Comissão Europeia põe em causa números da reciclagem em Portugal
Relatório de avaliação coloca o país em risco de falhar metas para 2020 e propõe mais investimentos na recolha selectiva porta-a-porta.
A Comissão Europeia colocou Portugal numa lista de 14 países que estão em risco de não conseguir alcançar, em 2020, a meta de reciclagem de 50% dos resíduos domésticos. O porta-voz da associação ambientalista Zero para esta área já não tem dúvidas de que o país falhará esse objectivo, contrariando o optimismo do Governo. A tutela assume alguns problemas mas encara com optimismo os dois anos que ainda faltam, não comentando, contudo, o facto de o relatório emitido no final de Setembro instar o país a mudar a forma de cálculo do contributo dos sistemas de gestão de resíduos para o total da reciclagem.
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A Comissão Europeia colocou Portugal numa lista de 14 países que estão em risco de não conseguir alcançar, em 2020, a meta de reciclagem de 50% dos resíduos domésticos. O porta-voz da associação ambientalista Zero para esta área já não tem dúvidas de que o país falhará esse objectivo, contrariando o optimismo do Governo. A tutela assume alguns problemas mas encara com optimismo os dois anos que ainda faltam, não comentando, contudo, o facto de o relatório emitido no final de Setembro instar o país a mudar a forma de cálculo do contributo dos sistemas de gestão de resíduos para o total da reciclagem.
O tema foi alvo de acesa polémica no início do ano, quando a Zero, pela voz de Rui Berkemeier, denunciou uma “grosseira manipulação” nos dados reportados pela Agência Portuguesa do Ambiente, que apontavam, para 2017, uma taxa de reciclagem de 38% dos resíduos, uma taxa exactamente igual à do ano anterior. Para a Zero, os números estão empolados, porque se referem aos resíduos que entram nos vários sistemas (como a Valorsul ou a Lipor, entre outros), para preparação para reciclagem, e não os que seguem, depois, esse destino.
Ora, insiste a Zero, os dados dos mesmos sistemas de gestão de resíduos mostram que parte do “lixo” que dá entrada tendo por finalidade a reutilização e reciclagem acaba em aterro, provocando um desvio de cerca de oito pontos percentuais entre o valor indicado no Relatório do Estado do Ambiente para a reciclagem de resíduos, 38%, e a taxa efectiva, que para aquela associação ronda os 30%, ou seja, mais afastada ainda da meta de 50% estabelecida pelos países europeus para 2020. “Não estamos a ver como vai o nosso país, no tempo que falta, quase duplicar a sua capacidade de reciclagem”, insiste Berkemeier.
Entre 2016 e 2017, o ponteiro da reciclagem estagnou, segundo o Relatório do Estado do Ambiente. Mas aos 38% reportados nesse documento, também em 2016, a Comissão contrapõe, no alerta enviado a Portugal no final de Setembro, um valor de 31% (dados do Eurostat), mais próximo dos cálculos da Zero, e mais longe, por isso, do objectivo. Que em Portugal é calculado usando uma das fórmulas possíveis, mas menos exigente, nota Rui Berkemeier, explicando que a taxa é o resultado do total de resíduos reciclados a dividir pelo total de lixo reciclável.
E o problema maior, antecipa o porta-voz da Zero, vai ser depois de 2020, em que os países europeus terão de fazer as contas a partir do total de resíduos urbanos produzidos, para reciclar, em 2025, 55% desse lixo, antes de alcançar os 65% em 2030.
“Manipulação grosseira”
A Zero não chegou a concretizar a ameaça de queixa à Comissão Europeia, por causa da referida “manipulação grosseira” dos números, que o Governo contestou na altura. Mas Berkemeier mostra-se satisfeito pelo respaldo que o mais recente relatório dá às criticas que fez no início do ano, ainda que sem a mesma contundência. A primeira recomendação de Bruxelas a Portugal, face ao risco de o país falhar as metas de 2020, é uma “revisão dos cálculos que estão neste momento a ser usados para determinar o contributo para os objectivos que se assume vir das unidades de TMB [tratamento mecânico e biológico]”.
Aliás, a Comissão pede que se verifique se as projecções de performance das unidades de TMB existentes nos vários sistemas de gestão de resíduos “são realísticas”, e solicita uma revisão das políticas de encorajamento da recolha selectiva, de modo a perceber-se se elas serão suficientes para atingir o objectivo. E a isto acrescenta uma proposta de avaliação das taxas de gestão de resíduos (TGR) praticadas actualmente (a aplicar por tonelada de lixo depositada em aterro ou entregue para incineração), para ver “se são altas o suficiente para servir como incentivo à introdução de sistemas de recolha selectiva”. Dependendo dos resultados, uma revisão das taxas pode vir a ter de ser considerada com urgência, defende a Comissão.
Neste aspecto, a posição da Zero, do Governo e das empresas do sector não podia ser mais divergente. Os ambientalistas, em linha com este relatório, nota Berkemeier, pedem uma maior penalização do envio de lixo para queima – que, dada a componente de valorização energética, paga 2,2 euros por tonelada, um quarto dos 8,8 euros/ton de TGR estabelecida para o ano em curso, e aplicável para a deposição em aterro. E contestam o preço bonificado a que é comprada a energia produzida nas centrais de incineração. Em contrapartida, vários sistemas de gestão de resíduos – e entre eles os dois maiores, a Lipor e a Valorsul – apostam nestas unidades, recusando que a valorização energética atrase o cumprimento das metas de reciclagem.
Todo o discurso do relatório de alerta da Comissão vai, contudo, no sentido da necessidade de incrementar a separação na origem – em casa – e a recolha selectiva, bem como para um aumento das responsabilidades dos produtores de embalagens. No primeiro caso, a Zero insiste nas críticas ao actual sistema, baseado nos ecopontos, e aponta o caminho para a recolha porta-a-porta, que está a ser alargado, em várias zonas urbanas do pais, precisamente para garantir, nesta recta final, o cumprimento das metas. Já em relação ao segundo aspecto, Berkemeier relembra contas feitas no ano passado, em que denunciara a existência de 500 mil toneladas de embalagens que não tinham pago, em 2016, a taxa de reciclagem a que cada produtor está obrigado, para financiar o circuito de reaproveitamento destes materiais.
De fora desta lista de recomendações ficou a adopção de medidas que responsabilizem os cidadãos/consumidores pelo destino a dar aos resíduos que produzem. Em Portugal, a Lipor, por exemplo, desenvolveu uma experiência-piloto de PAYT (Pay As You Throw, ou pague consoante o que deita fora) numa área restrita do concelho da Maia – o concelho campeão da reciclagem na região –, permitindo que três mil munícipes paguem apenas pelo lixo indiferenciado que efectivamente produzem.
Esta experiência, que merece um apoio generalizado, tarda em ser alargada a mais habitações da região e a outros sistemas e cidades do país, não permitindo, desta forma, que se desligue do consumo de água a taxa paga pelos cidadãos para o tratamento de resíduos, nem que se valorize, na factura mensal, os comportamentos mais amigos do ambiente. No entanto, os ecopontos domésticos que a Lipor está a entregar em várias zonas urbanas da região já vêm equipados com um chip, permitindo, no futuro, a adopção deste tipo de incentivos. Que, com outras medidas, nota Rui Berkemeier, podem ajudar Portugal a sair do grupo de países em risco de falhar as metas para o sector.