Suu Kyi devia ter-se demitido devido à perseguição aos rohingya, diz chefe dos direitos humanos da ONU
A Prémio Nobel da Paz deveria ter feito muito mais pelos rohingya, de acordo com Zeid Ra’ad al-Hussein. Comité Nobel esclarece que não lhe pode retirar o galardão.
Na recta final do seu mandato como Alto-Comissário para os Direitos Humanos da ONU, Zeid Ra'ad al-Hussein, lançou duras críticas à líder do Governo birmanês, Aung San Suu Kyi, dizendo que a Prémio Nobel da Paz se devia ter demitido do cargo por causa da violenta ofensiva militar contra a minoria muçulmana rohingya.
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Na recta final do seu mandato como Alto-Comissário para os Direitos Humanos da ONU, Zeid Ra'ad al-Hussein, lançou duras críticas à líder do Governo birmanês, Aung San Suu Kyi, dizendo que a Prémio Nobel da Paz se devia ter demitido do cargo por causa da violenta ofensiva militar contra a minoria muçulmana rohingya.
O dirigente das Nações Unidas acusou Suu Kyi de se portar como “uma porta-voz do Exército birmanês”. “Ela estava em posição de poder fazer alguma coisa. Podia ter estado calada, ou, melhor ainda, poderia ter-se demitido”, afirmou Hussein durante uma entrevista à BBC. O jordano está de saída do cargo, no qual é substituído pela ex-Presidente chilena, Michelle Bachelet.
As declarações de Hussein surgem dias depois de as Nações Unidas terem publicado um relatório em que pedem a abertura de uma investigação à suspeita de crime de genocídio cometido por responsáveis de topo do Exército birmanês. A operação militar lançada no ano passado no estado de Rakhine, no Noroeste da Birmânia, causou um êxodo maciço de rohingya para o Bangladesh – mais de 700 mil, numa população de pouco mais de um milhão.
O Exército nega qualquer violação dos direitos humanos e define as suas acções em Rakhine como apenas visando um grupo terrorista suspeito de ter incendiado alguns postos fronteiriços policiais. A ONU acusa os militares de terem posto em prática tácticas "altamente desproporcionadas face à natureza real da ameaça de segurança". Entre as acusações estão relatos de violações de civis e incêndios de aldeias inteiras. Por tudo isto, as Nações Unidas recomendam que o caso seja levado perante o Tribunal Penal Internacional.
De Nobel a alvo
O papel de Suu Kyi durante a crise humanitária dos rohingya foi amplamente criticado fora da Birmânia. Foram feitos vários pedidos para que o Prémio Nobel da Paz, que lhe foi atribuído em 1991 pela sua luta contra a junta militar que governa o país desde 1962, lhe fosse retirado. Na quarta-feira, o Comité Nobel Norueguês esclareceu que o galardão não pode ser retirado, uma vez que premeia “esforços ou feitos do passado”. Outros prémios, como o Elie Wiesel, entregue a Suu Kyi pelo Museu do Holocausto dos EUA, foram-lhe retirados devido à sua inacção em relação aos rohingya.
Os críticos de Suu Kyi, como Hussein, insistem que a antiga opositora do regime militar deveria ter usado a sua posição influente para conter os abusos ou simplesmente para chamar a atenção para o drama dos rohingya. Na verdade, nas poucas vezes em que se pronunciou publicamente sobre o assunto, Suu Kyi apenas criticou aquilo a que chamou de “icebergue de desinformação” sobre a operação militar. Hussein considerou as justificações dadas pela governante "profundamente lamentáveis".
Apesar de ser uma figura-chave no Governo birmanês, a influência de Suu Kyi é muito limitada (a Constituição impede-a de ser Presidente e ocupa o cargo de conselheira de Estado, criado especificamente para si). Em 2015, as primeiras eleições livres deram uma grande vitória à Liga Nacional para a Democracia, de Suu Kyi, permitindo a constituição de um Governo civil, embora com vários lugares ainda sob controlo dos militares. Continua a ser, porém, uma referência moral e muitos esperavam que a entrada no período de transição democrática permitisse que Suu Kyi promovesse uma política mais tolerante em relação às minorias étnicas.
Para Hussein, até o regresso à prisão domiciliária – onde Suu Kyi passou 16 anos – seria preferível à cumplicidade com a violência exercida sobre os rohingya. Segundo o jordano, estas deveriam ser as únicas palavras da birmesa: “Não posso ser o acessório que os outros pensam que sou no que toca a estas violações.”
Mas na Birmânia, país de maioria budista embora muito dividido etnicamente, os rohingya são um dos grupos sociais mais perseguidos e alvo de uma xenofobia enraizada. Os dirigentes políticos, Suu Kyi incluída, não se atrevem sequer a pronunciar a palavra "rohingya" em público, uma vez que o seu significado liga este povo a Rakhine – oficialmente, são designados como "imigrantes ilegais bengalis".
Para além disso, os rohingya não têm sequer direito à cidadania birmanesa, ficando privados de quase todos os direitos básicos, como o acesso à educação, ao trabalho e até à livre circulação.