Portugal pede à UE mais dois anos para cumprir metas nos resíduos urbanos
Nova versão do plano estratégico para o sector prevê um aumento para mais do dobro das taxas de resíduos, para evitar recurso ao aterro e incentivar a reciclagem.
A dois anos do final de 2020, é certo que Portugal vai falhar as metas nacionais para a prevenção e gestão de resíduos urbanos, mas vai pedir à União Europeia (UE) mais dois anos para as cumprir. O último relatório da Agência Portuguesa do Ambiente, sobre 2017, mostra níveis de deposição em aterro ainda elevados (e a aumentar) e uma estagnação na reciclagem. Más notícias a que o Governo responde, na revisão do plano estratégico para o sector que será esta segunda-feira apresentada, com o anúncio de um “agravamento significativo”, para mais do dobro, da Taxa de Gestão de Resíduos, e outras medidas que visam incentivar, nos municípios, empresas do sector e entre os cidadãos, uma mudança de comportamentos.
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A dois anos do final de 2020, é certo que Portugal vai falhar as metas nacionais para a prevenção e gestão de resíduos urbanos, mas vai pedir à União Europeia (UE) mais dois anos para as cumprir. O último relatório da Agência Portuguesa do Ambiente, sobre 2017, mostra níveis de deposição em aterro ainda elevados (e a aumentar) e uma estagnação na reciclagem. Más notícias a que o Governo responde, na revisão do plano estratégico para o sector que será esta segunda-feira apresentada, com o anúncio de um “agravamento significativo”, para mais do dobro, da Taxa de Gestão de Resíduos, e outras medidas que visam incentivar, nos municípios, empresas do sector e entre os cidadãos, uma mudança de comportamentos.
O secretário de Estado do Ambiente assume, sem rodeios que, apesar de haver cinco zonas do país que já alcançaram os objectivos estabelecidos para 2020, Portugal, como um todo, vai falhar as metas de produção de resíduos, de redução do "lixo" enviado para aterro, e de reciclagem. Carlos Martins considera que uma parte do problema radica no comportamento dos cidadãos e na ineficiência de alguns sistemas de gestão de resíduos, mas responsabiliza também por este falhanço o facto de o sector ter estado dois anos impedido de receber apoios comunitários do POSEUR (Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos), por causa de uma queixa apresentada à UE por várias empresas privadas que se sentiam no direito a aceder, como as entidades que gerem equipamentos públicos, a esses fundos.
A UE deu razão ao Estado Português, mas o atraso condicionou investimentos. E por isso Carlos Martins vai tentar, já no início desta semana, voltar a sensibilizar a Comissão para esta questão, esperando que o país seja autorizado a provar, até 2022, que cumpre as metas de 2020. Em contrapartida, Portugal compromete-se a aumentar os esforços para diminuir os resíduos produzidos, o que tem sido impossível, em anos de crescimento económico, e, principalmente, para aumentar para 50% a percentagem do “lixo” que segue para reciclagem. O terceiro objectivo passa por reduzir para 35% a percentagem de resíduos depositados em aterro, e a versão actualizada do Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU) vai penalizar fortemente esta opção.
Actualmente os municípios pagam quase nove euros por tonelada de resíduos enviados para aterro. A partir de 2020, e em linha com as recomendações da UE e dos ambientalistas, esse valor poderá chegar perto dos 20 euros, em vez dos 11 previstos na primeira versão do PERSU.
Carlos Martins explica que este “agravamento significativo” não entra já em vigor para permitir, neste interregno, que os agentes do sector — câmaras e empresas de gestão de resíduos, nomeadamente — tomem as decisões de investimento necessárias para evitar este sobrecusto, já com acesso a linhas de financiamento como aquela que o POSEUR abriu para projectos de recolha selectiva. Neste momento há 40 milhões disponíveis para iniciativas municipais, que podem receber entre um milhão (concelhos entre 50 mil e cem mil habitantes) e 1,5 milhões de euros (para mais de cem mil habitantes).
A piorar desde a troika
Há muito que os ambientalistas denunciam a ineficiência do sistema de ecopontos, e a própria UE, no seu último relatório intercalar, insistia na necessidade de aposta na recolha selectiva porta-a-porta. O actual sistema, em que uma parte importante do lixo indiferenciado enviado pelas câmaras para os 23 Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos passa por unidades de tratamento mecânico, ou mecânico e biológico (TMB), para aproveitamento da sua fracção valorizável (com separação de recicláveis e aproveitamento de resíduos compostáveis) tem-se revelado um fracasso. Os dados mostram que em Portugal continental, 32% do lixo vai directo para aterro mas que parte substancial dos resíduos que passam por processos de TMB não é reaproveitada, acabando também enterrada. O que explica que a taxa de recurso ao aterro esteja nos 55%, em Portugal continental, longe do objectivo para 2020.
Para além de uma melhoria das unidades de TMB, a inversão desta trajectória passa, obviamente, por fazer com que os resíduos cheguem já separados às empresas que os gerem, o que implica levar o processo para dentro da casa dos cidadãos. E Carlos Martins garante que vai haver também uma aposta na comunicação, para sensibilizar os portugueses para esta mudança na forma de tratar um desperdício a que vamos deixando de chamar lixo, tendo em conta as possibilidades de o reutilizar, como acontece com o papel e as embalagens, de o incorporar noutras matérias-primas, como no caso dos detritos de construção civil, de o transformar em composto orgânico ou biocombustível, no caso da fracção orgânica, ou de o transformar em energia, por via da incineração.
O novo PERSU traz também algumas novidades quanto a este último método, largamente utilizado pelos dois maiores sistemas de gestão do Continente, a Valorsul e a Lipor, para se livrarem de grande parte do lixo que recebem, gerando uma receita por via da injecção desta energia “verde”, vendida por isso a um preço majorado, na rede eléctrica nacional. O Governo tem sido acusado pela Zero de desincentivar a reciclagem, ao bonificar esta forma de produção de electricidade e, ao mesmo tempo que admite a instalação, no Norte do país, de uma linha para queima de mais 200 mil toneladas/ano, assume passar a associar a bonificação ao cumprimento de metas de recolha selectiva por parte das empresas que detêm as centrais de valorização energética.
Olhando para os dados da última década, parece certo que há uma meta (quase) impossível de atingir, seja em 2020, ou 2022: a redução dos resíduos produzidos anualmente por habitante para valores pelo menos 10% abaixo dos de 2012. Isso implica uma redução de 18,6%, face a 2017. Mas Portugal não consegue dissociar o crescimento económico de um aumento do consumo e, por via deste, do “lixo”, o que explica que só nos anos da troika esse indicador tenha tido, por via da quebra de rendimentos, um comportamento positivo, voltando, desde 2014, a piorar. Portugal passou em 2017 a ter uma capitação anual acima da média europeia, mas Carlos Martins considera que a meta imposta a Portugal foi demasiado ambiciosa, quando comparada com a de outros parceiros.
A actualização do PERSU avança menos do que os ambientalistas desejariam no incentivo aos sistemas de PAYT - Pay As You Throw, expressão em inglês para opções de pagamento em função dos resíduos produzidos, que estão a ser testados em alguns locais. A Secretaria de Estado aposta noutro tipo de medidas, e faz um apelo à criatividade dos municípios, para se encontrarem formas eficientes e economicamente sustentáveis de induzir, nos cidadãos, consumos mais responsáveis, que provoquem menor produção de lixo. Os cidadãos têm sido chamados a envolverem-se em projectos relacionados com a reciclagem. Há quem esteja a dar descontos na factura da água a quem deposite cartão e outros recicláveis nos ecocentros, mas as experiências abrangem pouca gente e estão, ainda, pouco disseminadas.