“A quantidade de dinheiro que se está a gastar nas séries de TV é insustentável”
Jose Molina, produtor e argumentista de Firefly, Diários do Vampiro ou Lei e Ordem esteve em Portugal para falar da indústria nos EUA. Depois de Tony Soprano e Walter White, temos Jon Snow e outros heróis mais orgulhosos, defende, numa altura em que o Netflix e a Amazon estão a mudar tudo.
De culto: Firefly, de Joss Whedon. De adolescentes: Diários do Vampiro. De massas: Lei & Ordem – Unidade Especial. De permeio: Castle, Agent Carter, Sleepy Hollow, Grimm. O currículo do argumentista e produtor norte-americano Jose Molina é variado, passa pelos comics e também já tocou os grandes aceleradores da televisão – as plataformas de streaming, com The Tick, para a Amazon. Esteve em Portugal este mês, para falar aos produtores portugueses sobre como funciona o desejado mercado americano e para enfatizar o valor das co-produções para dar a conhecer histórias novas numa altura em que os “streamers”, como lhes chama, que operam no audiovisual português ainda não produzem localmente.
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De culto: Firefly, de Joss Whedon. De adolescentes: Diários do Vampiro. De massas: Lei & Ordem – Unidade Especial. De permeio: Castle, Agent Carter, Sleepy Hollow, Grimm. O currículo do argumentista e produtor norte-americano Jose Molina é variado, passa pelos comics e também já tocou os grandes aceleradores da televisão – as plataformas de streaming, com The Tick, para a Amazon. Esteve em Portugal este mês, para falar aos produtores portugueses sobre como funciona o desejado mercado americano e para enfatizar o valor das co-produções para dar a conhecer histórias novas numa altura em que os “streamers”, como lhes chama, que operam no audiovisual português ainda não produzem localmente.
Falou no quarto Encontro de Produtores Independentes de TV sobre como fazer-se uma série “mudou dramaticamente desde que o Netflix entrou no negócio”. Os “streamers” têm e gastam mais dinheiro e querem não uma ideia, mas toda uma série integralmente mapeada e serializada, que fideliza entrelaçando a história em todos os episódios. Também fizeram disparar os orçamentos. Para se distinguirem, precisavam de grandes nomes. David Fincher, Kevin Spacey – e House of Cards, a primeira lança do Netflix no mercado em 2013 era mais cara do que qualquer outra série. “O Netflix e a Amazon produzem agora séries que custam mais de 10 milhões [de dólares] por episódio, quando as séries mais caras dos seus rivais custam cerca de 4,5 milhões.”
Mudam a indústria também pelas apostas em valores seguros, em géneros ou nomes já reconhecidos. E o meio está de tal forma inundado que “por cada Stranger Things ou House of Cards há dezenas de séries que aparecem e desaparecem no computador num piscar de olho”. A situação, conversou depois com o PÚBLICO, não é sustentável. A luz ao fundo do túnel? “[Depois de 20 anos de negrume,] começamos a ver pela primeira vez heróis que querem ser heróicos [na TV].”
Em que género e em que histórias gosta mais de trabalhar? E que papel têm elas na paisagem televisiva actual, tão variada?
Gosto de histórias sobre pessoas que tenham algo de muito específico. O motivo pelo qual Firefly funcionou tão bem quanto funcionou, para as poucas pessoas que a viram, não foi porque era um western espacial, mas porque as personagens eram tão idiossincráticas e reconhecíveis. Queríamos estar com elas. O cliché na televisão é que ao ver televisão estamos a convidar as pessoas no ecrã para nossa casa – inclino-me para me interessar por séries que têm essas histórias convidativas. Passei três anos em Lei e Ordem – Unidade Especial, que é uma série extraordinária e um grande desafio, mas no fim de contas dava por mim com dificuldades em gostar da série, porque era tão negra.
Passámos por um período, que provavelmente começou com o 11 de Setembro, em que tudo era muito negro [na televisão]. Na verdade, remonta a antes do 11 de Setembro, porque o reinado do anti-herói começou com Os Sopranos. E isso pôs a televisão num caminho que levou naturalmente a Walter White [protagonista de Breaking Bad], mas agora estamos a sair desse caminho e começamos a ver pela primeira vez em algum tempo heróis que querem ser heróicos. Mesmo A Guerra dos Tronos, que pode ser bem negra, tem pessoas que são nobres, como Jon Snow, Daenerys, Tyrion. Será bom ver mais séries que têm esperança e bondade, o que não quer dizer que não possam acontecer coisas horríveis, porque todos os dramas precisam de conflito, de idiotas para agitar as águas.
Na sua palestra falou de como os operadores de streaming enfatizaram ainda mais a procura de televisão serializada – como é que isso nos afecta como espectadores?
Uma das coisas que acho um pouco frustrantes na televisão serializada é que é um cozinhado lento. Tem de se dar quatro ou cinco episódios para se saber se se gosta de uma série. Quando eu comecei [a trabalhar], via-se o episódio-piloto e, se ele fosse mau, esquecíamos a série. Força o público a aguentar mais tempo para receber uma recompensa e não acho que seja necessariamente uma coisa boa, porque o valor de entretenimento diminui um pouco à medida desse tempo de espera.
A coisa boa da serialização é que nos força a criar verdadeiramente as personagens, a ter o verdadeiro sentido de quem são estas pessoas e para onde vão, da sua viagem emocional numa temporada ou numa série. No caso de Walter White, ele foi de Mr. Chips [o afável professor de Adeus, Mr. Chips, de 1939] a Scarface – é uma viagem que demorou cinco anos. Forçar os argumentistas a pensar primeiro na personagem só vai melhorar o meio.
Que é um meio conhecido por ser “o meio dos argumentistas”. Nos últimos anos intensificou-se a migração dos realizadores do cinema para a televisão. Isso está a mudar o equilíbrio na indústria?
Sim. Esta é a resposta curta. Historicamente há uma divisão entre os argumentistas – ou se faz cinema, ou se faz televisão. Mas cada vez mais há transferências e a transferência é menos da televisão para o cinema e mais do cinema para a televisão. O que isso pode criar é a exigência de um determinado nível de talento consagrado como condição para se fazer uma série. É cada vez mais difícil vender uma série sem algum grande nome associado. Se não se consegue ter um David Fincher… Eu tenho um projecto que estou a tentar desenvolver e os meus representantes disseram-me que precisam de algum grande nome para tornar o projecto irresistível. Portanto, está a afectar o modo como os canais, e especificamente os streamers, decidem o que é uma aposta segura para eles. E todos querem uma aposta segura.
Nunca houve tanta televisão. Isso é algo negativo? Está-se a formar uma bolha como a das dot.com do início do milénio e isso pode vir a prejudicar a indústria?
A quantidade de dinheiro que se está a gastar actualmente é insustentável a longo prazo. Olhando para séries como Vinyl, da HBO, ou The Get Down, do Netflix, nas quais foram gastos centenas de milhões de dólares e que foram falhanços... Há mais programação à la carte. Mas é muito mais fácil perdermos de vista séries de qualidade nessa confusão. Altered Carbon é um exemplo de uma série em que o Netflix gastou muito dinheiro e energia, mas que não parece ter tido tracção, em termos de audiências.
O investimento tem de ter retorno.
O que vai acontecer nos próximos anos é que mais séries lançadas com grande fanfarra não vão perdurar tanto tempo quanto agora [e ter direito a continuar]. Altered Carbon já tem luz verde para uma segunda temporada, foi garantida antes de a série se estrear. Não sei os pormenores do financiamento, e a Amazon em particular é famosa por atirar dinheiro para cima dos problemas por ter os bolsos tão fundos. Mas isso não é sustentável.
Defendeu que as co-produções são uma forma de fazer séries mais parecidas com o mundo à nossa volta e que isso pode contribuir para o mudar. Por que é que atribui esse poder à televisão e à co-produção em particular?
Nos EUA neste momento há uma exigência por diversidade à frente e atrás das câmaras, especificamente em torno de vozes das minorias e das mulheres. E essa mudança é há muito devida. Acho que teremos programação muito mais inclusiva. Quando eu crescia em Porto Rico, a televisão que eu via não tinha porto-riquenhos no ecrã a não ser que fossem criminosos e isso criou em mim um desejo de não ser porto-riquenho. Começar a mostrar às pessoas de diferentes raças e às mulheres que não têm de ser criminosos ou donas de casa, namoradas ou secretárias, mostrando que se pode ser mais do que a sociedade lhes disse que podem ser é potencialmente algo que muda o mundo. Vou a muitas convenções e vemos os miúdos a incorporar os super-heróis e as personagens dos seus ecrãs – não podemos subestimar o impacto que a televisão pode ter na sociedade.
Enfatiza que os gigantes do streaming, ao produzir localmente, podem ajudar-nos a compreender-nos melhor.
Parece-me óbvio que há tantas histórias que ainda não contámos e os canais estão sempre a dizer que querem vozes novas e frescas. Elas estão aí, mas actualmente o sistema não está montado de forma a encontrá-las. Forçá-los a procurá-las, a dar-lhes uma plataforma para que se façam ouvir, é fenomenal. Temos de agradecer à Internet por isso. É ver o caso da série Confederate, que ia ser a próxima série de Dan Benioff e David Weiss [de A Guerra dos Tronos, para a HBO]. Suscitou indignação online e parece que já não vai haver série. Isso, o que aconteceu no Twitter, afectou a televisão que ia ser feita. O mundo tornou-se mais pequeno de uma forma fantástica, porque as pessoas têm uma voz e porque os parâmetros segundo os quais ela é medida mudou.