O lago de Bali que só existe no Instagram (e outras ilusões)
O lago no Templo Lempuyang é uma ilusão que continua a enganar turistas. A Fugas falou com duas viajantes portuguesas que revelaram truques como pequenos-almoços falsos e paraísos que afinal são um Inferno.
“As minhas esperanças e sonhos foram destruídos quando descobri que a “água” nos Portões do Céu é na verdade apenas um pedaço de vidro sob um iPhone”. Polina Marinova, da revista Fortune, é uma das muitas pessoas desiludidas por não poderem fotografar um lago, que afinal só existe nas milhares de fotografias partilhadas no Instagram e outras redes sociais.
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“As minhas esperanças e sonhos foram destruídos quando descobri que a “água” nos Portões do Céu é na verdade apenas um pedaço de vidro sob um iPhone”. Polina Marinova, da revista Fortune, é uma das muitas pessoas desiludidas por não poderem fotografar um lago, que afinal só existe nas milhares de fotografias partilhadas no Instagram e outras redes sociais.
Em Karangasem, Bali, não faltam razões para visitar o templo hindu Lempuyang, um dos mais antigos da Indonésia na encosta de uma floresta com o mesmo nome, construído a 600 metros de altitude e com vista privilegiada sobre o vulcão sagrado do Monte Agung. O cenário é apenas um dos muitos do planeta que ao longo dos últimos anos ganharam notoriedade – e filas de turistas – graças ao sucesso no Instagram. Mas muitos são os que ainda ficam defraudados quando se aproximam dos Portões do Céu e se deparam com uma realidade completamente diferente daquela que é gostada e comentada naquela rede social.
“Fui muito cedo para apanhar o nascer do sol”, disse à Fugas a jornalista Susana Ribeiro, que há pouco tempo passou férias em Bali. “Estava a preparar o tripé quando vi um rapaz com um banco e um espelho rectangular. Lembro-me de ter pensado ‘Isto é de génio!'” A 29 de Maio, Susana, autora do projecto Viaje Comigo, contou o episódio na sua conta de Instagram, utilizando uma galeria de seis fotografias para desmontar o esquema. A primeira foto é a “ilusão”. As seguintes revelam o verdadeiro chão, que em milhares de fotos (mais de 44 mil, segundo o hashtag #lempuyangtemple) é substituído pelo reflexo dos “portões” sagrados, criando um efeito mais “instagramável”.
“Levantei-me de madrugada para estar lá ao nascer do sol. Já estavam umas 30 pessoas à minha frente. À medida que o nevoeiro se ia dissipando e mostrando o vulcão (que tem estado activo por estes dias), o entusiasmo de todos ia aumentando”, relata no seu post. “Como estava sozinha, já estava a imaginar onde ia colocar a máquina, programar os segundos e os disparos... e foi quando reparei no homem que pega no telefone de todos e tira fotos... e com a ajuda de um espelho cria esta imagem surreal. E irreal. Decidi pagar-lhe para me fazer o mesmo mas pedi ‘por favor, tira com o espelho, mas também sem espelho, porque quero mostrar a realidade’. Disse que sim e disparou muitas vezes. As fotos ficaram mesmo como eu queria”, escreveu Susana Ribeiro, avessa e “resistente” à edição excessiva do seu registo fotográfico.
No final, fez questão de pagar cinco euros por um trabalho competente. “Ele nem tem um preço fixo. E as pessoas que lá vão acabam por não ligar nada ao templo”, lamenta Susana, que desconhecia a existência do “lago”. Se a “edição malandra de fotografias sempre existiu” e se o efeito “fica realmente incrível” – basta ver a reacção dos seguidores da conta @viajecomigo_susanaribeiro –, Susana defende que, no limite, não se passe a mensagem como verdade. “Mostre-se a verdade também. Muita gente se esquece de mostrar a verdade.”
Na mesma viagem de férias, a jornalista portuguesa passou ao lado dos percursos oficiais pelos locais mais instagramáveis de Bali com paragem obrigatória nos baloiços estrategicamente colocados nos arrozais e nos lagos com peixes constantemente atraídos com pedaços de pão. “É como limpar o lixo que iria aparecer nas fotos. Há quem o limpe antes da foto. Há quem o limpe depois de a tirar com o recurso a uma qualquer app.”
Já agora, e se tem planeada uma viagem a Bali, lembre-se que qualquer aplicação minimamente competente replica o efeito do reflexo do “lago”. Continuará a ser uma foto manipulada. Mas sempre poupará uns euros.
O pequeno-almoço falso
“O Instagram a iludir pessoas desde 2010”, escreveu Gabriela Mateus há dias na sua conta de Instagram depois de se ter deparado com um cenário – literalmente cenário – no terraço de um hotel na Capadócia, Turquia, que ficou famoso graças às invulgares vistas durante um majestoso pequeno-almoço. “Foi ao chegar ao hotel com o pequeno-almoço mais instagramado do planeta que descobri que afinal, apesar de as frutas e de os sumos serem reais, nada daquilo é para comer. Faz apenas parte de um cenário idílico que leva umas boas dezenas de pessoas a esperarem numa fila às 5h da manhã para fazerem uma foto.”
No post seguinte, a portuguesa @gmateus viu-se na obrigação de esclarecer os seus quase 190 mil seguidores, acrescentando alguns pontos. “Percebi que algumas pessoas não entenderam bem o meu post anterior, por isso, gostava de esclarecer que ele é apenas uma nota (nem sequer é uma crítica) sobre o novo turismo, e como as redes sociais, em especial o Instagram, mudaram a forma das pessoas viajar. Muita gente escolhe o destino da viagem por causa das fotos que vê online (o que acho normal), mas algumas chegam ao lugar e não pretendem conhecê-lo de verdade (isto deixa-me triste). Muita gente chegava, fazia a sua melhor pose e ia embora de seguida, sem ficar a apreciar o espectáculo que era o céu salpicado por aqueles 200 balões coloridos.”
De resto, já não foi a primeira vez que Gabriela Mateus aproveitou a plataforma para debater este tipo de ilusões e outros abusos. Exemplo disso mesmo são as hordas de instagrammers que todos os anos invadem os campos de alfazema de Provença, na França. O resultado na rede social é feito de fotos “aveludadas” e paradisíacas em tons de violeta. Mas a realidade de Valensole é “incivilizada”. “Já vi pessoas com tesouras a cortarem ramos para fotografar”, conta à Fugas. “Na loucura de apanhar o melhor ângulo também há quem pise os campos”, acrescenta @gmateus, que relatou a sua experiência através de stories.
Pela primeira vez este ano, as plantações maiores e mais conhecidas começaram a vedar a entrada. Claro que apenas com umas cordinhas e não com vedações eléctricas como está anunciado por todo o lado. A avaliar por algumas placas não tarda muito para que as plantações comecem a querer lucrar com as visitas e comecem a cobrar entradas”.