Loureiro dos Santos, o reformador
Biografia de ex-ministro da Defesa sublinha o pensamento inovador do antigo chefe militar nos conceitos de estratégia e Defesa Nacional.
O general Loureiro dos Santos morreu este sábado, 17 de Novembro de 2018, aos 82 anos. Voltamos a destacar este artigo, originalmente publicado a 26 de Junho de 2018.
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O general Loureiro dos Santos morreu este sábado, 17 de Novembro de 2018, aos 82 anos. Voltamos a destacar este artigo, originalmente publicado a 26 de Junho de 2018.
“Pois se viu as provas, não acredito nelas.” Com esta frase, pronunciada em tom afirmativo e numa pouca habitual voz alta, o general Loureiro dos Santos deu por finda uma conversa telefónica com o primeiro-ministro Durão Barroso sobre a existência de armas de destruição maciça no Iraque de Saddam Hussein. Foi no rescaldo da cimeira das Lajes de 16 de Março de 2003, na qual o Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, o presidente do Governo espanhol, José Maria Aznar, e Barroso analisaram a situação iraquiana. Quatro dias depois, na madrugada de 20 de Março, começou a intervenção militar no Iraque a pretexto da posse de tais arsenais pelo regime de Saddam. Este é um dos episódios relatados na biografia de Loureiro dos Santos da jornalista Luísa Meireles (Temas e Debates, do Círculo de Leitores), que é apresentado na tarde desta terça-feira. Retrata o percurso da ousadia de um reformador na área militar.
“Ele esteve sempre à frente do seu tempo”, diz, ao PÚBLICO, a autora de General Loureiro dos Santos, o que tem de ser tem muita força. Na escola, no liceu do Porto, no Exército, sempre foi assim. Por circunstâncias várias, o registo do seu nascimento é 2 de Setembro quando o parto de José Alberto Loureiro dos Santos foi a 28 de Agosto. Não foi premonição do que viria a ser o seu percurso, antes sinal das dificuldades da sua origem. Vai para o Exército, apesar da sua mediana estatura e de um corpo franzino. As aptidões físicas eram à justa. Sobravam-lhe as mais decisivas.
“Quando, em 1977, Ramalho Eanes [Presidente da República e chefe do Estado Maior General das Forças Armadas - EMGFA] o vai buscar para seu 'vice', Loureiro dos Santos faz um trabalho que o próprio Eanes reconhece que não há condições para implementar”, descreve Luísa Meireles. Então, finda a Guerra Colonial, terminadas as convulsões após a queda da ditadura com a subordinação dos militares ao poder político democrático, era necessário redimensionar as Forças Armadas e dar-lhes funções no âmbito da NATO. Por isso, estudou a importância do triângulo Madeira-Açores- Portugal na defesa ocidental no contexto da Guerra Fria. Mais tarde, como comandante da Zona Militar da Madeira, elaborou o plano de defesa do arquipélago. Foi ministro da Defesa de Mota Pinto e de Lourdes Pintasilgo, em dois governos de iniciativa presidencial, impondo uma medida de transparência: que a venda ao estrangeiro de armamento nacional, fundamentalmente munições, até então decidida apenas pelo titular da Defesa, tivesse a autorização do Ministério da Defesa Nacional.
A vida militar de Loureiro dos Santos inclui um único posto de comando em cenário de guerra, uma comissão em Angola de três anos. O 25 de Abril de 1974 vai encontrá-lo como chefe do Estado-Maior do Comando Militar de Cabo Verde, passando a ser delegado da Junta de Salvação Nacional na antiga colónia. O aspecto mais substancial do seu percurso foi o estudo, a visão da estratégia como fonte de ligação da História, Sociologia e Política. Daí a sua capacidade inovadora.
Com as características de homem de gabinete aguentou os embates dos radicais na 5.ª Divisão, situando-se no grupo político do 25 de Novembro. Foi secretário do Conselho da Revolução e, após a expulsão deste órgão dos membros do Grupo dos Nove [militares moderados liderados por Melo Antunes] regressou a uma das suas paragens obrigatórias: o Instituto de Altos Estudos Militares.
A sua experiência deu frutos. “Foi ele que fez a primeira lei das Forças Armadas em Novembro de 1975 e começou logo a trabalhar no 2.º pacto MFA/Partidos por discordar do primeiro”, salienta Luísa Meireles. A diferença entre os dois acordos era substancial e só no segundo, de 26 de Fevereiro de 1976, são normalizadas as instituições. Daquele tempo, o biografado reconhece a ponderação do General Costa Gomes, que admira, e confirma a decepção com António de Spínola. “Spínola não raciocinava estrategicamente e politicamente era um insensato”, lê-se na biografia.
Por coincidências, azares e não escassas vezes com amarga ironia, as suas ideias foram aplicadas, parcialmente, muitos anos depois de as ter apresentado. Como chefe do Estado-Maior do Exército (EME) apresentou uma reorganização com o fim das tradicionais regiões militares, a transferência dos pára-quedistas da Força Aérea para aquele ramo e a criação de uma unidade de helicópteros. Foi a terceira tentativa contra interesses instalados.
“O seu trabalho é sabotado”, reconhece a autora. Demite-se de chefe do EME em discordância com a aprovação pelo Governo de Cavaco Silva da denominada Lei dos Coronéis, que diminuía o quadro superior do Exército afectando os que tinham feito a Guerra Colonial, o 25 de Abril e o 25 de Novembro. Com 58 anos, general de quatro estrelas, é passado à reserva. Seria, depois, um dos animadores de um comedido associativismo de oficiais.
“Não tenho a certeza de que foi uma vendetta pessoal, mas sim em relação a uma geração, ele não era uma figura amada pelo stablishment, foi quando os chefes militares começaram a dançar a música dos políticos”, lembra Luísa Meireles. Tal como lançou os primeiros pilares da Protecção Civil, defendeu uma inovadora concepção de Defesa Nacional, que foi fazendo o seu caminho. Que não era apenas militar, mas da sociedade. Daí, discordar do fim do serviço militar obrigatório nos termos em que foi desenhado pelas jotas do PS e do PSD, e de se ter multiplicado em comentários, artigos, livros e esclarecimentos. Sempre em nome da reforma.