Ir além da propaganda
O Presidente da República mostra cepticismo quanto a capacidade do Governo reestruturar o sector a curto prazo.
O Presidente da República, o primeiro-ministro e vários membros do Governo vão dedicar este sábado à limpeza das matas. O gesto tem como objectivo sensibilizar a população para a necessidade de anualmente cuidar de manter o território livre de produtos inflamáveis para prevenir o risco de incêndio. O acto de propaganda é meritório. Sem dúvida cabe aos responsáveis pelos órgãos de soberania dar o exemplo e desenvolver acções que estimulem nas populações comportamentos saudáveis para proveito próprio e para o bem da comunidade. Mas, para lá da propaganda e do voluntarismo deste acto, qual o seu significado e que consequências dele podem advir?
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O Presidente da República, o primeiro-ministro e vários membros do Governo vão dedicar este sábado à limpeza das matas. O gesto tem como objectivo sensibilizar a população para a necessidade de anualmente cuidar de manter o território livre de produtos inflamáveis para prevenir o risco de incêndio. O acto de propaganda é meritório. Sem dúvida cabe aos responsáveis pelos órgãos de soberania dar o exemplo e desenvolver acções que estimulem nas populações comportamentos saudáveis para proveito próprio e para o bem da comunidade. Mas, para lá da propaganda e do voluntarismo deste acto, qual o seu significado e que consequências dele podem advir?
Esta acção de propaganda surge precisamente na semana em que foi conhecido relatório sobre os incêndios de Outubro de 2017, realizado pela mesma comissão técnica independente responsável pelo relatório dos incêndios de Junho. O documento agora divulgado reitera muito do afirmado pelo primeiro, sendo a novidade o facto de ser bastante mais crítico para a acção do Governo em Outubro. A começar pela responsabilidade política do secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes — em quem a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, delegou competências —, pela recusa dos pedidos de reforço de meios aéreo e humanos feitos ao longo do Verão pela Autoridade Nacional de Protecção Civil. O próprio Jorge Gomes já veio negar a acusação e salientar que não foi ouvido. Aguarda-se o resultado das investigações do Ministério Público sobre responsabilidade criminal de responsáveis políticos e operacionais.
O relatório é também crítico em relação a soluções entretanto adoptadas pelo executivo para a reforma da política de prevenção e combate a incêndios. As reacções institucionais foram prudentes. O Presidente da República admitiu poderem ser revistas opções já tomadas e mostra cepticismo quanto a capacidade do Governo reestruturar o sector a curto prazo. Herdando o Ministério da Administração Interna, Eduardo Cabrita deu a cara pelo Governo. Dono de inegável bom senso político, evitou responder às críticas e insistiu na tese de que o Governo irá analisar o segundo relatório, podendo haver alterações na estratégia e nas orientações do Governo.
Na mesma conferência de imprensa, Eduardo Cabrita não quis adiantar pormenores sobre a passagem da gestão dos meios aéreos para a Força Aérea, quando se sabe já que este ano ela será feita pela Autoridade Nacional de Protecção Civil, com apoio militar. De resto, as incógnitas são várias. Ainda não há resultados dos concursos para contratar empresas fornecedoras de aeronaves, nem se sabe se o Estado terá de recorrer à contratação directa. Desconhece-se também como será feita a coordenação de bombeiros e para quando a sua reestruturação. Quanto ao sistema de comunicações, o famoso SIRESP, para além de estar decidida a entrada do Estado como accionista, mantém-se a ignorância sobre como vai funcionar, ou seja, se vai voltar a falhar.
Quanto à política de reconstrução de casas de primeira habitação, o que se conhece é que está a ser mantida a dispersão de povoamento que é característica do interior do país. O primeiro-ministro já disse que as entidades públicas que geriram a reconstrução não conseguiram convencer as pessoas a mudar. A dúvida é saber se na urgência da reconstrução houve um real investimento na tentativa de reorganização do mundo rural e da agregação das populações em locais mais povoados, onde possam estar mais acompanhadas e defendidas.
De tudo o que se vai conhecendo, a sensação que fica é a de que o Governo poderá ter andado meses a agir com base em voluntarismo e a aprovar à pressa medidas que agora podem ter de ser alteradas. É verdade que é sempre positivo quando os erros são reconhecidos e as orientações corrigidas. E deve ser louvada a disponibilidade para o fazer. Entretanto, o Verão aproxima-se. Quem é crente pode sempre rezar para que a acção do Governo resulte em mais do que atirar dinheiro para cima da fogueira.