Cimeira Trump-Kim dentro de "três ou quatro semanas" - e Kim já disse o que quer
O líder norte-coreano quer formalizar um pacto de não agressão com os Estados Unidos. Será um a vitória equivalente à que o Presidente dos EUA terá se conseguir a desnuclearização - significa que o seu regime é legitimado.
O anúncio foi feito neste domingo, mas o Presidente dos Estados Unidos já sabia. “As coisas estão a correr bem”, escreveu Donald Trump no Twitter no sábado à noite, horas antes de ser divulgado que a Coreia do Norte vai encerrar o local onde realiza testes nucleares em Maio e perante testemunhas internacionais. Foi também divulgado o que quer Kim de Trump na cimeira histórica que juntará os dois e que se realiza dentro “de três ou quatro semanas” — um pacto de não agressão.
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O anúncio foi feito neste domingo, mas o Presidente dos Estados Unidos já sabia. “As coisas estão a correr bem”, escreveu Donald Trump no Twitter no sábado à noite, horas antes de ser divulgado que a Coreia do Norte vai encerrar o local onde realiza testes nucleares em Maio e perante testemunhas internacionais. Foi também divulgado o que quer Kim de Trump na cimeira histórica que juntará os dois e que se realiza dentro “de três ou quatro semanas” — um pacto de não agressão.
Promessas e desejos foram expressos pelo líder norte-coreano, Kim Jong-un, na cimeira de sexta-feira com o Presidente sul-coreano, Moon Jae-in. Nesse dia histórico, pouco se soube sobre o que disseram os dois líderes. Mas neste domingo os pormenores começaram a ser divulgados pelo porta-voz da presidência em Seul, Yoon Young-chan — e são surpreendentes.
Kim garantiu que vai desmantelar o local dos testes e comprometeu-se com a desnuclearização — inclusivamente perante a sua própria população, com os media norte-coreanos a anunciarem a decisão do líder.
Na cimeira, e segundo divulgou o porta-voz de Seul, Kim disse que é um homem de palavra: “Assim que começarmos a falar, os Estados Unidos vão saber que não sou pessoa para lançar armas nucleares para a Coreia do Sul, o Pacífico ou os Estados Unidos”. Ou seja, não o fará, mas lembrou que tem capacidade para fazê-lo.
Kim disse que vai convidar jornalistas e observadores internacionais para testemunharem o desmantelamento de Punggye-ri, o centro onde se realizaram seis testes nucleares. Pretende “revelar o processo à comunidade internacional de forma transparente”. Não é um gesto de boa vontade.
No complexo de Punggye-ri os testes (feitos entre 2006 e 2017) são realizados num complexo de túneis construído no subsolo do Monte Mantap, a nordeste da Península Coreana. O último deles, o mais potente, em Setembro do ano passado, provocou um abalo sísmico de 6,3 na escala de Richter, segundo os registos das agências de meteorologia dos Estados Unidos. Segundo cientistas chineses, a potência do ensaio fez colapsar o complexo.
No dia 23 de Abril, a Universidade de Ciência e Tecnologia da China divulgou um estudo que confirma que o sítio, a 160 quilómetros da fronteira com a China, ruiu para dentro do monte. Toda a infraestrutura ficou enterrada nas montanhas, diz o estudo, e é irrecuperável.
Pouco se sabe, porém, sobre o que se passou exactamente. A Coreia do Sul suspeita que o local ficou destruído, mas as suas conclusões, e as dos serviços secretos dos EUA, são baseadas em análises a imagens de satélite. Ninguém esteve no local e Kim garantiu que a informação é falsa, pelo menos parcialmente.
“Alguns dizem que as instalações não estão a funcionar, mas terão oportunidade de ver que temos mais dois túneis que são maiores do que os que existiam e que estão em boas condições”, disse na sexta-feira, sugerindo que não está a enganar nem Trump nem a China (mediadora deste processo de pacificação), e que está mesmo comprometido com a desnuclearização.
“Este é um passo pequeno mas importante”, disse ao diário britânico The Guardian o antigo diplomata norte-americano Mintaro Oba. “Não podemos ignorar que Kim quer ser visto como alguém pouco ortodoxo. Tem uma clara inclinação para actos ousados que surpreendam a comunidade internacional, o que o distingue do seu pai”, disse Oba, que seguiu durante anos a política da Coreia do Norte. Mas alertou que Kim Jong-un é “especialista em definir a narrativa” e, por isso, os EUA e a Coreia do Sul terão de manter com ele um diálogo continuado.
Outros analistas não partilham deste optimismo cauteloso de Oba. Na revista Diplomat, o investigador Harry Sa, especialista em relações EUA-Ásia/Pacífico, questiona se Kim vai mesmo entregar mísseis e ogivas que levaram décadas a construir, sobretudo quando foram essas armas estratégicas que levaram os Estados Unidos à mesa das negociações, depois de anos de hostilidade para com o regime comunista de Pyongyang. “Será muito estranho — à luz de qualquer teoria ou comportamento político — que Kim entregue o seu direito de dissuasão depois de o ter obtido”, questionou também Alex Wellerstein, historiador de ciência e armamento nuclear. “Nada é impossível, mas será inesperado, será um resultado muito estranho”.
A resposta a esta perplexidade pode estar numa declaração discreta de Kim Jong-un na cimeira de sexta-feira — onde também admite os danos que o programa nuclear de mísseis balísticos consumiu recursos e que as sanções aplicadas pela ONU e EUA debilitaram ainda mais a economia. “Se mantivermos encontros frequentes e tivermos promessas de um tratado de não-agressão, por que razão iríamos viver com dificuldades por mantermos as nossas armas nucleares?”, disse Kim.
Negociações continuadas e a formalização de um pacto de não agressão são as exigências de Kim para a histórica cimeira com Trump, cuja data e lugar estão neste momento a ser definidos, disse o Presidente dos EUA no comício no Michigan.
Um pacto de não agressão significará para Kim Jong-un uma vitória semelhante à que Trump terá se conseguir desnuclearizar a Coreia do Norte. Significará que o Presidente dos Estados Unidos legitima o regime de Pyongyang.
É esta a “pirueta arriscada” da cimeira Trump-Kim, na expressão de Jonathan Schanzer, vice-presidente do grupo de reflecção Fundación para la Defensa de las Democracias, em declarações ao jornal espanhol El País.
Para Trump, explica Schanzer, a vitória mede-se pelo objectivo que importa directamente aos Estados Unidos — impedir a Coreia do Norte de atingir aos Estados Unidos. Quando discursou perante as Nações Unidas, em Setembro de 2017 (no auge da crise aberta pelos ensaios nucleares de Pyongyang ao longo de 2017), Trump disse que se Kim não recuasse não teria “outra escolha a não ser destruir totalmente a Coreia do Norte”. Disse outra frase, que foi menos ouvida: “Não queremos impôr o nosso modo de vida a ninguém”. Para o Presidente dos Estados Unidos cujo lema de campanha e de política externa é “A América em Primeiro Lugar”, a vitória fica completa com o fim dessa ameaça.
“A falta de democracia na Coreia não ameaça directamente os Estados Unidos. Mas as suas armas nucleares ameaçam”, disse Jonathan Schanzer, para quem o fracasso das negociações de Bill Clinton e George Bush com a Coreia do Norte se deveram em parte “à repugnância que lhes provocavam os antecessores de Kim Jong-un, assim como a sua escassa fiabibilidade”.
“A Administração Trump parte para esta cimeira apenas com a desnuclearização em mente. Para já, temos que esquecer uma desnuclearização completa, verificável e irreversível. A ênfase deve ser manter a Coreia do Norte à mesa das negociações, promover uma maior cooperação entre os três países e manter o momento para eventualmente se chegar à paz e à desnuclearização”, escreveu o analista da revista Diplomat, que pede a Moon para manter as expectativas de Trump “realistas”.
Até porque, explica, apesar do surpreendente e rápido processo diplomático, a Coreia do Norte continua a ter os mesmos objectivos que tinha quando a retórica bélica entre Kim e Trump estava no auge e se correu o risco de uma escalada militar com armas nucleares à mistura: “Assegurar a sobrevivência do regime e afastar a Coreia do Sul dos Estados Unidos, levando à eventual retirada americana da região”.