O manguito do Silvano
José Silvano foi apanhado a falsear o seu registo de assiduidade no Parlamento. A forma como reagiu tem a clareza do famoso manguito do Zé Povinho: queres ética? Toma!
A atitude do secretário-geral do PSD face à exposição das suas falhas éticas é um exemplo de abuso triunfante. Face à revelação de que José Silvano assinou a presença no plenário da Assembleia da República quando estava claramente fora do Parlamento, o presidente da AR, Ferro Rodrigues, pediu aos serviços a explicação óbvia, que lhe foi dada: alguém registou a presença de Silvano no plenário, usando para isso a password “pessoal e intransmissível” do deputado.
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A atitude do secretário-geral do PSD face à exposição das suas falhas éticas é um exemplo de abuso triunfante. Face à revelação de que José Silvano assinou a presença no plenário da Assembleia da República quando estava claramente fora do Parlamento, o presidente da AR, Ferro Rodrigues, pediu aos serviços a explicação óbvia, que lhe foi dada: alguém registou a presença de Silvano no plenário, usando para isso a password “pessoal e intransmissível” do deputado.
De posse desta informação, Ferro Rodrigues encolheu os ombros e passou-a ao próprio deputado e ao seu grupo parlamentar, “para os efeitos que considerem adequados”. Rui Rio reduziu o caso a uma “pequena questiúncula” que não se compara com a grandeza do programa salvador que o PSD está a preparar para o país – e que seguramente justifica que o contribuinte mantenha José Silvano com o taxímetro ligado.
Pressionado pela imprensa, o próprio deputado tentou desviar para canto, emitindo um comunicado em que argumenta ter direito ao subsídio de presença nos plenários a que faltou porque já lá tinha ido de manhã picar o ponto. Explicou que estas manigâncias todos fazem mas, magnânimo, pediu ao Parlamento que lhe marcasse falta para arrumar a questão. Mas afinal quem marcou presença por ele, e a pedido de quem? Instado pelos jornalistas, José Silvano calou-se: "Não quero esclarecer. Não vou dizer mais nada." Acrescentou apenas estar de consciência tranquila – frase lapidar que será certamente inscrita na tumba dos nossos mais zelosos políticos.
O facto de a conduta de José Silvano ter o apoio explícito de Rui Rio e o apoio implícito de Ferro Rodrigues, que se escusou a agir, revela um problema mais sério: os vícios de Silvano são os do Parlamento, são os dos partidos, são os da classe política. E se dúvidas houvesse, o próprio deputado as esclareceu. Esta quarta-feira, no pico da polémica sobre as suas presenças fantasma, eis o que fez, à vista dos seus colegas, dos funcionários do Parlamento e de toda a imprensa: entrou na reunião da Comissão para a Transparência, assinou o registo de presenças, voltou as costas e foi-se embora. O que estava na agenda da reunião: a adopção de um Código de Conduta para os deputados. Há ironias que não se inventam.
Este gesto não é inocente. Face às críticas de quem pretendia ver José Silvano corrigir o seu comportamento, José Silvano veio corrigir-nos a nós. Ao reincidir em público e debaixo dos holofotes, triunfante, o secretário-geral do PSD deixa claro que a regra é mesmo esta: a manigância, o jeitinho e a vantagem particular, acobertados pelo silêncio da irmandade. Quem está enganado é quem espera outra coisa. Aqui chegados, todos temos de nos definir. A Procuradoria-Geral da República já anunciou estar a avaliar a eventual prática de crimes na falsificação dos registos parlamentares. Resta saber o que fará o Parlamento: ou repudia este tipo de práticas – venham de quem vierem – ou dá-lhes caução. Se as caucionar, o tal Código de Conduta que estava na agenda da Comissão para a Transparência não passará de outro sarcástico manguito, à Silvano, endereçado a quem exige um mínimo de transparência e ética na política.