Nota de Educação Física no secundário volta a suscitar polémica
Pais lamentam que não se esteja a discutir a mudança do regime de acesso ao ensino superior em vez de se optar por "mudanças avulsas". Conselho das Escolas mantém oposição a que a nota de Educação Física conte para a média de acesso ao superior.
O director da Escola Secundária Camões, em Lisboa, João Jaime, lembra-se de “um aluno fantástico, mas que só com muito esforço conseguia ter um 10 [numa escala de 0 a 20] na disciplina de Educação Física (EF) no secundário”. Recorda também um pai que lhe contou que a filha não conseguiu ficar colocada na universidade em Lisboa porque a nota de Educação Física lhe desceu a média.
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O director da Escola Secundária Camões, em Lisboa, João Jaime, lembra-se de “um aluno fantástico, mas que só com muito esforço conseguia ter um 10 [numa escala de 0 a 20] na disciplina de Educação Física (EF) no secundário”. Recorda também um pai que lhe contou que a filha não conseguiu ficar colocada na universidade em Lisboa porque a nota de Educação Física lhe desceu a média.
Estas recordações vêm a propósito da nova mudança já confirmada ao PÚBLICO pelo Ministério da Educação: a partir do próximo ano lectivo, a nota de Educação Física voltará a contar para o apuramento da classificação final do ensino secundário e, portanto, da média de acesso ao ensino superior. Tal tinha deixado de acontecer em 2012, por decisão do então ministro da Educação, Nuno Crato. A nota de EF continuou a contar para efeitos de conclusão do secundário (tal só é possível se os alunos tiverem positiva a todas a disciplinas) e para os alunos que pretendiam seguir estudos no superior nesta área.
“Trata-se de uma questão de agenda partidária”, lamenta João Jaime, defendendo que aquilo que devia estar em cima da mesa era a mudança do regime de acesso ao ensino superior. “Os alunos deviam ter uma nota no final do ensino secundário e o acesso fazer-se de forma distinta. Se tal acontecesse não se estaria a ter esta discussão em torno da nota de Educação Física”, adianta, especificando que esta só é um problema no acesso a cursos mais cobiçados, onde “tudo se decide por milésimas de diferença”. Seja como for, frisa, “todas as disciplinas têm de estar em pé de igualdade se fazem parte do currículo”, o que é o caso de Educação Física.
Também o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), Jorge Ascenção, lamenta que em vez de "medidas avulsas" a questão em debate não seja uma mudança do regime de acesso ao superior, que levasse a que a média obtida no secundário servisse apenas para certificação deste nível de ensino. “Como não é isto que se passa [a média do secundário tem um peso de 50% no acesso], encaramos esta alteração com a mesma preocupação que já manifestámos antes”, diz.
A Confap foi das primeiras organizações a propor que a Educação Física não contasse para o cálculo da média final do secundário. O que fez logo em 2010 argumentando que “há bons alunos que, apesar do seu empenho, não conseguem obter boas classificações a Educação Física, acabando tal facto por lhes descer a média geral de acesso ao ensino superior”.
Conselho das Escolas contra
O líder da Confap considera, por outro lado, “que não é por contar para a nota que a Educação Física vai ser mais valorizada pelos estudantes”. “O que é necessário é que se incuta o gosto nos alunos e isso passa também por se saber de que modo está a ser dada esta disciplina e se os seus programas fazem sentido."
O presidente do Conselho das Escolas, o organismo que representa os directores junto do Ministério da Educação, reafirma a oposição deste órgão a esta mudança, já expressa num parecer divulgado no ano passado. Mais concretamente, lembra José Eduardo Lemos, o que os directores defendem é que “a classificação final da disciplina de Educação Física não deve ser considerada em qualquer cálculo para acesso ao ensino superior, excepto se o aluno assim o entender”.
Deste modo, o Conselho das Escolas defende que se obtém “um equilíbrio”, não prejudicando “milhares de alunos que, por falta de aptidão” eram travados, por via da nota nesta disciplina, no acesso ao superior. E ao mesmo tempo não prejudicando também vários outros “milhares de alunos com magníficas prestações e com excelentes classificações a EF”.
Uma questão de saúde e não só
“Num país em que os hábitos de educação física são tão precários e em que a obesidade começa a ser um problema de saúde pública, só se pode saudar esta mudança”, contrapõe o investigador do Instituto de Educação de Lisboa, Domingos Fernandes. Para este especialista em políticas de avaliação e ex-secretário de Estado da Administração Educativa do Governo de António Guterres, ao tratar-se “a Educação Física como uma disciplina de segunda linha está-se a ir contra a ideia de um currículo para a formação global das pessoas, como é entendido em muitos outros países”.
Domingos Fernandes sublinha ainda que “está demonstrado cientificamente que a prática regular de Educação Física contribui para melhores hábitos de saúde, para mais auto-estima e para se lidar melhor com o corpo” e que poderá assim até ser um factor para que um aluno venha “a ter mais sucesso no superior”.
Falando a título pessoal, também o presidente da Federação Regional de Lisboa das Associações de Pais, Isidoro Roque, defende que uma das formas “de valorizar a saúde das crianças e jovens passa pela prática de Educação Física nas escolas” e que fazendo esta disciplina parte do currículo “faz todo o sentido que conte para a nota”. “É pena que os pais se preocupem apenas com a nota de acesso e não com aquilo que os alunos de facto aprendem e com a sua saúde”, acrescenta.
Já Rui Teixeira, que foi até Janeiro presidente da Federação Nacional das Associações de Estudantes do Ensino Básico e Secundário, considera que os argumentos usados neste debate estão “errados”. Diz que a percentagem dos alunos que sobem a média com a nota de EF é muito superior” à dos que estão na situação inversa. E sobretudo diz-se “chocado” com a visão de ensino que subjaz ao argumento de que os estudantes só se interessam por uma disciplina se esta contar para a nota. “O que se deve discutir é se o conhecimento nesta disciplina deve estar ao nível de outros conhecimentos e eu acho que sim.”
O presidente do Conselho Nacional de Associações de Professores e Profissionais de Educação Física, Avelino Azevedo, lembra que ainda recentemente o Parlamento aprovou um projecto de resolução na qual se recomendava ao Governo que a nota de EF voltasse a contar para a nota.
“Desejo sinceramente que, após terem percebido que mais horas das mesmas disciplinas não dão resultado, [as escolas] aproveitem as mais-valias repetidamente comprovadas da Educação Física para colocar em prática os valores que estão implícitos na disciplina", acrescenta.