Um ministério falhado
Manuel Heitor pode conhecer a sua área, mas – apesar de muita gente como eu ter confiado nele – falhou como ministro.
Em 2015 assinei com o actual ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, o Livro Negro da Avaliação Científica em Portugal. Dissemos aí que a avaliação dos centros de ciência e tecnologia mandada fazer por Nuno Crato foi um desastre. Quatro anos volvidos, está na altura de um “Livro em Branco” sobre a nova avaliação, porque ela está largamente por fazer. Esperei o suficiente, mas passou quase toda a legislatura sem que uma nova avaliação, uma avaliação decente, tivesse sido concluída (na Matemática e na Física nem sequer há avaliadores conhecidos). A comissão sobre o assunto que o ministro constituiu de início foi uma perda de tempo pois não serviu para nada. Deixar passar quatro anos sem reparar erros monumentais lesa tanto a ciência quanto a errada avaliação anterior.
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Em 2015 assinei com o actual ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, o Livro Negro da Avaliação Científica em Portugal. Dissemos aí que a avaliação dos centros de ciência e tecnologia mandada fazer por Nuno Crato foi um desastre. Quatro anos volvidos, está na altura de um “Livro em Branco” sobre a nova avaliação, porque ela está largamente por fazer. Esperei o suficiente, mas passou quase toda a legislatura sem que uma nova avaliação, uma avaliação decente, tivesse sido concluída (na Matemática e na Física nem sequer há avaliadores conhecidos). A comissão sobre o assunto que o ministro constituiu de início foi uma perda de tempo pois não serviu para nada. Deixar passar quatro anos sem reparar erros monumentais lesa tanto a ciência quanto a errada avaliação anterior.
No emprego científico há também atrasos sobre atrasos. De acordo com os dados do Observatório de Emprego Científico, do próprio ministério, pouco mais de um terço dos contratos anunciados está formalizado. São milhares de investigadores no limbo. O concurso de contratos para investigadores de 2017 só abriu em 2018 e quem o ganhou não está ainda a ser pago, apesar de já estarmos em Março de 2019. No concurso de 2018 só no mês passado fecharam as candidaturas e, se o ritmo continuar, só lá para 2020 é que os vencedores poderão ter a situação resolvida. Sei de bolseiros a quem foi reconhecido o direito a um contrato de trabalho e que ainda estão à espera que a burocracia avance. O Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública tem sido pouco usado para as carreiras docentes e de investigação. Acabou-se com o anterior programa de contratação de investigadores e reduziram-se as bolsas de pós-doutoramento, mas ficou um hiato em que praticamente não houve nada para ninguém. Ora os investigadores não vivem do ar. O ministro mostra uma espantosa insensibilidade para a questão ao falar de “pleno emprego” dos doutorados, apregoando que está tudo bem. Os investigadores sem emprego ou os que emigraram sabem bem que não está.
E há, pasme-se, investigadores seniores ainda precários. Há investigadores que lideram grupos e alunos de doutoramento que têm o desemprego à vista (o caso de Maria Mota deu brado). Os juniores que com eles trabalham até podem descortinar algum futuro, mas eles não. O modelo de investigação montado por José Mariano Gago, um sistema essencialmente desligado do ensino superior, mantém-se, apesar de hoje já não fazer sentido. De facto, as universidades e politécnicos não estão a renovar os seus quadros na medida desejável. E as poucas contratações que fazem continuam a seguir velhas práticas endogâmicas, como nota David Marçal no seu recente livro Cientistas Portugueses (Fundação Francisco Manuel dos Santos).
Por não ter uma estrutura estável, a ciência em Portugal sofre de imprevisibilidade crónica. Não se sabe quando abrem os concursos. E, quando abrem, os atrasos são enormes. Continuam-se a trocar bolsas e contratos precários por mais bolsas e contratos precários. Ainda recentemente ficámos a saber que as bolsas de pós-doutoramento não acabam, ao arrepio do discurso oficial e sem qualquer diálogo com os investigadores. No importante sector da comunicação de ciência a precariedade também é norma. Funções permanentes em museus e centros de ciência continuam a ser desempenhadas por bolseiros, com estranho alheamento do ministro. Em resumo: a ciência ainda é precária entre nós, apesar do percurso que o saudoso Mariano Gago iniciou há mais de 20 anos.
A razão dos problemas é conhecida: não há dinheiro para a ciência. Heitor, como todos os seus colegas do Governo, é Centeno. Contenta-se com o poucochinho que lhe dão: no seu mandato o sector não passou de 1,3% do PIB, quando em 2009 tinha atingido 1,6% e a média europeia é 2,0%. Em particular, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia tem tido um financiamento claramente insuficiente para as necessidades nacionais. Agora que se aproximam as eleições europeias convém lembrar que o PS da “geringonça” não conseguiu, como no tempo de Gago, mobilizar fundos europeus para a ciência. Heitor pode conhecer a sua área, mas – apesar de muita gente como eu ter confiado nele – falhou como ministro.