Segurança e Defesa na Europa
Os compromissos vão passar a ser muito mais exigentes numa UE fragmentada e sem rumo em que a solidariedade deixou de estar em exercício também ao nível da segurança.
A globalização desregulada e o sistema internacional em transição – com novos alinhamentos geopolíticos – tende a ser transformada em nova ordem mundial e criar uma crescente instabilidade no ambiente de segurança. E permite ainda uma maior projecção das novas ameaças difusas e transnacionais que afectam a Segurança Nacional.
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A globalização desregulada e o sistema internacional em transição – com novos alinhamentos geopolíticos – tende a ser transformada em nova ordem mundial e criar uma crescente instabilidade no ambiente de segurança. E permite ainda uma maior projecção das novas ameaças difusas e transnacionais que afectam a Segurança Nacional.
As questões da paz e da segurança, na actual ordem internacional, são hoje mais complexas e não podem ser analisadas utilizando as metodologias tradicionais. A prioridade que a comunidade internacional dá hoje à prevenção dos conflitos e gestão de crises exige políticas direccionadas para o reforço do tecido social e para o melhoramento da governação das sociedades. São exigências urgentes num mundo onde coabita o crescimento económico para uns e as crescentes desigualdades para outros.
As Forças Armadas (FA) têm contribuído de forma indelével para a afirmação e credibilidade externa de Portugal. Têm merecido elogios internacionais pela sua preparação que é notável visando a competência, a responsabilidade e a eficácia. Porém, não se olha para as FA pelo seu perfil institucional ou as suas capacidades que podem ser utilizadas não só na cooperação internacional mas também no país.
As FA são um importante instrumento do Estado de salvaguarda da coesão e soberania nacionais, constituindo a afirmação da credibilidade de Portugal e dos restantes Estados da UE. Espera-se, por isso, que os líderes políticos possam garantir os meios e os recursos necessários existindo a assumpção plena dos custos de soberania e o reforço da coesão e do prestígio das FA.
Os compromissos vão passar a ser muito mais exigentes numa UE fragmentada e sem rumo em que a solidariedade deixou de estar em exercício também ao nível da segurança.
A Europa está rodeada de crises e passou a ser ela própria a crise – produtora de crises como a da Ucrânia, “Brexit” e das migrações – com contradições insanáveis e clivagens na geografia dos povos, que conduz à desconfiança e rejeição do projecto de unidade europeia.
Os líderes autistas das instituições europeias não sabem lidar com as incertezas do mundo de hoje e deviam ter sabido – desde há muito – encarar as FA como importante instrumento da segurança nacional e de uma politica externa com dimensão. Só assim é possível responder às complexas ameaças, que ultrapassam as fronteiras geográficas.
A renovação da arquitectura de defesa da UE constitui uma prioridade, sem condicionar a soberania da intervenção autónoma dos Estados-membros, tendo presente que há um novo sentimento de urgência cujas causas residem na súbita mudança da política externa de Trump com impacto na aliança transatlântica. Na prática, não se muda uma realidade tão complexa como a capacidade militar e a doutrina de defesa de um dia para o outro. E a saída do Reino Unido é a maior machadada nas pretensões europeias neste domínio.
Uma das soluções para que a UE possa contribuir para a produção de segurança global – um actor credível na ordem internacional – passa por se transformar numa UE com maior nível de integração permitindo uma melhor coesão política dos Estados-membros em matérias de segurança e defesa.
Mas sem um Conceito Estratégico – há muito reclamado –, a UE não poderá aspirar a ser uma unidade geopolítica e será impossível os seus Estados-membros alinharem os objectivos (o que pretendem) e vectores estratégicos (para onde pretendem ir) de acordo com os Estados e aquilo que somos, no espaço multicultural europeu, população, recursos e estruturas para avaliar capacidades, potencialidades e vulnerabilidades (ameaças e riscos), tendo em conta o ambiente estratégico prevalecente e previsível.
A Política Comum de Segurança e Defesa foi, recentemente, objecto de importantes alterações estratégicas e operacionais para fazer face aos desafios em matéria de segurança e à insistência dos cidadãos em obter mais respostas por parte da UE.
Portugal tomou em 2017 uma importante decisão no domínio da Segurança e Defesa relacionada com a participação nacional na Cooperação Estruturada Permanente (CEP) – já identificada no Tratado de Lisboa –, a que aderiram 25 Estados-membros. Apenas a Dinamarca, Malta e, naturalmente, a Grã-Bretanha (em processo de abandono da UE) ficam de fora.
A ideia da CEP amadureceu há cerca de um ano a partir de uma iniciativa franco-alemã no contexto de um esforço de relançamento de um projecto europeu em grave crise existencial. Um processo pontuado por momentos políticos dos discursos de Emmanuel Macron defendendo um relançamento da União a partir do eixo franco-alemão, com um destaque específico para a questão da defesa.
Os promotores do projecto garantem que a CEP virá “reforçar o pilar europeu no seio da NATO” – ou seja, que os projectos europeus serão desenvolvidos em estreita coordenação com a aliança e evitando quaisquer redundâncias.
Por ouro lado, a CEP constitui um mecanismo fundamental para “desenvolver capacidades de defesa conjuntas, investir em projectos comuns e melhorar a prontidão e contributo operacional das suas FA” face ao enfraquecimento da Aliança Atlântica. O planeamento, aquisição e operação de meios numa perspectiva cooperativa contribuiria consideravelmente para uma melhor interoperabilidade das FA.
Na reorientação estratégica dos EUA em que a UE deixa de ser prioridade, as ameaças e riscos levam a que a CEP seja urgentemente implementada no curto prazo. O cidadão europeu precisa de entender as razões que justificam novas despesas com a defesa e a segurança e que devem ser encaradas como um investimento. Só deste modo aceitará o esforço financeiro suplementar.
Portugal está comprometido com os critérios a nível da NATO, relativamente ao objectivo de alcançar 2% do PIB nos gastos com a Defesa. Esta decisão no âmbito da UE não se poderá materializar por uma participação simbólica, o que implica acrescidas responsabilidades nacionais, relativamente à concretização das necessidades de financiamento à área da defesa.
Ainda neste enquadramento, a UE quer melhorar a segurança nas fronteiras, combatendo o tráfico de migrantes e proporcionando formas seguras de entrada legal de imigrantes, assegurando que haverá mecanismos de controlo à entrada de jihadistas.
Contudo, existe um impasse particularmente crítico em termos de política de imigração. Com a pressão da conflitualidade e da demografia, só há duas opções: ou escolhemos a imigração que queremos ou somos escolhidos pela imigração que não queremos. Há necessidade premente de criar uma cooperação internacional para gerir os fluxos migratórios, garantir os direitos humanos e estabelecer uma ligação próxima entre a migração e o desenvolvimento em segurança.
A Europa tem, até por dever histórico, de saber lidar com este processo, mas deve ter sempre em conta que o problema nunca se resolverá apenas à sua chegada. É também na origem – com fomento do desenvolvimento dos países subdesenvolvidos de África e Médio Oriente –, sob pena de este potencial explosivo não ajudar quem precisa e prejudicar quem pode ajudar.
A imprevisibilidade e tipo de ameaças transnacionais, as missões e os requisitos de defesa exigem reponderar a estratégia de Segurança e Defesa e proceder a alterações que deviam levar os decisores a concluir ter de orientar mais e melhores meios para as FA.
Exige-se, pois, que o poder político e as estruturas europeias saibam explicar sem mistificações. E assumir que as FA deverão estar equipadas de forma adequada, para cumprimento das missões de salvaguarda dos interesses inalienáveis do País e o seu contributo para a UE, NATO e ONU.