Banqueiro angolano pautou-se pelo silêncio no confronto com arguidos

Arguido Orlando Figueira conta que se lhe ofereceram para depositar dinheiro numa conta no Dubai se não implicasse Carlos Silva em tribunal.

Foto
Nuno Ferreira Santos

O banqueiro angolano Carlos Silva manteve-se quase sempre impassível e em silêncio durante a acareação em tribunal com os arguidos da Operação Fizz. “É falso, mas tenho de ouvir esta história”, foi repetindo de forma espaçada, perante as insistências do juiz que preside aos trabalhos para que reagisse às acusações que lhe fazem o ex-procurador Orlando Figueira, suspeito de ter sido corrompido pelo ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente, e o advogado Paulo Blanco, igualmente arguido.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O banqueiro angolano Carlos Silva manteve-se quase sempre impassível e em silêncio durante a acareação em tribunal com os arguidos da Operação Fizz. “É falso, mas tenho de ouvir esta história”, foi repetindo de forma espaçada, perante as insistências do juiz que preside aos trabalhos para que reagisse às acusações que lhe fazem o ex-procurador Orlando Figueira, suspeito de ter sido corrompido pelo ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente, e o advogado Paulo Blanco, igualmente arguido.

O banqueiro não foi acusado de nenhum crime, estando a depor em tribunal na qualidade de testemunha. Diz Orlando Figueira, numa versão dos factos corroborada por Paulo Blanco, que foi Carlos Silva quem lhe prometeu emprego em Angola em 2011, ainda o procurador trabalhava no Departamento de Investigação e Acção Penal. E também quem lhe concedeu um empréstimo de 130 mil dólares através de uma das instituições bancárias a que superintendia, o Banco Privado Atlântico Europa. Carlos Silva nega-o de forma peremptória.

“Mente com quantos dentes tem na boca”, atirou-lhe Orlando Figueira, debruçado sobre o corrimão do banco dos réus que o separava do banqueiro, de dedo em riste. Minutos mais tarde havia de engrossar a voz, quando enumerava os interesses empresariais que alegadamente ligam Carlos Silva ao advogado Proença de Carvalho: “Quer que lhe fale de mais? Quer?!”

Aquele que é ainda, até ao final deste mês, o vice-presidente do Millenium BCP não evitou olhá-lo de frente, mas preferiu não se manifestar. “Pode intervir e reagir”, repetia-lhe o juiz. Perante a insistência, Carlos Silva mostrava-se parco nas palavras: “É absolutamente falso. É lamentável que digam que eu fui a um hotel de Luanda convidar para trabalhar comigo uma pessoa que não conhecia, passando por cima dos órgãos de gestão do banco."

O confronto entre arguido e testemunha subiu de tom quando, para explicar por que razão tinha aguardado mais de um ano que Carlos Silva lhe formalizasse o tal contrato de trabalho através do qual se tornaria consultor jurídico do banco, Orlando Figueira alegou que lhe tinham explicado que os africanos eram mesmo assim, pouco despachados. “Os africanos? Os pretos?!”, perguntou-lhe o banqueiro. “Pretos, brancos, amarelos… Não leve isto para o campo racial, que não vale a pena”, redarguiu o antigo procurador.

Orlando Figueira assaca ainda a Carlos Silva uma alegada tentativa de compra do seu silêncio numa altura em que este julgamento estava já a decorrer. Diz que foi a mando dele que um cidadão angolano manteve um encontro com a sua irmã no Hotel Ibis do Parque das Nações, em Março passado, durante o qual lhe pediu para alterar o seu depoimento em tribunal a troco do depósito de dinheiro em quantia não especificada numa conta no Dubai. Em vez de imputar responsabilidades a Carlos Silva, poderia assacá-las a um colega de Carlos Silva que entretanto morreu, Paulo Marques, "porque os mortos não falam”. Mais uma vez, o visado não reagiu: manteve-se imperturbável. 

Também não explicou o que queria dizer quando afirmou que as pessoas que inventaram estas “fábulas”, como lhes chamou, têm uma agenda escondida – apesar de todas as tentativas dos advogados e dos juízes do processo nesse sentido. Que agenda seria essa? “Estou em reflexão, a tentar perceber”, limitou-se a afirmar. Só mais tarde adiantaria uma explicação, ainda que vaga: “Já se viu que o engenheiro Manuel Vicente não tem nada a ver com isto. Para o libertarem querem colocar-me no lugar dele?”.

Já o arguido e advogado Paulo Blanco foi bem mais claro nas afirmações que fez. Confirmando a existência de um acordo de cavalheiros entre Carlos Silva e o procurador para que este nunca contasse que tinha sido o banqueiro a arranjar-lhe um contrato de trabalho em Angola, explicou que o objectivo deste plano era claro: impedir Manuel Vicente, que era vice-presidente de Angola desde 2012, de subir o último degrau e substituir José Eduardo dos Santos à frente dos destinos daquele país.