Como continuar a ser Indie escapando talvez ao indie

Estarão os festivais – o IndieLisboa, o DocLisboa, o Curtas Vila do Conde, o Porto/Post/Doc... – a abastecer-se do mesmo modo e a tornarem-se indistintos? Nuno Sena e Miguel Valverde puxam dos pergaminhos.

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Nuno Sena está de regresso ao IndieLisboa depois de uma sabática que o pôs a observar o festival de fora JOSÉ MARIA FERREIRA

Qual é, afinal, o perfil do IndieLisboa? A antítese do Festival de Sundance, que a meio dos anos 80 – quando, por exemplo, Blood  Simple, dos irmãos Coen, ali chegou, foi visto e venceu (1985) – se tornou a montra de visibilidade de uma “marca” que por esses anos se cunhava com euforia? É por aí que vai Nuno Sena, um dos directores do Indie. “O rótulo ‘independente’ pode ser limitativo, o nosso entendimento é mais abrangente. A ideia, “desde o início” – a primeira edição foi em 2004 –, “foi resistir ao que fazia Sundance, resistir à cristalização do formato indie”.

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Qual é, afinal, o perfil do IndieLisboa? A antítese do Festival de Sundance, que a meio dos anos 80 – quando, por exemplo, Blood  Simple, dos irmãos Coen, ali chegou, foi visto e venceu (1985) – se tornou a montra de visibilidade de uma “marca” que por esses anos se cunhava com euforia? É por aí que vai Nuno Sena, um dos directores do Indie. “O rótulo ‘independente’ pode ser limitativo, o nosso entendimento é mais abrangente. A ideia, “desde o início” – a primeira edição foi em 2004 –, “foi resistir ao que fazia Sundance, resistir à cristalização do formato indie”.

Mas o que é que é, ou o que é que pode ser, o cinema indie? “A capacidade de os autores conseguirem trabalhar dentro dos modelos do cinema contemporâneo sem se deixarem limitar pelas expectativas.” Estes cineastas, reforça Miguel Valverde, outro director e programador, “fazem os filmes que querem fazer, independentemente dos constrangimentos”. Nuno volta a argumentar: “Há uma ideia de resistência, estética e em alguns casos política, de fugir à normalização. Estes autores não vão ser assimilados pelo mainstream. Sundance é o contrário disso.”

Este pedaço de orgulho Indie e não apenas indie surgiu no culminar de uma provocação tentada pelo PÚBLICO: estarão os festivais portugueses – o Indie, o DocLisboa, o Curtas Vila do Conde, o Porto/Post/Doc... – a abastecer-se do mesmo modo? Se trocassem de filmes entre si, o “perfil” de cada um alterar-se-ia significativamente? Vistos deste lado, sugerimos, é como se formassem uma nebulosa indistinta.

Miguel Valverde concorda com a impressão. Mas argumenta que o mundo à volta é que mudou. No início Doc e Indie, por exemplo, eram claramente distintos; só que as ficções do real vieram baralhar e dar de novo e as fronteiras esbateram-se. “Há mais festivais temáticos hoje. Há mais pessoas que vão aos sítios que nós vamos.” Mas o director do IndieLisboa puxa do currículo. “Acho que nenhum teve uma direcção que se tenha mostrado tão coerente e coesa desde o início – todo o nosso desenho hoje parte da génese inicial, que, aliás, há três ou quatro anos quisemos reforçar, recentrando o festival. Mostrámos a nossa identidade, os outros é que vieram depois. A nossa ideia é continuar – estamos a chegar à 15.ª edição – a apresentar coisas diferentes dentro da nossa identidade de génese a que outros se vieram colar.”

De novo, um director reforça os gestos do outro. Nuno Sena – que nesta edição regressa à direcção, depois da sabática que o colocou a observar do exterior – admite que o Indie pode ter ligações estreitas à Viennale de Viena ou ao Bafici de Buenos Aires, mas insiste que, “no contexto nacional”, não há confusão. “Há ideias que passaram para outros festivais, mas o Indie continua a ser singular.” A saber, pegando no que um e outro dizem: se cada festival escolhe os seus cineastas, uns são mais dedicados do que outros e o IndieLisboa defende a “continuidade”, a “família” – a prova desse “bom trabalho” é que cineastas que ali apresentaram curtas, ou ali ganharam com curtas, querem regressar ao festival para mostrar as longas; se o Indie não tem capacidade para projectar internacionalmente autores internacionais, pode, porém, dá-los a descobrir ao público português (exemplificam: Jia Zhang-ke ou Nobuhiro Suwa) e pode projectar internacionalmente autores nacionais – Leonor Teles ou João Salaviza vêm à baila.

O objectivo “não é descobrir a next  big  thing, território minado”, mas fazer um trabalho de revelação mais lento. “O Indie foi pioneiro a derrubar barreiras, entre curtas e longas, entre documentário e ficção. E a derrubar as barreiras internacionais para o cinema português. Há 15 anos não era nada imediata a percepção de que o cinema português era popular entre a crítica e os festivais internacionais.”

É assim que querem continuar a ser Indie – escapando, talvez, ao indie.