Com um novo movimento, uma figura divisiva quer unir a esquerda na Alemanha

Sahra Wagenknecht apresentou o novo movimento Aufstehen (De Pé) em Berlim. "Estou farta de deixar a rua livre à direita", declarou.

Foto
Sahra Wagenknecht declarou que não quer fazer muito tempo política de oposição ALEXANDER BECHER/Lusa

A ideia de Sahra Wagenknecht é considerada não só boa, mas também, por muitos, necessária – um movimento na Alemanha para ouvir os cidadãos, responder às suas preocupações e unir a esquerda. O maior obstáculo a este movimento, apresentado esta terça-feira em Berlim depois de semanas de antecipação, parece mesmo ser as suas principais figuras.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A ideia de Sahra Wagenknecht é considerada não só boa, mas também, por muitos, necessária – um movimento na Alemanha para ouvir os cidadãos, responder às suas preocupações e unir a esquerda. O maior obstáculo a este movimento, apresentado esta terça-feira em Berlim depois de semanas de antecipação, parece mesmo ser as suas principais figuras.

Sahra Wagenknecht, do partido anticapitalista Die Linke (A Esquerda), é a cara do movimento, e foi quem o apresentou. Mas teve ao seu lado figuras representativas da esquerda que o movimento pretende unir: Ludger Volmer, antigo porta-voz dos Verdes, Simone Lange, autarca do Partido Social Democrata (SPD), Bernd Stegemann, escritor e dramaturgo, e Hans Albers, representante da sociedade civil. Oskar Lafontaine, marido de Wagenknecht e antigo político do Partido Social-Democrata (SPD), que também integra o movimento e tem falado por ele nos media, não esteve na apresentação.

A cobertura mediática na Alemanha tem sido sobretudo crítica para o movimento Aufstehen (De Pé) por duas razões, ambas com base no casal Wagenknecht-Lafontaine. A primeira é a desconfiança de um movimento de base vindo de figuras de topo: Wagenknecht é a líder do grupo parlamentar do partido, presença frequente nos programas televisivos de debate político, por isso nada alheia ao establishment que o movimento pretende mudar; Lafontaine foi anos líder de Die Linke, deixando a liderança por doença. Ou seja, nada semelhante a movimentos como o Momentum no Reino Unido, que levou Jeremy Corbyn à chefia do Labour,  ou o movimento de apoio ao democrata Bernie Sanders nos EUA.

A segunda razão para a desconfiança é os seus dois protagonistas serem figuras conhecidas por dividir – Wagenknecht está em desacordo com a linha do seu partido em relação aos refugiados, defendendo que “nem todos os requerentes de asilo podem vir” para a Alemanha. Num artigo do Financial Times era classificada “mais como uma figura intransigente como Rosa Luxemburgo do que alguém com capacidade de atracção como [o Presidente francês, Emmanuel] Macron”. Lafontaine é ainda hoje persona non grata entre os social-democratas depois de ter participado brevemente num Governo de Gerhard Schröder e de seguida se ter transformado num dos maiores críticos do chanceler, e do seu papel de fundador no novo partido de esquerda em 2005 (que levou outras figuras do SPD e parte do seu eleitorado).

O secretário-geral do SPD, Lars Klingbel, criticou esta iniciativa: “O que Wagenknecht e Lafontaine estão a fazer não é um movimento, mas uma luta de poder dentro do partido de esquerda”. Não ajuda que as caras dos outros partidos sejam também vistos como oposição interna: Volmer diz ser “ainda mais verde” do que o partido ecologista, Lange concorreu contra a actual líder do SPD, Andrea Nahles, nas últimas eleições internas, conseguindo desviar algum do apoio esperado para Nahles.

Na apresentação desta terça-feira, Wagenknecht descreveu uma Alemanha em apuros: a democracia está em crise, há pessoas que se sentem abandonadas, e muitas têm hoje um rendimento real inferior ao que tinham há 20 anos. Se nada for feito, “dentro de cinco a dez anos” o país “estará irreconhecível”.

“Estou farta de deixar a rua livre ao Pegida [movimento xenófobo anti-islão] e à direita”, disse Wagenknecht. Antes, numa entrevista, tinha declarado que "há muitas pessoas que não são de direita mas votam na direita porque estão zangadas". Este é parte do argumento usado na defesa do movimento: é preciso ouvir as pessoas e dar-lhes respostas diferentes das que são propostas pelos populistas da AfD (Alternativa para a Alemanha). É preciso chegar aos que estão descontentes com a política e não se revêem nos partidos.

Mas parte do que pode vir a ser a linha do movimento e a sua tentativa de fazer concorrência à xenófoba AfD deixa muitos preocupados: a posição em relação aos refugiados. Lafontaine, nos anos 1990, apelou à redução de chegada de requerentes de asilo e imigrantes da Europa de Leste; no debate actual foi Sahra Wagenknecht quem declarou que “nem todos [os requerentes de asilo] podem entrar” na Alemanha e criticou como “marcas de bem-estar” conceitos como “abertura ao mundo, anti-racismo, e protecção de minorias”.

O objectivo de Wagenknecht é ambicioso: ter base para um governo de esquerda na Alemanha. “Não quero fazer política de oposição muito tempo”, disse. Os três partidos de esquerda tiveram, nas últimas eleições, 38% dos votos – se as eleições fossem hoje, a mais recente sondagem, do instituto INSA, dá um total semelhante, com uma descida do SPD em relação ao que obteve nas eleições do ano passado a ser compensada por uma subida dos Verdes, enquanto Die Linke se mantém sensivelmente na mesma.