Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles trouxeram a Cannes um cadáver esquisito
A vontade de ler em tudo o que sai do Brasil uma reacção ao efeito Bolsonaro levará a que se diga que a resistência é o tema de Bacurau, tal como já era o do anterior Aquarius. Mas o espaço deste filme é sobretudo o da fábula e da metáfora.
A palavra surgiu da boca de uma jornalista brasileira: “truqueiro”. Foi mais simples e eloquente, resumindo o que lançáramos com todo um esforço descritivo: que o Kleber Mendonça Filho de Bacurau, filme que co-dirigiu com Juliano Dornelles, seria o realizador que permitiu que a realidade paralela que espreitava em O Som ao Redor, de 2012, e em Aquarius, de 2015 (como uma presença, um pulsar, um hálito sobre as personagens e os bairros do Recife...), tomasse agora totalmente conta do novo filme e fosse a sua única respiração. O realizador permitiu-se uma expressão em inglês quando, na conferência de imprensa desta obra que, para já, faz figura de acontecimento desconcertante da competição da 72.ª edição do Festival de Cannes, descreveu a aventura a dois do projecto que começou em 2009: foi over the top. E agora também em francês, contribuição daqui: parece ter sido uma “folie à deux” em progressão desde que, há dez anos, Kleber e Dornelles estabeleceram o cenário: uma aldeia de uma rua só numa zona remota do Brasil com as suas figuras, vindas do folclore, de uma realidade local e dos livros, material para ser deformado pela lente dos géneros. Desde logo o western, mas foram-se acrescentando a ficção científica e o brasileiro “filme de cangaceiros”. À medida que cada um ia concretizando outros projectos, e Kleber por exemplo montava e terminava O Som ao Redor e Aquarius, os dois encontravam espaço para esta obsessão e para ver e falar de filmes.
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A palavra surgiu da boca de uma jornalista brasileira: “truqueiro”. Foi mais simples e eloquente, resumindo o que lançáramos com todo um esforço descritivo: que o Kleber Mendonça Filho de Bacurau, filme que co-dirigiu com Juliano Dornelles, seria o realizador que permitiu que a realidade paralela que espreitava em O Som ao Redor, de 2012, e em Aquarius, de 2015 (como uma presença, um pulsar, um hálito sobre as personagens e os bairros do Recife...), tomasse agora totalmente conta do novo filme e fosse a sua única respiração. O realizador permitiu-se uma expressão em inglês quando, na conferência de imprensa desta obra que, para já, faz figura de acontecimento desconcertante da competição da 72.ª edição do Festival de Cannes, descreveu a aventura a dois do projecto que começou em 2009: foi over the top. E agora também em francês, contribuição daqui: parece ter sido uma “folie à deux” em progressão desde que, há dez anos, Kleber e Dornelles estabeleceram o cenário: uma aldeia de uma rua só numa zona remota do Brasil com as suas figuras, vindas do folclore, de uma realidade local e dos livros, material para ser deformado pela lente dos géneros. Desde logo o western, mas foram-se acrescentando a ficção científica e o brasileiro “filme de cangaceiros”. À medida que cada um ia concretizando outros projectos, e Kleber por exemplo montava e terminava O Som ao Redor e Aquarius, os dois encontravam espaço para esta obsessão e para ver e falar de filmes.