A América de Trump é o elefante na sala da eleição mexicana
Obrador é um fervoroso opositor do Presidente norte-americano, mas o futuro da relação EUA-México não teve o destaque que se esperava durante a campanha. Imigração e NAFTA são os principais pontos de discórdia.
“Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”. Atribuída a Porfirio Diaz, o general que governou o país com mão de ferro durante três décadas entre os séculos XIX e XX, a citação é frequentemente recuperada para ilustrar a difícil relação entre os dois países. Se entender o México sem a sombra sufocante dos EUA parece um exercício coxo, verificar a quase omissão do tópico ‘Washington’ na campanha eleitoral mexicana é estranho. E mais ainda quando quem manda na actual Casa Branca é um dos mais ferozes caluniadores do vizinho do Sul.
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“Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”. Atribuída a Porfirio Diaz, o general que governou o país com mão de ferro durante três décadas entre os séculos XIX e XX, a citação é frequentemente recuperada para ilustrar a difícil relação entre os dois países. Se entender o México sem a sombra sufocante dos EUA parece um exercício coxo, verificar a quase omissão do tópico ‘Washington’ na campanha eleitoral mexicana é estranho. E mais ainda quando quem manda na actual Casa Branca é um dos mais ferozes caluniadores do vizinho do Sul.
As apreciações hostis de Donald Trump sobre os “bad hombres” (homens maus) mexicanos, a quem acusou de trazerem drogas e insegurança para os EUA e de roubarem empregos aos norte-americanos, foram uma constante durante a sua campanha presidencial e não pararam com a eleição, tendo mesmo sido acompanhadas de promessas concretas, que tomam o México como o mau da fita, em matéria de segurança, comércio e migração.
Anomalia
A construção do muro na fronteira, a “tolerância zero” na política de deportações ou a intenção de renegociação do da NAFTA – o acordo de comércio livre entre EUA, México e Canadá – são apenas algumas das medidas disruptivas de Trump, às quais o Presidente mexicano Enrique Peña Nieto reagiu com complacência, contribuindo para que a relação bilateral tenha atingido níveis mínimos de estima e confiança.
Ainda assim, o tema não teve o tempo de antena esperado na campanha mexicana, mesmo que os três principais candidatos – Andrés López Obrador (MORENA, esquerda), Ricardo Anaya (PAN, direita) e José Antonio Meade (PRI, centro-direita) – se tenham vendido ao eleitorado como ‘anti-trumpistas’.
A explicação desta “anomalia”, como escreve o New York Times, está intimamente relacionada com o drama interno que o México atravessa. Com indicadores históricos de violência e insegurança, corrupção palpável nas chefias políticas e incapacidade crónica para reduzir as desigualdades, o país enfrenta as eleições deste domingo totalmente virado para dentro.
E, por isso, para o eleitor comum, que convive com estas dificuldades no seu dia-a-dia, a estratégia dos candidatos para lidar com os EUA ou quaisquer temas relacionados com política externa estão bem abaixo na sua lista de preocupações.
“Nenhum eleitor mexicano esteve sequer à espera de ouvir qualquer dos candidatos falar sobre Trump”, garante o analista político José Merino ao diário de Nova Iorque. E mesmo os que falaram têm noção de que a postura prometida para lidar com o Presidente norte-americano “não terá qualquer influência na forma como os mexicanos vão votar”, acrescenta o antigo embaixador do México nos EUA, Arturo Sarukhán, sublinhando que as prioridades das pessoas são outras.
Da crítica à incógnita
Ser um tema menor de campanha não significa, no entanto, que a América de Trump não seja um (grande) elefante na sala mexicana. E Andrés Manuel López Obrador, o favorito à eleição presidencial do México, tem a perfeita noção de que não poderá ignorar o proteccionismo cego dos EUA, por um lado, e de que tem a obrigação de assumir uma posição mais firme que Peña Nieto, por outro. Ainda assim, a forma como conduzirá as conversas com o Presidente norte-americano é uma incógnita.
Missionário da esquerda, adepto de um nacionalismo radical e crítico fervoroso da política migratória “opressiva, racista e desumana” de Trump – no ano passado escreveu mesmo um livro com propostas para a defesa dos imigrantes mexicanos nos EUA da “hispanofobia” da administração republicana –, Obrador tem tudo para se antagonizar com ele. Mas a importância de uma boa relação com o vizinho a Norte também pesa, pelo que uma estratégia de confrontação frenética não é inteiramente desejável.
Apesar das divergências ideológicas, Obrador acredita que o proteccionismo norte-americano – evidenciado com a recente imposição de taxas sobre o aço e o alumínio – podem ser uma “oportunidade” para o México fortalecer o seu mercado interno e reduzir a dependência económica em relação aos EUA. Promete por isso reinvestir na companhia petrolífera estatal mexicana e na agricultura. E até nem vê com maus olhos uma cooperação económica com Washington, ao estilo do plano de fomento Aliança para o Progresso, lançado por John F. Kennedy nos anos 60.
Malabarismos
“López Obrador tem feito malabarismos, enviando mensagens de que não pretende antagonizar-se com os EUA, de que não é [Hugo] Chávez e de que não é anti-americano”, diz Sarukhán ao Financial Times. “Consigo vê-lo a dizer a Trump: ‘Vamos encontrar-nos na fronteira!”, acrescenta o diplomata.
A renegociação da NAFTA, pretendida por Trump, será um dos principais desafios do próximo Presidente do México. Ciente disso, Obrador já prometeu, em caso de eleição, nomear o experiente economista Jesús Seade Kuri – ex-director da Organização Mundial de Comércio – para liderar as negociações com a Casa Branca. Depois? “Negociar e negociar e negociar e negociar até se chegar a um acordo”, simplifica Alfonso Romo, da equipa de campanha de Obrador.
“Ainda que o comércio livre não seja o mundo que gostaria de ter construído, Obrador sabe perfeitamente que não convém [ao México] abandonar o tratado”, diz ao El País o professor de Economia do Instituto Tecnológico de Monterrey. “A variável Trump é demasiado complicada, creio que não quererá atiçar o fogo”, acrescenta. Se com o fogo vier a fúria, não convém mesmo atiçá-lo, pensará Obrador.