelas acaba por ruir, acredita Bernardo Branco Gonçalves. O economista de 26 anos criou uma aplicação empenhada em contribuir para “uma democracia mais transparente e participativa”, dois adjectivos que os jovens (e não só?) procuram. A myPolis parte do espaço online, “onde os jovens estão”, para implementar propostas concretas no mundo real. “Não sinto que a política tenha desistido dos jovens. Acho é que são linguagens diferentes”, alerta. “Aquilo que temos encontrado com o nosso trabalho, neste caso em quatro cidades em que já temos projectos a decorrer [Lisboa, Oeiras, Massamá e Monte Abraão], são jovens com muita coisa a dizer — e, nestes casos, executivos municipais que querem ouvir. “Quando há esta ligação dos dois lados da barricada”, a tal ponte, “coisas giras acontecem”.

Uma pólis de millennials online

Em 2018, ganharam o prémio “Democracia Digital” (quatro mil euros), mas, confessa, ainda estão longe do objectivo de “criar uma pólis de millenials que participam através dos seus telemóveis”, votando em propostas políticas, deixando sugestões ou entrando em contacto com um representante político. A maior dificuldade, aponta, passa por mobilizar os jovens e os adolescentes. “Como é que conseguimos, com uma ferramenta digital, incentivá-los a organizarem-se em grupos informais e concretizar coisas que melhoram as suas comunidades?”  

Pensar numa ferramenta mobile (também disponível para computador) pareceu óbvio para um nativo digital que sabe que “os jovens não vão aos fóruns de participação tradicional, como uma assembleia municipal”. Tal como não estão tão predispostos a “ler um jornal” ou um “longuíssimo programa eleitoral”. Ou tão pouco interessados “num espaço público muito populado por discussões de quem disse o quê”, em vez de troca de ideias. “Os jovens têm interesse em dar feedback todos os dias. Os municípios e o poder central vão ter o desafio de encontrar formas de falar com eles todos os dias. E o melhor canal para o fazer é o digital.” 

Nuno Moniz não terá discutido esta ideia com Bernardo, mas o investigador e professor convidado da Faculdade de Ciências do Porto também aponta na mesma direcção com a app meuparlamento.pt. “Ao manter as pessoas ligadas de uma maneira consistente e — não quero dizer leve, porque a democracia não é leve — de fácil acesso e mais livre, acho que pode fazer com que as pessoas se interessem mais.”

A plataforma gratuita, que não regista quaisquer dados do utilizador, simula um plenário, transformando as votações num jogo. Foi criada “à volta da ideia da memória”, numa altura em que somos “confrontados com informação de forma muito efémera” e “aquilo que foi decidido há uma semana cai facilmente no esquecimento”. “E isso não é o ideal”, ri-se Nuno, 32 anos. “Acho que os processos democráticos poderiam ser muito mais transparentes. Já existe a tecnologia e os dados estão recolhidos e tratados de tal maneira que seria possível ter um trabalho bastante melhor a nível de transparência. Por exemplo, se quisermos saber como determinado deputado votou, não conseguimos fazê-lo rapidamente. Isso parece-nos uma coisa bastante essencial e básica.”

A maior parte das pessoas que entraram em contacto com a equipa que criou a app tinham “quase a idade dos pais” dos três criadores. Falaram sobre como fazer chegar a meuparlamento.pt a um público mais abrangente, mas não chegaram a uma “resposta óbvia”. "É verdade que este tipo de aplicações muitas vezes tende a ficar fechado num grupo que já está predisposto para as utilizar. E por isso é que tentamos mudar o jogo... literalmente”, ri-se. 

Um estudo de 2015 encomendado pela Presidência da República mostra que mais de 57% dos portugueses entre os 15 e os 24 anos dizem não ter qualquer interesse pela política e apenas 17,3% considera que a democracia funcione bem. Em 2007, a taxa de satisfação era de 33,8%. Carla Malafaia, investigadora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP), afirma que a “postura dos jovens em relação à política é muito mais de curiosidade e vontade de se envolverem do que muitas vezes passa”. “No entanto, eles olham para o mundo da política como um mundo sobretudo adulto”, “distante”, “corrompido” e limitado “a uma elite de jovens” que lhes deixa poucas oportunidades para poderem participar. Quando a eles se dirige, fá-lo muitas vezes de forma paternalista.

Nesta troca de olhares, os jovens são encarados “como cidadãos em construção — e não cidadãos que existem aqui e agora, que se movem e mobilizam e pensam sobre a política, apesar de não se envolverem na política institucional”. “Dito isto, claro que a política formal, nomeadamente o voto, é importante porque vivemos em democracias representativas”, salvaguarda. A boa notícia? As duas formas de participação não se excluem e há provas de que os jovens “não são assim tão afastados” deste lado mais convencional.

“Há muitos que nos dizem, em grupos de discussão focalizada, que querem votar. No entanto, sentem-se extremamente frustrados perante um boletim de voto. Porque não percebem exactamente o que está em causa e não sabem se devem ou não continuar a contribuir para este mundo mais institucional que não os representa e que não os inclui”, explica. 

Chega de “És jovem, não sabes o que dizes”

Carla Malafaia não quer pressionar uma “estrutura já sobrecarregada”, mas não há como fugir ao “papel fulcral da escola” na educação política. Há pelo menos uma década que faz investigação, diz, e ouve sempre o mesmo. Os estudantes querem transformar a escola “num terreno imparcial — claro que isto também denota uma certa ingenuidade da parte dos jovens —, onde poderiam discutir abertamente e aprender política”. “Por oposição à família que lhes diz, à mesa do jantar: ‘És jovem, não sabes o que dizes’.” Os manuais, por exemplo, resumem-se a uma perspectiva histórica e institucional, quando o que os estudantes desejam é principalmente discutir e saber como é que as políticas europeias influenciam as suas vidas, nomeadamente nas áreas da educação, emprego, clima e recursos naturais.

As novas ferramentas digitais, gratuitas, podem ser “interessantes”, até porque partilhar conteúdos sobre política nas redes sociais ou assinar uma petição online são as duas principais formas dos jovens se fazerem ouvir. Mas faz uma salvaguarda: “É preciso ver se este mundo digital não está a criar também divisões em determinados tipos de jovens”. “O que acontece é um ciclo de bola de neve e de reprodução em que os jovens que já estão envolvidos em determinadas redes políticas [um em cada onze entre os 15 e os 30 anos, segundo o Eurobarómetro], são jovens que têm mais acesso a informação sobre formas de participação política”, expõe. “Depois o que acontece é que há determinadas desigualdades que se reproduzem enquanto desigualdades políticas”: em resumo, o quadro político continua pintado de homens, heterossexuais, mais escolarizados, como maiores rendimentos.

Nas europeias de 2014, apenas 19% dos jovens portugueses com idades entre os 18 e os 24 anos foram votar, estima o Eurobarómetro. Para reverter as taxas de abstenção “assustadoras”, em Maio de 2019, Maria Sá Carvalho, 29 anos, juntou-se a um movimento pan-europeu e fez campanha não por um partido, mas pelo voto dos eleitores. Em Portugal, avalia, os resultados poderiam ter sido melhores. “Eu quero ser optimista porque não vale a pena ser pessimista. É mais útil ser optimista, e deixar que isso alimente o nosso esforço e empenho para a mudança, do que nos deixarmos derrotar por resultados que não são os que esperamos.” Há menos 1,5 milhões de jovens hoje do que há 40 anos, em Portugal. “Somos cada vez menos. Portanto é muito importante que não se perca nem um voto desta geração.”