Não há “geringonça” à espanhola mas Sánchez já tem companhia

O apoio do Podemos será fundamental para o Governo conseguir aprovar o orçamento, mas este não é “um pacto de legislatura propriamente dito”.

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O jornal El País chama-lhe “esta espécie de co-governo” e admite, em editorial, que o acordo orçamental alcançado pelo Governo de Pedro Sánchez com a coligação Unidos Podemos “tem um valor político inegável”. No diário online infoLibre, o colunista Luis Arroyo proclama “Por fim, política!”.

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O jornal El País chama-lhe “esta espécie de co-governo” e admite, em editorial, que o acordo orçamental alcançado pelo Governo de Pedro Sánchez com a coligação Unidos Podemos “tem um valor político inegável”. No diário online infoLibre, o colunista Luis Arroyo proclama “Por fim, política!”.

Para além do conteúdo, que assinala em definitivo o fim da era da austeridade liderada pela direita, com os sete anos de Mariano Rajoy (PP) no poder, a assinatura do documento, na quinta-feira, foi encenada como se de um acordo de apoio governamental se tratasse. E Pablo Iglesias, líder do Podemos (e da aliança deste com a Esquerda Unida), não deixou de afirmar isso mesmo: “O acordo é um ponto de partida para uma nova etapa económica espanhola, que creio acabará com um Governo de coligação”.

Já não se trata só de garantir o apoio a Sánchez para que este termine a actual legislatura e governe durante mais ano e meio – Iglesias já pensa na próxima legislatura. Mas, ao mesmo tempo, quis deixar claro que este não é “um pacto de legislatura propriamente dito”, pelo que não garante o apoio incondicional do Podemos noutras votações.

Sánchez chegou ao poder no início de Junho, depois de conseguir reunir apoios para fazer aprovar uma moção de censura contra Rajoy (que governava em minoria apoiado pelo partido da direita liberal Cidadãos). O pretexto, as condenações de vários dirigentes do Partido Popular (e do próprio PP), no processo Gürtel, uma gigantesca rede de corrupção, facilitava a negociação. Mesmo as formações que mais se distanciam do PSOE podiam votar ao seu lado sem receio de grandes consequências junto do eleitorado. Afinal, todos são em princípio contra a corrupção.

Tratou-se de um caso claro de união face a um inimigo comum: o Podemos não podia deixar escapar a hipótese de derrubar um executivo com políticas tão diferentes das que defende; para os restantes partidos, dos nacionalistas bascos aos independentistas catalães, tudo seria melhor do que Rajoy, principalmente depois da forma autoritária com que este geriu a crise catalã provocada pelo referendo ilegal sobre a independência.

Contas feitas, Sánchez precisava de unir mais do que os 169 deputados do PP (134) e do C’s, de Albert Rivera (32), somados aos três de quem sempre vota com este bloco (dois da UNP, um do Foro Asturias). Chegou aos 180 a favor (num Congresso de 350), teve uma abstenção e os tais 169 votos contra.

Ou seja, a 1 de Junho, o líder socialista conseguiu juntar praticamente todos os votos à sua disposição, divididos por 18 partidos: o dos seus 77 deputados, mais os 48 do podemos, os oito da ERC (Esquerda Republicana da Catalunha), os oito do PDeCAT (coligação formada pelo ex-presidente catalão, Carles Puigdemont), os sete do Partido Socialista da Catalunha, os seis do Partido Comunista de Espanha e os cinco dos nacionalistas bascos (PNV), para além dos 21 que somam todas as restantes pequenas bancadas.

Pensando na chamada “geringonça” portuguesa, em que o executivo socialista de António Costa conta com o apoio parlamentar dos eleitos pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda (soma que lhe permite governar mesmo que nas urnas tenha ficado atrás da PaF, coligação PSD/CDS), apetece dizer que o primeiro-ministro português teve tarefa fácil – para conseguir um apoio de Governo estável, Sánchez teria de reunir muito mais apoios, de formações muitíssimo diversas e, em alguns casos, com interesses mais regionais do que nacionais.

Tantas diferenças

Não só Espanha é um Estado plurinacional, como o actual quadro partidário dos dois países não tem comparação. Ainda que Iglesias pisque o olho a uma futura coligação, é pouco provável que esteja a pensar ser parceiro secundário: o partido que nasceu do movimento dos indignados e foi fundado no início de 2014 disputa abertamente a hegemonia da esquerda espanhola, querendo substituir o PSOE na sua liderança e governar.

Espanha não passou a ter uma “geringonça” (apesar dos habituais comentários a propósito nos encontros entre Costa e Sánchez), mas isso não retira peso ao acordo. O pacto significa que o primeiro-ministro espanhol deixou de estar sozinho e isso fortalece-o, mesmo que não consiga fazer aprovar o orçamento agora anunciado (e que ainda terá de passar pelo crivo de Bruxelas antes de ser debatido no Congresso). E mesmo que a companhia seja a de Iglesias, que “considera o PSOE cúmplice dos abusos da casta e que o PSOE sempre temeu e desprezou por temer que venha a substituí-lo”, resume Arroyo.

Aliás, a fotografia dos sorridentes líderes e o aperto de mão de quinta-feira seriam considerados impossíveis ainda em 2015, depois das legislativas, quando Sánchez foi derrubado da liderança do PSOE por ousar admitir um governo de coligação com o Podemos ou pelo menos com o apoio deste para impedir o PP de continuar a governar. Na altura, com as votações no PP, C’s, PSOE e Podemos muito aproximadas, os espanhóis foram chamados de novo às urnas – o resultado foi idêntico, mas à segunda Rajoy admitiu ficar em minoria, apoiado pelo C’s.

Sánchez já não está sozinho na fotografia e também tem companhia no esforço para convencer outros partidos a apoiar este orçamento: o Podemos será essencial nesta empresa de difícil sucesso, principalmente agora que ERC e PDeCAT se desentenderam e perderam a maioria no parlamento catalão, o que aumentou o valor dos oito deputados da aliança de esquerda CatComú na assembleia autonómica.

Esta coligação do Podemos catalão com a plataforma da autarca de Barcelona, Ada Colau, pode ser instrumental para negociar um eventual apoio de um dos partidos independentistas com representação nacional, provavelmente o da ERC, já que o partido de Puigdemont está cada vez mais intransigente e recusa exigir em troca dos seus votos menos do que um referendo negociado que coloque a questão da independência aos catalães.

Quando Sánchez registou a moção de censura ao Governo, na última semana de Maio, poucos acreditaram no seu sucesso. O caminho para aprovar o orçamento ou continuar a governar sem ir a votos parece tortuoso, mas não há mesmo impossíveis em política. Só que nem todas as soluções atípicas ou inéditas se chamam “geringonça”.