Cate Blanchett: “Não estou interessada em prémios”

A actriz preside a um grupo de jurados que, cada um à sua maneira, concebe a Palma de Ouro como um voto na longa duração.

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Soa algo contraditório ouvir a presidente do júri de um Festival de Cinema como Cannes dizer isto, que não esta interessada em prémios. Mas Cate Blanchett disse-o, logo a seguir assumiu a contradição, não se intimidou, continuou e não precisou de emendar a mão. O que lhe interessa — só isso pode estar ao alcance de um júri e interessar a um júri... — “é o processo”.

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Soa algo contraditório ouvir a presidente do júri de um Festival de Cinema como Cannes dizer isto, que não esta interessada em prémios. Mas Cate Blanchett disse-o, logo a seguir assumiu a contradição, não se intimidou, continuou e não precisou de emendar a mão. O que lhe interessa — só isso pode estar ao alcance de um júri e interessar a um júri... — “é o processo”.

Obviamente que se pode enganar o júri da 71.ª edição do Festival de Cinema de Cannes presidido pela actriz, produtora e realizadora australiana que esta tarde se apresentou aos jornalistas em conferência de imprensa — grupo formado ainda pelo actor chinês Chang Chen (Happy Together, de Wong Kar-wai), pela argumentista, realizadora e produtora norte-americana Ava DuVernay (Selma), pelo realizador francês Robert Guédiguian, pela cantora do Burundi Khadja Nin, pela actriz francesa Léa Seydoux (A Vida de Adèle), por Kristen Stewart, actriz americana, e por Denis Villeneuve e Andrey Zvyagintsev, realizadores canadiano e russo. Um festival é uma plataforma “porosa” — existe o júri, os elementos que o compõem, nove, quererão fazer valer as suas diferenças; existem os críticos e os espectadores, cada grupo escolheria um filme diferente. Blanchett deu a sensação de estar à vontade com essa turbulência, com esse risco.

No entanto, nela e nas quatro mulheres e quatro homens que com ela decidirão o Palmarés de Cannes no dia 19 impõe-se, talvez em graus variados de inquietação e por caminhos diferentes, a Palma de Ouro como um voto na longa duração. Começando pela senhora presidente: espera que o filme vencedor dure mais do que a imaginação do júri e dure mais do que o próprio festival. Khadja Nin, que olha para si e para os seus colegas como “um júri de resistência”, “gente de calibre”, acredita que a tarefa não vai ser complicada. Kristen Stewart quer resistir ao absolutismo da perfeição.

Lembra que há filmes imperfeitos maravilhosos e coloca a tónica na emoção — basta olhar para ela, o sentimento veste-a quando fala do cinema como lugar simultâneo da “introspecção” e da “abertura ao mundo”. O mesmo para Ava DuVernay, que em miúda viu o seu mundo fechado de Compton, na Califórnia, abrir-se por causa do cinema, porque os filmes nos colocam em qualquer parte do mundo e nos fazem fazer parte de qualquer parte do mundo. Portanto, Ava só pode estar receptiva à “musculatura emocional” de um filme. É isso que o torna “simultaneamente do seu tempo e intemporal”. Já Robert Guédiguian propõe um equilíbrio entre o coração e a cabeça, a emoção e a inteligência — aproveitando para citar Mao Tsetung: a arte deve estar à frente do povo mas um passo só...

Ainda se pode dizer que Cate Blanchett resistiu de forma subtil à fixação de agendas e de campanhas sobre a sua equipa. Resistiu, por exemplo, à produção de simplificações. Contradição entre o glamour de Cannes e a luta pela afirmação das mulheres? Não há, respondeu. Porque é que a beleza há-de excluir a inteligência?

Não deixou que os filmes fossem secundarizados na sua tarefa. Defende mesmo que o trabalho do júri deve ser esquecer quem realiza um filme, se é um homem ou uma mulher (“Há só três mulheres em competição? No ano passado havia duas. O comité de selecção este ano foi reforçado com mais mulheres, estas coisas não mudam de um dia para o outro. Quero mais mulheres em concurso? Absolutamente. Mas este ano temos de lidar e de decidir com o que temos”); ou se é de Jean-Luc Godard ou de um estreante — até porque não é uma Palma de Ouro que vai aumentar ou diminuir a importância do legado de Godard, por exemplo. Mas Cate levantou a mão, ela e Ava e Khadja e Kirsten e Léa: no sábado farão parte da centena de mulheres que desfilará pela passadeira vermelha na gala feminina que foi anunciada na segunda-feira por Thierry Frémaux, delegado-geral do festival. Não há só isso, chamou a atenção Khadja Nin: no dia 16 é lançado no festival o livro Noire n'est pas mon métier (“Negra não é a minha profissão”), de Nadège Beausson-Diagne, recolha de testemunhos e denúncia de 16 actrizes francesas que foram alvo de racismo durante a sua caminhada pelos processos de casting.