Défice de 0,2% já assume que 590 milhões nunca serão descativados

Despesa está prevista nos mapas do orçamento entregue no parlamento e, caso se viesse a concretizar, o défice seria de 0,5% em vez dos 0,2% previstos pelo Governo. Alerta é feito pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental.

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Mário Centeno, ministro das Finanças, vai estar nesta terça-feira no Parlamento para explicar o OE para 2019 aos deputados Rui Gaudêncio

Seguindo uma prática já usada em orçamentos anteriores, o Governo está, no cálculo da meta de défice para o próximo ano, a assumir logo à partida que não irá descongelar uma parte substancial das cativações que estão previstas na proposta de OE entregue no parlamento. Em causa estão 590 milhões de euros que, caso viessem a ser descongelados, poderiam, num cenário em que tudo o resto se mantivesse igual, conduzir a um défice de 0,5% em vez dos 0,2% que são apresentados como meta para o próximo ano.

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Seguindo uma prática já usada em orçamentos anteriores, o Governo está, no cálculo da meta de défice para o próximo ano, a assumir logo à partida que não irá descongelar uma parte substancial das cativações que estão previstas na proposta de OE entregue no parlamento. Em causa estão 590 milhões de euros que, caso viessem a ser descongelados, poderiam, num cenário em que tudo o resto se mantivesse igual, conduzir a um défice de 0,5% em vez dos 0,2% que são apresentados como meta para o próximo ano.

O alerta partiu da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), que no seu relatório preliminar de análise ao Orçamento do Estado (OE) para 2019 enviado na semana passada à Assembleia da República alerta que "a assunção de valores diferentes para o saldo global nos documentos de política do Ministérios das Finanças (relatório e projecto de plano orçamental) indicia a disposição política de executar menos 590 milhões de euros do que o orçamento ora proposto à Assembleia da República”.

“O indício de sobre-orçamentação contraria o princípio da transparência. O documento em apreciação na Assembleia da República não reflecte nem especifica as poupanças que o Governo pretende realizar em sede de execução e este facto inibirá a avaliação precisa da evolução da execução orçamental”, acrescentam os técnicos que têm como tarefa apoiar os deputados na análise das questões orçamentais.

A UTAO calcula que há "uma discrepância de 590 milhões de euros, ou 0,3% do PIB, entre o valor que o Ministério das Finanças atribui ao saldo orçamental e o valor que a UTAO apura para a mesma variável com base nos mapas da proposta de lei e nos ajustamentos efectuados pelo Ministério das Finanças na passagem de saldos da contabilidade pública à contabilidade nacional”.

Em causa, como confirma o Ministério das Finanças nas respostas dadas a diversos meios de comunicação social, estão os valores de parte das cativações (relativos aos consumos intermédios) que, embora surjam incluídos na despesa nos mapas orçamentais que serão levados a votação no parlamento, são retirados no relatório quando se apresentam os valores em contabilidade nacional e se calcula o défice de 0,2%.

As despesas cativadas são verbas previstas nos orçamentos dos serviços, mas que apenas podem ser efectivamente realizadas após autorização expressa do ministro das Finanças.

Efeitos orçamentais

As Finanças assinalam ainda que a contabilização imediata na meta do défice do não descongelamento de parte das cativações é uma prática habitual nos orçamentos. "O ajustamento feito em 2019 é igual ao que foi feito em 2018, e semelhante ao que tem sido prática em todos os Orçamentos do Estado”, refere um comunicado enviado já esta terça-feira pelo Ministério das Finanças.

No momento de apresentação da proposta de orçamento para 2017, também tinha sido assinalado, após alerta da UTAO, que a meta do défice apresentada pelo Governo assumia que 516 milhões de euros de cativações nunca seriam descongelados. No final desse ano, as verbas que ficaram por descativar até foram superiores a esse montante. 

Para além desta questão, os técnicos da UTAO apontam ainda problemas na forma como algumas medidas temporárias são consideradas pelo Governo no OE 2019. A UTAO diz que foram “encontradas divergências no apuramento pontual de algumas medidas, o que coloca reservas quanto ao [seu] efeito orçamental”. Na prática, o Governo considera um conjunto de medidas como sendo temporárias, enquanto a UTAO considera que algumas delas dizem respeito a despesas de investimento (prevenção de incêndios) ou não decorrem directamente do apoio excepcional ao sector financeiros (compensação dos lesados do BES).

Neste caso, a diferença na classificação das despesa tem um impacto significativo no valor encontrado para o défice estrutural. Também a Comissão Europeia revela ter divergências com o Governo a este nível, apontando para uma redução do défice estrutural de apenas 0,2 pontos percentuais em 2019, enquanto o OE apresenta uma redução de 0,3 pontos percentuais.

Para a UTAO, incluindo os dois problemas identificados, pode-se estar mesmo perante um cenário de não alteração do défice estrutural, o que colocaria o orçamento português ainda mais longe da exigência de Bruxelas de redução anual de 0,6 pontos.