Menos sacos plásticos, mais vendas avulsas: os hipermercados querem ser mais sustentáveis
Forçados pela regulamentação, pressionados pelos consumidores ou conscientes da própria responsabilidade social e ambiental, os hipermercados a actuar em Portugal têm implementado várias medidas de combate ao uso do plástico descartável e desperdício alimentar. Medidas “podem ser muito positivas se, de facto, houver um esforço para uma mudança de paradigma”, considera ambientalista.
Em 2018, o P3 lançou-te o repto: utilizar a etiqueta #p3_antiplastico para denunciares os piores exemplos do uso do plástico. O resultado incluiu uma série de fotografias de legumes e frutas embalados — desnecessariamente — em plástico, à venda nas grandes empresas retalhistas. Já em 2019, no início de Fevereiro, a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição lançou uma campanha para ensinar a ler a data de validade dos produtos, distribuída pelos estabelecimentos dos associados — nos quais se contam as cadeias Continente (do grupo Sonae, proprietário do PÚBLICO), Os Mosqueteiros, Auchan, Pingo Doce e Lidl. Qual o papel dos hipermercados no combate ao uso de plástico descartável e ao desperdício alimentar? Entre sacos de ráfia, cotonetes de papel e venda de produtos avulsos, há cada vez mais iniciativas sustentáveis disponíveis nas grandes superfícies retalhistas.
A 14 de Março, o Continente tornou-se o “primeiro retalhista português a assinar o pacto internacional do plástico”, o New Plastics Economy Global Commitment da Fundação Ellen MacArthur. Com uma “visão de economia circular para o plástico”, os hipermercados da Sonae comprometeram-se, por exemplo, a eliminar todas as embalagens plásticas “problemáticas ou desnecessárias”, torná-las 100% reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis e aplicar modelos de reutilização para reduzir as embalagens de uso único até 2025.
No retalho, a consciência é geral: “há um problema com a utilização do plástico” e é urgente o “uso racional” desse material. Por isso, e decorrente da lei de 2014, os sacos de plástico disponibilizados passaram a ser cobrados. “Verificou-se uma diminuição significativa do consumo de sacos de plástico e a adopção de novos hábitos por parte do consumidor”, explica, por escrito, fonte da Jerónimo Martins (detentora dos supermercados Pingo Doce), que adoptou, ainda em 2007, esta medida.
Os compradores que procuram soluções mais sustentáveis nos hipermercados “já não são um nicho”. Para Ana Rita Cruz, gestora de sustentabilidade e ambiente da Auchan Retail Portugal, existem dois tipos de clientes: os que “desconfiam quando se coloca novas soluções para a reutilização” e os “mais exigentes, que fazem pedidos e questionam”. Existe “alguma pressão sobre a indústria [retalhista] e sobre os distribuidores para que implementem medidas com vista à redução do plástico e ao combate ao desperdício alimentar”, afirma Martinho Lopes, administrador do Intermarché.
Com alternativas como papel ou ráfia, os sacos disponibilizados nos hipermercados em Portugal têm, no geral, 80% de matéria reciclada e são 100% recicláveis. Ao contrário do Lidl — que anunciou o fim gradual dos sacos de plástico até Dezembro de 2019 —, a Auchan Retail Portugal não vê a eliminação da venda de sacos de plástico como uma medida sustentável. “Quando usamos produtos frescos que estão muitas vezes molhados, o saco acaba por se estragar e não ser reutilizável. Eu diria que acaba por ter um impacto ambiental maior”, afirma ao P3 Ana Rita Cruz. “É fácil dizer: ‘Eu acabei com o plástico aqui'”, acredita Pedro Lago, director de projectos de sustentabilidade e economia circular da Sonae MC. “É preciso estar atento às alternativas criadas”, sublinha — e, em alguns casos, considera, “as alternativas podem ser piores do que a situação original”.
Há, apesar disso, uma “preocupação” na substituição “de plásticos absolutamente desnecessários” que converge com as directivas europeias, especialmente em artigos de utilização única da marca própria. A título de exemplo: o Pingo Doce lançou uma gama de cotonetes com bastão de papel, à semelhança do que o Continente, a Auchan e o Intermarché já haviam feito. Isoladamente, a marca própria da Auchan — que, recentemente, lançou uma campanha de oferta de ecobags nas encomendas online — disponibiliza também palhinhas de papel e artigos de festa (talheres, pratos e copos descartáveis) de “madeira certificada de origem sustentável” e, a par do Continente, colocou à venda escovas de dentes de bambu.
“Alinhado com a preocupação ambiental” surgiu o projecto Eco do Pingo Doce, que permite o reenchimento de garrafas de água em mais de 40 lojas. Em 2018, esta iniciativa “permitiu evitar [a utilização de] cerca de quatro toneladas de embalagens de plásticos descartáveis”.
Nas políticas de sustentabilidade de algumas grandes cadeias há ainda uma aposta no ecodesign das embalagens. Com a redução da espessura das garrafas de água de marca própria, o Continente reduz, por ano, 41 toneladas de plástico. E, nos últimos oito anos, a estratégia de ecodesign em embalagens plásticas, de cartão e de vidro permitiu ao Pingo Doce poupar mais de 17 mil toneladas desses materiais.
Uma economia circular no combate ao desperdício alimentar
Uma gama de compotas e chutneys feitos a partir de excedentes de frutas e legumes, o “panana” — um bolo de banana, “o produto número um do desperdício da marca”, lançado em 2018 — e a bread beer, uma cerveja feita de excedentes de pão, ainda em desenvolvimento são as três iniciativas do Continente, enumeradas por Pedro Lago, que permitem dar “uma segunda vida” a alimentos que perderam o valor comercial, mas estão em “óptimas condições de consumo”. “Numa lógica de economia circular, o objectivo é minimizarmos o desperdício e, sempre que possível, valorizarmos o desperdício inevitável”, refere, em conversa com o P3.
Por isso, assim como os supermercados Auchan, o Continente utiliza etiquetas de cor diferente para alertar o consumidor da aproximação do prazo de validade de produtos “ainda em boas condições de consumo” (cor-de-laranja no caso dos primeiros, cor-de-rosa nos segundos). É também nesta linha de combate ao desperdício que o Pingo Doce incorpora “vegetais feios” e “fruta não calibrada” nas sopas e saladas prontas a comer e nos vegetais prontos a cozinhar. Em 2018, esta medida representou “mais de 13.600 toneladas” de reaproveitamento alimentar.
Com vantagens ambientais, sociais e económicas, a aposta no mercado avulso está, desde 2012, inserida no leque de iniciativas da Auchan, com a venda de cerca de 600 produtos — entre legumes, cereais, chás, sementes e comida para animais — e, “desde sempre”, do Intermarché, com a venda de frutas e legumes a granel. “O cliente leva o que necessita e o produto fica mais barato”, diz Ana Rita Cruz, referindo que, nas lojas Auchan, a embalagem utilizada na compra avulsa é “totalmente de papel”.
Além dos guias de boas práticas alimentares distribuídos pelos colaboradores dos retalhistas, também as doações de produtos alimentares e não-alimentares a associações ou instituições de solidariedade social são estratégias unânimes no combate ao desperdício alimentar dos hipermercados a actuar em Portugal. O Continente — que também disponibiliza, gratuitamente, os alimentos próximos do fim do prazo de validade aos colaboradores — doou um total de produtos com “valor superior a 11 milhões de euros” só em 2018, avança Pedro Lago ao P3. Por sua vez, o Intermarché totalizou doações que contabilizam “mais de 230 mil euros”, enumera Martinho Lopes, administrador do Intermarché, por escrito ao P3.
Ao P3, fonte oficial do grupo Mercadona — o hipermercado espanhol que anunciou a abertura de nove lojas em Portugal, quatro delas ainda em 2019 — avançou que as lojas em território português já incluirão as medidas implementadas recentemente em Espanha no âmbito da política de responsabilidade social da empresa. Além das embalagens feitas de cana-de-açúcar e o bastão de cartão das cotonetes, o Mercadona já assinou um protocolo com o Banco Alimentar do Porto, comprometendo-se a distribuir produtos alimentares, de forma regular, a 300 instituições do distrito.