Adamastor: a luta pelo espaço público
A repetição do mantra da vedação em nome da segurança só nos recorda outros muros erguidos em nome da segurança, sem que nada seja realmente resolvido.
“Nunca, em nenhuma circunstância, o Miradouro de Santa Catarina será um espaço reservado, reservável, privatizado ou privatizável”, garantiu Fernando Medina numa sessão pública sobre o Adamastor na passada semana, admitindo ter errado ao mandar encerrar o espaço há mais de seis meses.
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“Nunca, em nenhuma circunstância, o Miradouro de Santa Catarina será um espaço reservado, reservável, privatizado ou privatizável”, garantiu Fernando Medina numa sessão pública sobre o Adamastor na passada semana, admitindo ter errado ao mandar encerrar o espaço há mais de seis meses.
No entanto, as promessas do presidente da Câmara Municipal de Lisboa entram em contradição com a sua vontade de vedar o Miradouro de Santa Catarina com uma grade metálica. A repetição do mantra da vedação em nome da segurança só nos recorda outros muros erguidos em nome da segurança, sem que nada seja realmente resolvido.
Infelizmente, vedar o espaço público parece ser o modo de Medina projetar a cidade, como se vê também na vedação inicialmente pensada para a polémica praça de contentores que a autarquia quer criar no Martim Moniz.
A vedação do espaço público é sempre uma solução errada, essencialmente por três motivos.
Primeiro, porque as vedações são a resposta fácil aos problemas, sem atacar realmente a raiz da insegurança. No miradouro do Adamastor esta questão foi particularmente clara: segundo a PSP, a insegurança e a venda de droga saíram do miradouro vedado e da rua que lhe dava acesso, tendo sido transferidos para as zonas envolventes. Garantir segurança aos moradores e visitantes é um dever do Estado e sabemos empiricamente a melhor forma de o fazer, com bons exemplos em todo o mundo. Em vez de muros, é necessário investir na dinamização do espaço público, com iniciativas culturais que envolvam a comunidade, com iluminação noturna adequada e policiamento de proximidade.
Segundo, porque uma cidade não é um centro comercial que abre e fecha de acordo com as horas do concessionário do espaço. Na cidade, o espaço público é para ser vivido e não pode ser ocupado apenas por negócios de consumo obrigatório. Foi por isso sem surpresa que centenas de pessoas se manifestaram no Martim Moniz para exigir um jardim contra uma solução inventada por investidores privados. Foi também por isso que Medina foi obrigado a efabular o seu projeto para o Adamastor, perante um auditório descrédulo, cheio de ativistas pelo espaço público.
Terceiro, porque a visão de uma cidade com espaços que se fecham à população contraria o Direito à Cidade. A vivência e acesso aos espaços, sonegado nestes casos, faz parte desse direito coletivo que garante que temos direito ao lugar onde vivemos. Viver e transformar a cidade em conjunto deve sobrepor-se à vontade individual de alguns sobre o usufruto de todos.
“O espaço público é o coração de uma cidade. É sagrado, é o núcleo central numa cidade. Não há uma cidade que viva como cidade que possa pensar em atentar contra o espaço público”, disse Medina na mesma sessão e, por isso, só podemos esperar que a câmara municipal seja coerente e não teime em vedar partes de Lisboa.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico