López Obrador: Um poder hegemónico

López Obrador não é um irmão de Hugo Chávez. Os valores que defende são em grande medida os da “revolução nacional”, que o PRI outrora encarnou. E que estarão ainda enraizados na cultura política mexicana.

A dupla vitória de Andrés Manuel López Obrador (AMLO) nas eleições presidenciais e legislativas de 1 de Julho marcou a maior ruptura política na história do México moderno. Não tanto por significar uma viragem à esquerda, mas por consagrar uma mudança no regime político. AMLO não só foi pessoalmente eleito por uma maioria que lhe concede rara legitimidade como o seu partido, Morena, conquistou uma maioria esmagadora nas duas câmaras do Parlamento. Passa a dispor de uma posição hegemónica na política mexicana.

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A dupla vitória de Andrés Manuel López Obrador (AMLO) nas eleições presidenciais e legislativas de 1 de Julho marcou a maior ruptura política na história do México moderno. Não tanto por significar uma viragem à esquerda, mas por consagrar uma mudança no regime político. AMLO não só foi pessoalmente eleito por uma maioria que lhe concede rara legitimidade como o seu partido, Morena, conquistou uma maioria esmagadora nas duas câmaras do Parlamento. Passa a dispor de uma posição hegemónica na política mexicana.

Não é um fenómeno inédito no México. O Partido Revolucionário Institucional (PRI) governou durante décadas numa situação de hegemonia. Foi, aliás, o partido em que AMLO iniciou a sua carreira. A ele pertence Enrique Peña Nieto, o Presidente que agora se despede. A alternância partidária foi inaugurada com a vitória de Vicente Fox (direita) em 1999 e continuada pela eleição de outro conservador, Felipe Calderón, em 2005.

AMLO leva a sério a ruptura política e não a reduz a uma alternância. Um tema recorrente do seu discurso é a “Quarta Transformação”, ideia que galvanizou os adeptos, que sentiram estar a “fazer história”. Equipara a sua eleição a três momentos históricos: a independência, a guerra entre liberais e conservadores no século XIX (La Reforma) e a “Revolução”, as guerras civis que duraram entre 1910 e o fim dos anos 1920, de onde resultou a hegemonia do PRI.

O que AMLO, aparentemente, se propõe é transformar o seu mandato na inauguração de um novo regime. Para isso, deverá consolidar o seu poder, a nível federal e a nível dos estados. Se a tradição funcionar, é de prever uma migração de políticos de outros quadrantes para o carro do vencedor.

“Só os historiadores futuros poderão determinar se o governo de López Obrador será uma grande transformação ou uma franca decepção. Que o próximo Presidente o apregoe de antemão parece um gesto de arrogância”, observou à BBC o jornalista mexicano Sergio Sarmiento.

As pragas do México

AMLO tem pela frente um temível inimigo: as “pragas do México”. São desafios imensos: a começar pela violência, pelo tráfico de droga, pela “democratização da corrupção” e pelas migrações – incluindo o quebra-cabeças das caravanas vindas da América Central – e a acabar na impunidade do crime e na ineficácia das polícias e do poder judicial. Ineficácia é um eufemismo: em muitos casos, as polícias estão ligadas aos “cartéis” do crime.

A “militarização” do combate ao tráfico foi um erro trágico. Escreveu há meses o historiador Enrique Krauze: “Hoje, é uma complexa guerra civil com fogos cruzados e instáveis entre os grupos do crime organizado e do narcotráfico e as forças do governo federal e dos estados. (…) A violência dos sicários e da polícia não poupa a população civil. O Estado foi infiltrado e contaminado.” É este “México real” que aguarda López Obrador. Até agora, ele tem manifestado flutuações na política sobre a violência.

Populismos

Assinala o analista venezuelano Moisés Naím que AMLO e Bolsonaro são um sintoma do mundo actual. Aparentemente, desde as origens à sua postura política, tudo os distingue. Um assume-se como esquerda, outro é de extrema-direita. AMLO denuncia o neoliberalismo, Bolsonaro promete adoptá-lo. “[Mas] ambos chegaram ao poder graças a tendências globais que estão rompendo com a política e com os políticos tradicionais por toda a parte.” Ambos foram candidatos anti-sistema. “É o que é preciso fazer para ganhar eleições nos tempos que correm.”

A AMLO não falta carisma nem sequer uma “vocação messiânica” que converte os adeptos. É no entanto necessário fazer uma observação. López Obrador não é um irmão de Hugo Chávez. Os valores que defende são em grande medida os da “revolução nacional”, que o PRI outrora encarnou. E que estarão ainda enraizados na cultura política mexicana. O PRI é hoje um partido em declínio e o Morena o candidato a ocupar o seu espaço.

AMLO tem ambições históricas e gerou incomensuráveis expectativas. Falta, agora, o confronto com “a realidade”. Aguarda-se, com nervosismo, o seu discurso de tomada de posse.