Veneza assalta a concorrência com westerns, Netflix, László Nemes, Jacques Audiard, Carlos Reygadas ou os Coen
Uma plataforma de lançamento de americanos, ausência de pudores Netflix e "cinema de género", o assalto aos habitués da concorrência: a 75.ª edição do Festival de Cinema de Veneza apresenta-se.
São 21 filmes em concurso, verifica-se um “regresso ao filme de género”, com westerns, comédias, filmes de samurais, filmes históricos, e muitos "são longuíssimos”, avisou Alberto Barbera ao apresentar em Roma o concurso da 75.ª edição do “seu” Festival de Veneza — apresentação peculiar porque ao longo de quase duas horas passou pelos títulos de várias secções desta edição e não deixou de explicitar os seus maravilhamentos, mostrando-se adepto do “visual” e dos realizadores que têm esse, digamos assim, talento.
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São 21 filmes em concurso, verifica-se um “regresso ao filme de género”, com westerns, comédias, filmes de samurais, filmes históricos, e muitos "são longuíssimos”, avisou Alberto Barbera ao apresentar em Roma o concurso da 75.ª edição do “seu” Festival de Veneza — apresentação peculiar porque ao longo de quase duas horas passou pelos títulos de várias secções desta edição e não deixou de explicitar os seus maravilhamentos, mostrando-se adepto do “visual” e dos realizadores que têm esse, digamos assim, talento.
Sobre a competição 2018: é aí que estão, entre 29 de Agosto e 8 de Setembro, os últimos dos irmãos Coen, Jacques Audiard, Alfonso Cuarón, László Nemes, Carlos Reygadas ou Yorgos Lanthimos. O filme de abertura também estará a concurso: First Man, sobre os anos 1961-1969 de um homem chamado Neil Armstrong — é a história desse homem, da NASA e é a história da América. É o novo filme de Damien Chazelle, que regressa ao Lido onde, em 2016, aí começou a espectacular carreira de La La Land. Desta vez, será “sem música, sem romantismo, sem sentimentalismo, e num território totalmente diverso”, segundo Barbera.
Mas em 2018 Veneza continua a trabalhar o seu perfil de rampa de lançamentos americanos. Confirma-se que o final do Verão e o Lido passaram a ter mais significado para Hollywood e arredores do que Fevereiro (Berlim) e Maio (Cannes). Foi Barbera que ali colocou Gravity, Birdman, La La Land, Hacksaw Ridge, Spotlight, Arrival ou Three Billboards Outside Ebbing, Missouri e o Leão de Ouro do ano passado, The Shape of Water, todos oscarizados. Não é por acaso que na conferência de imprensa em Roma, o director artístico assumiu, e vimos-lhe sorriso nos lábios, que uma "decisão histórica", da maior importância para Veneza, foi a de, nos anos 50, o festival italiano ter empurrado a competição de Cannes de Setembro para a Primavera.
Nos últimos anos, juntou-se a isso a habilidade — que nesta selecção se sublinha sem culpas televisivas, sem pudores em relação ao cinema de género (segundo Barbera, os "autores" perceberam que é necessário regressar aos westerns, às comédias ou até ao filme de samurais para refundar a relação com os públicos) e sem complexos Netflix— para identificar filmes de prestígio. Esta selecção, que até nas muito longas longas-metragens se põe de acordo com o momentum serial e televisivo, explicita: reforçar a posição de Veneza junto dos festivais "maiores" é a prioridade.
É produção Netflix o novo dos Coen, The Ballad of Buster Scruggs, estruturado em seis episódios, western com James Franco, Tom Waits e Liam Neesom, e ainda 22 July, de Paul Greengrass, sobre os ataques terroristas na Noruega perpetrados por Anders Behring Breivik. A propósito: por causa da Netflix e do imbróglio com Cannes, Veneza fica, exibindo-o fora de concurso, com um dos títulos mais esperados do ano, The Other Side of the Wind, projecto de há quatro décadas do produtor Frank Marshall de nos dar a ver, com a maior fidelidade possível, respeitando um esboço de montagem original, o argumento e testemunhos, o que seria o filme que Orson Welles deixou estilhaçado por vários formatos. Será apresentado com o documentário de Morgan Neville They'll Love me When I'm Dead, que ajudará a compreender a aventura e o falhanço que foi esse filme que Welles começou a rodar em 1970, escrito por ele e pela companheira Oja Kodar: um falso documentário sobre um realizador lendário que regressava a Hollywood depois de um exílio europeu para realizar, enfim, a sua obra máxima, e que tinha John Huston como intérprete.
É western, e foi "roubado" a Cannes para a competição de Veneza, The Sister Brothers, do francês Jacques Audiard, filmado na Europa mas com equipa técnica e cast americanos — Joaquin Phoenix, Jake Gyllenhaal ou John C. Reilly — a servirem à reflexão de um cineasta europeu sobre uma mitologia americana.
Mais americanos pela competição: The Mountain, de Rick Alverson, Vox Lux, de Brady Corbert, com Natalie Portman e Jude Law (A Infância de um Líder foi destacado de forma exagerada em Veneza 2015), At Eternity's Gate, de Julian Schnabel, que se passa na cabeça do Van Gogh de Willem Dafoe.
László Nemes, descoberta de Cannes 2015, onde recebeu o Grand Prix por O Filho de Saul (Óscar do Melhor Filme Estrangeiro), é agora de Veneza: Sunset, reinvenção de Budapeste à beira da I Guerra Mundial — um daqueles títulos em que Barbera destaca "o visual". Assim como outro habitué da Croisette, Carlos Reygadas, que apresentará no Lido Nuestro Tempo: filmou na sua fazenda, entre a sua família e os seus cavalos, a história de um casal (interpretado pelo próprio realizador e pela mulher) e o seu projecto de conjugalidade aberta.
Uma história familiar biográfica levou cinco anos a Alfonso Cuarón: Roma (por coincidência: fora de concurso Valeria Bruni Tedeschi apresenta Les Estivants, filmado na casa familiar, com os empregados da família, um olhar doce e amargo sobre um mundo que foi o seu).
Luca Guadagnino faz o remake de Suspiria de Dario Argento e dá três personagens a Tilda Swinton — também por isso talvez seja para começar a ter medo. Olivier Assayas fez uma comédia conjugal, Doubles Vies, com Juliette Binoche e Vincent Macaigne, filme sobre o que mudou nas nossas vidas com a revolução digital. Completam o concurso The Nightingale, da australiana Jennifer Kent (O Sr. Babadook), Capri-Revolution, de Mario Martone, Peterloo, de Mike Leigh (desde 2006 gostará mais de Veneza do que Cannes: a Croisette de Thierry Frémaux recusou Vera Drake e o Lido deu-lhe o Leão de Ouro), The Favourite, de Yorgos Lanthimos (com Emma Stone e Rachel Weisz), Opera senza Autore, de Florian Henckel von Donnersmarck (uma história da Alemanha do nazismo aos anos 70) e ainda What You Gonna Do When The World’s On Fire, de Roberto Minnervini, descrito como meditação sobre o racismo na América, uma primeira obra de Gonzalo Tobal, Acusada, e Killing, de Shinya Tsukamoto.
Fora de concurso, os seleccionadores desta 75.ª edição estão a aguçar a expectativa com a estreia de Bradley Cooper como realizador e de Lady Gaga como actriz: A Star is Born, world première no Lido, com Bradley e Gaga a interpretarem, pela quarta vez, esta história que já foi de Janet Gaynor e Fredric March, de Judy Garland e James Mason e de Barbra Streisand e Kris Kristoferson. Novo êxtase, de Barbera, pelo "visual": Shadow, de Zhang Yimou, que conseguiria em Veneza 1991 a consagração internacional com Esposas e Concubinas (Leão de Prata para Melhor Realizador).
Emir Kusturica e Sergei Loznitsa têm novos documentários — Process, de Losznitsa, é feito com material de arquivo sobre os processos estalinistas que começaram em 1931, será um filme tremendo, segundo Barbera, porque ali "todos mentem", até as vítimas inocentes que eram obrigadas a declararem-se culpadas. Errol Morris entrevista, à sua maneira, Stephen Bannon, conselheiro de Donald Trump (American Dharma), e Frederick Wiseman foi para Monrovia, Indiana, localidade fora da História e do mapa, encontrar a explicação para Trump.
Na secção Horizontes, está Charlie Says, de Mary Harron, sobre as raparigas que constituíram o bando de Charles Manson.
Não conseguimos é esperar pela secção Clássicos: The Great Buster, documentário de Peter Bogdanovich sobre Buster Keaton, ou Women Making Films, de Mark Cousins, a primeira parte, quatro horas, de um projecto de vinte.