“Nunca lhe chamaram o que era verdadeiramente: jornalista”

Afectiva, humana e profissional, tinha a arte de intervir, escutar, confortar. Lulu, que integrou a equipa fundadora do PÚBLICO, chegou “rapariguinha” ao mundo dos jornais e nele ficou a sério, até ontem.

Foto
Rui Gaudêncio

Só e apenas no papel, Lucília Santos era a adjunta de direcção do PÚBLICO, e ainda bem. Porque a melhor parte ficava para nós, na vida real. Se um jornal tivesse um coração, seria ela, a Lulu. E seria grande para caber o que fez e deu ao PÚBLICO desde a sua fundação. Pela mesma medida sempre cheia com que se envolveu antes na fundação do Expresso, vinda do Diário Popular.  

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Só e apenas no papel, Lucília Santos era a adjunta de direcção do PÚBLICO, e ainda bem. Porque a melhor parte ficava para nós, na vida real. Se um jornal tivesse um coração, seria ela, a Lulu. E seria grande para caber o que fez e deu ao PÚBLICO desde a sua fundação. Pela mesma medida sempre cheia com que se envolveu antes na fundação do Expresso, vinda do Diário Popular.  

É o vínculo afectivo de Lucília aos que com ela trabalhavam que Vicente Jorge Silva recorda de imediato. Ambos fundadores do PÚBLICO, tinham-se conhecido antes no semanário de Francisco Pinto Balsemão. “A Lulu foi um pólo afectivo que tínhamos no Expresso e veio connosco para o PÚBLICO. E à volta dela estávamos nós. Ela, mãe e irmã, ao mesmo tempo, maternal e fraternal. Esse pólo afectivo que criou, e que transportou consigo de um jornal para o outro, tornava-a indispensável, independentemente das funcionalidades específicas do seu trabalho”. Indispensável “por essa presença e essa afectividade que transmitia na sua maneira de estar, na sua presença quotidiana”, acrescenta, em depoimento recolhido pelo telefone, Vicente Jorge Silva, que dirigiu o PÚBLICO até 1995.

“A Lucília não vestia a camisola. Vestia a camisola, as calças e ainda punha um lenço de seda ao peito”, sublinha Bárbara Reis, directora do PÚBLICO de 2009 a 2016. “Deixou-nos a lição do bumerangue. Que é isto: é importante dar aos outros. E, como o bumerangue raramente falha, a Lucília deu e deu e deu e deu — e foi recebendo de volta. Só podia ser assim.” Bárbara Reis elenca alguns dos muitos pequenos grandes nadas que a tornavam tão especial. “Não estou a falar de uma colega afável que ajuda os outros. Fazemos anos e estamos fora em reportagem? A Lucília lembra-se e telefona a dar um beijo. Todos os anos, durante 30 anos. Um filho teve febre ontem? A Lucília pergunta no dia seguinte se está melhor. Estou a falar dos 159 filhos das 192 pessoas que trabalham hoje no PÚBLICO, dos jornalistas aos estafetas, passando pelos comerciais e administradores, e também dos filhos dos 500 colegas que cá trabalharam no passado”.

Para uma discussão, para alguém que anda triste, cansado ou impaciente, para momentos de boas ou más notícias, ou para alguém que escreveu um texto brilhante, a Lucília tinha a arte de intervir, confortar, escutar, motivar e ser próxima. E nos dias em que “o PÚBLICO foi melhor e mais rápido? A Lucília é a primeira a dizer, porque é a primeira a ler a concorrência e o próprio PÚBLICO, de fio a pavio, todos os dias. O PÚBLICO foi ultrapassado por outro jornal? É a primeira a dizer “amanhã vamos ser nós”, conta Bárbara Reis.

É cheia de histórias a vida de Lucília vivida entre o papel e a tinta da imprensa escrita. “Há mais de 50 anos uma rapariguinha do Barreiro entrou num velho edifício do Bairro Alto onde então existia um grande jornal, o Diário Popular, a que Francisco Pinto Balsemão estava a dar uma alma nova” e “fez-se uma mulher dos jornais”. Um mundo do qual "nunca mais saiu", lembra José Manuel Fernandes, da direcção fundadora do PÚBLICO e seu director de 1998 a 2009.

“Naquela casa, depois no Expresso, que viu fundar, no PÚBLICO, que ajudou a fundar, foi secretária, secretária de direcção, secretária de redacção, adjunta de direcção, só nunca lhe chamaram o que verdadeiramente era: uma jornalista. Sabia mais de jornais, tinha mais sentido de notícia, mais espírito crítico, vivia mais a actualidade e sabia apreciar melhor um bom texto, uma boa imagem ou uma boa solução gráfica do que a maioria dos jornalistas. Não tinha carteira profissional nem ela lhe fazia falta”.

E se “os mecanismos invisíveis que fazem o milagre diário de construir um jornal” giravam, era porque a Lulu estava ali. “Era quase insubstituível – fosse para garantir que não havia erros nas palavras cruzadas (os erros que mais irritam os leitores), para assegurar a correcta decifração da letra miudinha e sumida de mais uma crónica de Eduardo Lourenço ou para descobrir o paradeiro da fonte a contactar”, refere José Manuel Fernandes.

Nas palavras de Bárbara Reis, "a Lucília deu humanidade e ternura a esta máquina stressada, competitiva, frenética e meio louca que é um jornal diário. É fácil sermos atentos e generosos com uma pessoa por dia. Sermos assim, tantos anos, com tantas pessoas ao mesmo tempo, no meio de tanta correria, é só para alguns.”

"O PÚBLICO deve-lhe muito e cada um de nós que com ela trabalhámos e privámos ao longo de anos, cada um de nós tem uma, muitas coisas, que lhe ficámos a dever", afirma Augusto M. Seabra, também fundador do jornal.

O velório de Lucília Santos decorrerá na Capela da Misericórdia do Barreiro, no Largo de Santa Cruz, a partir das 15h30 desta quarta-feira, 20 de Junho, e até às 10h de quinta-feira. O funeral parte às 10h de quinta-feira para o Complexo Funerário da Quinta do Conde, onde se realizará uma cerimónia privada reservada à família.

Obituário actualizado às 18h49 com novo horário do funeral