Se Todos lo Saben, era escusado

O realizador iraniano Asghar Farhadi mudou-se há dois anos para Espanha onde realizou o filme que abriu terça-feira o festival de Cannes, com o casal Penélope Cruz e Javier Bardem.

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A acumulação de Óscares, Césares e outros prémios pelos filmes do iraniano Asghar Farhadi é pesada e, retrospectivamente, insondável: foi duas vezes distinguido em Hollywood (Uma Separação, 2012O Vendedor, 2017), teve Ursos de Ouro e de Prata (About Elly e Uma Separação, os seus melhores filmes provavelmente), a indústria francesa deu-lhe um César (Uma Separação), teve vários prémios em Cannes, entre os quais o de interpretação feminina para Bérénice Bejo (O Passado, 2012, filmado em Paris) e o de interpretação masculina para Shahab Hosseini (O Vendedor)… é assaz impressionante, até porque, e se calhar por causa disso, vem concretizando de forma cada vez mais evidente um cinema “internacional”.

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A acumulação de Óscares, Césares e outros prémios pelos filmes do iraniano Asghar Farhadi é pesada e, retrospectivamente, insondável: foi duas vezes distinguido em Hollywood (Uma Separação, 2012O Vendedor, 2017), teve Ursos de Ouro e de Prata (About Elly e Uma Separação, os seus melhores filmes provavelmente), a indústria francesa deu-lhe um César (Uma Separação), teve vários prémios em Cannes, entre os quais o de interpretação feminina para Bérénice Bejo (O Passado, 2012, filmado em Paris) e o de interpretação masculina para Shahab Hosseini (O Vendedor)… é assaz impressionante, até porque, e se calhar por causa disso, vem concretizando de forma cada vez mais evidente um cinema “internacional”.

Se ninguém soubesse disso ou tivesse reparado nisso, a abertura de Cannes, 71.ª edição, com Todos lo Saben, filmado em Espanha com o casal Penélope Cruz e Javier Bardem, torná-lo-ia evidente, até porque Todos lo Saben passa o tempo a pretender esconder mistérios que afinal revela logo a seguir. Como uma máquina a produzir segredos de Polichinelo, mas sem ironia, rodando sobre o vazio, o argumento de Farhadi produz situações e personagens que começam por jogar com a familiaridade (a razão da escolha de Cruz e Bardem, obviamente) e quando se espera uma vacilação, uma inquietação, a ambiguidade (é normal pensar em Uma Separação…), a cena, os diálogos e o histrionismo dos actores reiteram que só temos direito ao que já conhecemos das histórias de família quando se aproximam do thriller ou quando só retêm disso a mecânica. Isto é, a familiaridade do cliché.

(E logo tinha de ser assim numa edição que quis mudar os hábitos das projecções, que quis reforçar a componente “estreia” dos filmes, a sua “primeira vez”, alinhando a imprensa com o público na sua descoberta, assim impedindo fugas de informação que andavam a estragar a festa e as galas da noite com os tweets da tarde).

Para resumir Todos lo Saben: a personagem de Penélope Cruz regressa a Espanha, vinda da Argentina onde se casou, para assistir à boda da irmã. A festa espanhola é estragada quando lhe raptam a filha (Farhadi, numas férias espanholas por alturas de O Passado, viu cartazes que anunciavam o desaparecimento de uma adolescente, e a emoção que isso causou na sua própria família ficou com ele como promessa de filme). É uma guerra familiar a que assistimos, negócio de terras e ajuste de contas, tudo por causa da personagem de Bardem, com quem Penélope no passado teve um “caso”.

Mas são segredos sem segredo, na verdade. A mise-en-scène não aguenta, ou não está para isso, trabalhar a densidade do retrato de grupo (About Elly já vai longe, é de 2009…), os planos não esperam, o policial instala-se imediatamente, frequentemente Farhadi leva o filme, as personagens e os espectadores até à torre da igreja para mostrar o mecanismo dos sinos, mas não há vertigem alguma lá em cima na demonstração, é maquinismo. Avista-se a novela, com o histrionismo de Penélope, sobretudo ela, a ter como imaginário a proximidade televisiva.

O realizador andou a trabalhar neste projecto durante cinco anos, dando sempre novidades do seu andamento aos intérpretes. Foi uma conversa no tempo. Há dois anos mudou-se para Espanha. Ainda não controla a língua, mas segundo Penélope absorveu tanto da “cultura espanhola” que não havia uma alteração de diálogo que os intérpretes pudessem tentar que passasse despercebida ao realizador. É surpreendente, então: o par Bardem-Cruz só não está no seu pior porque isso deve ser Loving Pablo (em que eram Pablo Escobar e a jornalista Virginia Vallejo); e a Espanha de Todos lo Saben podia servir um panfleto audiovisual turístico.