Mulheres sul-coreanas protestam contra a “pornografia das câmaras escondidas”
Em causa está um fenómeno chamado molka, que consiste, na larga maioria dos casos, em homens a filmar mulheres em locais como casas de banho públicas, escritórios e escolas. Os vídeos que invadem a privacidade vão parar a sites de pornografia.
Na semana passada, milhares de mulheres da Coreia do Sul voltaram a ocupar as ruas. Parecia um cenário da série The Handmaid's Tale. Vestidas de vermelho e negro, e com máscaras a esconder a cara, levantavam cartazes com várias mensagens de protesto. "A minha vida não é a tua pornografia" foi a frase mais repetida.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Na semana passada, milhares de mulheres da Coreia do Sul voltaram a ocupar as ruas. Parecia um cenário da série The Handmaid's Tale. Vestidas de vermelho e negro, e com máscaras a esconder a cara, levantavam cartazes com várias mensagens de protesto. "A minha vida não é a tua pornografia" foi a frase mais repetida.
Não foi a primeira vez que houve uma manifestação em Seul a exigir medidas mais fortes para combater a invasão da privacidade. Desde Maio que estes protestos acontecem mensalmente. Em causa está um fenómeno chamado molka (nome que se dá à expressão “pornografia de câmaras escondidas”, em coreano) que consiste, na larga maioria dos casos, em homens a filmar mulheres em locais como casas de banho públicas, escritórios e escolas. Estes vídeos, feitos com smartphones ou câmaras estrategicamente escondidas, são depois publicados em sites de pornografia. O fenómeno está a crescer no país: em 2010, a polícia identificou 1354 suspeitos e sete anos mais tarde esse número quintuplicou, informa o Independent.
As filmagens têm levado as mulheres a adoptar medidas de precaução, como desligar as luzes quando vão à casa de banho, tentando encontrar alguma luz de câmara, ou tapar buracos onde estes equipamentos possam estar escondidos. Já aconteceram também algumas situações mais extremas, em que mulheres que se viram nas filmagens suicidaram-se.
Não é fácil para as vítimas contar a sua história. Kim (nome fictício) "apanhou" um homem a filmá-la debaixo da mesa de um restaurante. Conseguiu pegar no telefone, onde encontrou mais vídeos seus, objecto de discussão numa troca de mensagens com outros homens. "Quando vi o chat fiquei chocada, a minha mente ficou em branco, comecei a chorar", contou à BBC. Foi à polícia, mas quando lá chegou sentiu-se "sozinha". Perguntou-se se os agentes não iriam achar as suas roupas “demasiado reveladoras”, sentia que a esquadra a olhava como se fosse "um pedaço de carne". Resultado: Kim teve medo de ser culpada, não fez queixa e o homem não foi acusado. As investigações da polícia também têm sido alvo de críticas: as mulheres dizem que a justiça funciona mais rapidamente quando a vítima é um homem.
Proliferação dos smartphones
O fenómeno molka parece não parar e é possível perceber porquê. Cada vez mais pessoas adquirem um com boa qualidade de captura de imagem, capaz de transferir as filmagens para a Internet num instante. E aproximadamente 90% dos adultos na Coreia do Sul têm um smartphone, o que torna o país líder mundial na aquisição deste dispositivo, diz a BBC.
Desde 2004 que os fabricantes de telemóveis são obrigados por lei a assegurar que as câmaras fazem um pequeno barulho quando são utilizadas. No entanto, já existem aplicações que permitem silenciar os smartphones. Em 2016, a polícia sul-coreana conseguiu fechar o Soranet, o maior site pornográfico do país que somava milhões de utilizadores, mas a batalha ainda não está ganha. Existem muitos outros portais que têm sido deitados abaixo, mas logo a seguir recuperados.
Têm ainda sido feitos diversos raids a espaços públicos em busca de câmaras escondidas. A polícia de Seul tem formado equipas para passarem a “pente fino” vários locais, mas não consegue encontrar equipamentos, devido à rapidez com que são removidas depois de terminadas as filmagens. “Estou a aprender como é difícil apanhar estes criminosos. Os homens instalam a câmara e tiram-na em 15 minutos”, disse Park Gwang-Mi, inspector da polícia de Seul, citado pela BBC.
Segundo o Independent, a polícia da região de Gyeongsang do Sul recebeu cerca de 230 mil euros para combater a epidemia e tem inspeccionado locais como praias, hotéis e escritórios à procura de câmaras. Também foram feitas demonstrações de objectos em que as câmaras podem estar escondidas: cintos, chaves, relógio, entre outros. Foram ainda colocados posters que dão conta do óbvio: é ilegal filmar as pessoas sem o seu consentimento. A punição para este tipo de pornografia pode ser de aproximadamente 8000 euros ou um ano na prisão.